Acórdão nº 436/20.0PATVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução07 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora
  1. RELATÓRIO No Processo Comum Coletivo n.º 436/20.0PATVR da Comarca de Faro Juízo Central Criminal de Faro – Juiz 1, foram proferidos dois despachos judiciais com o teor que a seguir se transcreve.

    1. Das decisões Judiciais de 27.3.2023 1.1.

      No dia 27.3.2023 o Tribunal a quo começou por determinar que a audiência de discussão e julgamento decorresse com exclusão da publicidade, proferindo despacho com o seguinte teor: “Dispõe o n.º 3 do artigo 87.º, do Código Processo Penal: em caso de processo por crime (…) contra a liberdade e autodeterminação sexual, os atos processuais decorrem, em regra, com exclusão da publicidade.

      Com esta norma, o legislador visou proteger, de um modo genérico, a privacidade e a intimidade das vítimas, intervenientes e participantes processuais que podiam ser colocados em crise pela publicidade dos atos processuais (assim parecer da PGR n.º 25/2009, de 8 de outubro, publicado no DR II Série, de 17.11.2009 e Maria do Carmo Dias, in Comentário Judiciário do Código de Processo penal, Tomo I, Almedina, p. 944, § 32.º).

      A regra prevista neste artigo só deve ser afastada a requerimento da vítima desde que o pedido da mesma seja livre e esclarecido (Maria do Carmo Dias, in ob cit., p. 944, § 33º).

      No caso dos autos, o arguido encontra pronunciado pela prática de um crime contra a liberdade sexual (abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo artigo 165.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal) e a vítima não requereu que o julgamento decorra com publicidade.

      Pelo exposto determina-se que o julgamento decorra com exclusão da publicidade”.

      1.2.

      Em seguida e no mesmo dia, o Tribunal recorrido, proferiu despacho que se pronunciou sobre o requerimento do jornalista do PÚBLICO, apresentado em 30.1.2023, nos seguintes termos (transcrição): “AA, jornalista do PUBLICO com a carteira profissional 474, veio requerer, ao abrigo da legislação aplicável e para efeitos de desempenho da sua atividade profissional, copia digital da acusação e da pronúncia proferidas nos presentes autos.

      Dispõe o artigo 90.º, n.º 1 do Cód. de Processo Penal que: (Qualquer pessoa que nisso revelar interesse legítimo pode pedir que seja admitida a consultar auto de um processo que não se encontre em segredo de justiça e que lhe seja fornecida, à sua custa, cópia, extrato ou certidão de auto ou de parte dele. O n.º3 do mesmo artigo, dispõe que a permissão de consulta de auto e de obtenção de cópia, extrato ou certidão realiza-se sem prejuízo da proibição, que no caso se verificar, de narração de atos processuais ou de reprodução dos seus termos através dos meios de comunicação social.

      No caso dos autos, foi decidido que o processo irá decorrer com exclusão da publicidade, pelo que não é autorizada a narração de qualquer ato processual anterior.

      Neste contexto, não é legalmente admissível entregar copia da acusação e da pronúncia, na medida em que o interesse de um jornalista em consultar o processo mostra-se limitado pela respetiva funcionalidade, isto é, pela afetação a um dever de informar. Este interesse só existe quando o titular possa divulgar os atos processuais que vai consultar [no sentido apontado acórdão da Relação do Porto de 09-05-2018, processo n.º 15187/11.9TDPRT-C.P1, consultável, ex texto integral no endereço eletrónico www.dgsi.pt].

      Pelo exposto, indefere-se o pedido de cópia digital da acusação e da pronúncia proferidas nos presentes autos.

      Notifique-se o Sr. jornalista requerente, a assistente e o arguido, estes nas pessoas das respetivas mandatárias, e Ministério Público, na medida em que este despacho é suscetível de recurso.” 2. Do recurso 2.1. Das conclusões do recorrente jornalista do “Público” Interveniente Acidental Inconformado com esta segunda decisão o jornalista AA interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “I - Vem o presente recurso interposto do despacho que indeferiu o pedido de cópia digital da acusação e pronúncia proferidas nos presentes autos.

      II - O pedido em causa foi efetuado pelo ora Recorrente, Interveniente Acidental AA, nos termos do artº 90º nº 1 do CPP, invocando a sua qualidade de jornalista e acrescentando que o interesse na consulta do processo se destinava “à publicação de noticiário sobre este caso, dado que o profissional médico em questão já foi condenado no passado pelo mesmo tipo de crimes”.

      III - No entanto, tendo em conta que havia sido decidido que o processo iria decorrer com exclusão da publicidade, pelo que não seria autorizada a narração de qualquer ato processual anterior, considerou o tribunal “a quo” não ser legalmente admissível entregar cópia da acusação e da pronúncia, na medida em que o interesse de um jornalista em consultar o processo mostra-se limitado pela respetiva funcionalidade, isto é, pela afetação a um dever de informar.

      IV - É deste despacho que se recorre por o mesmo violar a lei, nomeadamente os artºs 8º nºs 1 e 3 da Lei 1/99, 87º nºs 1 a 3 e 90º nº 1 do CPP, 10º da CEDH e 18º, 37º e 38º da CRP, ao impedir o acesso do ora Recorrente à acusação e à pronúncia, sem qualquer ponderação dos direitos e interesses em confronto.

      V - Na verdade, o que havia sido decidido fora a exclusão de publicidade do julgamento e não qualquer proibição absoluta da narração de todo e qualquer acto do processo, como erradamente se afirma no despacho em crise.

      VI - As restrições a impor no acesso à informação terão sempre de ser ponderadas em função das concretas realidades em confronto: no caso em apreço, o ora Recorrente é jornalista e, no exercício da sua profissão ,pretende aceder às fontes de informação para informar o público sendo ainda de considerar o interesse público e o relevo social da factualidade em causa no processo: crime contra liberdade e autodeterminação sexual, bem como a qualidade do arguido: médico que presta serviço numa instituição pública.

      VII - Em confronto com a liberdade de expressão e de informação estão, naturalmente, a privacidade e intimidade da vítima, que sempre deverão ser respeitadas e que justificam restrições a tais liberdades, mas nunca de forma a anulá-las, como resulta do despacho sob recurso.

      VIII - As restrições à liberdade de expressão e de informação, deverão, sempre, nos termos do artº 10º 1º e 2º da CEDH, ser o resultado de uma necessidade social imperiosa, como é jurisprudência constante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o que não...

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