Acórdão nº 394/20.1GAVNO.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelJOÃO CARROLA
Data da Resolução07 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I.

1. No Inquérito n.º 394/20.1GAVNO que correu termos, para efeitos jurisdicionais, no Juízo Local Criminal de Tomar, Comarca de Santarém, onde havia sido decretada e cumprida a suspensão provisória do processo ao arguido AA, o Ministério Público, veio a proferir despacho de arquivamento.

Posteriormente, por despacho datado de 20.09.2022, o Ministério Público determinou que os autos fossem apresentados ao Juiz de Instrução, «… com a promoção que sejam declarados perdidos a favor do Estado os objetos melhor descritos a fls. 41 (arma de fogo; mala; cadeado; chave; licença; livrete).

Nos termos do artigo 109.º do Código Penal, devendo as armas, nessa conformidade, ser entregues à guarda da PSP, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.” invocando como fundamento que “Nos presentes autos foi determinada a aplicação da suspensão provisória do processo (SPP) ao arguido pela prática de factos suscetíveis de integrar, em abstrato, o crime de violência doméstica.

Na verdade, segundo os factos constantes do despacho de proposta de SPP, o arguido chegou a ameaçar a ofendida com arma branca (faca de cozinha) e de fogo, referindo à ofendida «que lhe dava um tiro».

Nos autos foi apreendida a arma e objeto melhor descritos a fls. 41 e seguintes.” Na sequência desse requerimento/promoção, veio a ser proferido, na data de 17.10.2022, despacho com o seguinte teor: “Declaro perdidos a favor do Estado os objetos melhor descritos a fls. 41 (arma de fogo; mala; cadeado; chave; licença; livrete) nos termos do disposto no artigo 109.º do Código Penal, mais se determinando que as armas sejam entregues à guarda da PSP, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.” Deste despacho recorreu o arguido, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): “l) Conforme resulta de fls., o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo após promoção Ministério Público, proferiu o seguinte Despacho: "Declaro perdidos a favor Estado os objetos melhor descritos a fls. 41 (arma de fogo; mala, cadeado; chave; licença; livrete) nos termos do disposto no artigo 109º do Código Penal, mais se determinando que as armas sejam entregues à guarda da PSP, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

" 2) Salvo o devido respeito, que é muito, não podemos aceitar tal decisão.

3) Isto, porque o de inquérito já se encontrava arquivado, conforme despacho de fls., com a referência 90768776, em de ter decorrido o prazo de 12 meses de suspensão provisória do processo aplicado ao arguido e este ter cumprido todas as regras de conduta/injunções que lhe foram impostas; 4) Os objetos apreendidos (arma de fogo; mala; cadeado; chave; licença; livrete), melhor descritos a fls. 41, não foram utilizados na prática do crime pelo qual o arguido se encontrava indiciado - vide proposta de suspensão provisória do processo por parte do Ministério Público e declarações das testemunhas; 5) O arguido tem licença de uso e porte arma, estando a sua situação relativamente à arma e demais objetos, conforme a lei; 6) Ao decidir arquivar o inquérito, em virtude do cumprimento por parte do arguido de todas as regras de conduta e injunções que lhe foram impostas, o Ministério Público e o Meritíssimo Juiz estavam impedidos de alterar posteriormente as condições que haviam sido impostas pelo Ministério Público e aceites pelo arguido; 7) A decisão que declarou perdidos a favor do estado os referidos objetos foi promovida pelo Ministério Público, com fundamento em factos que o Ministério Público diz constarem da proposta de suspensão provisória do processo; 8) Diz o Ministério Público "o arguido chegou a ameaçar a ofendida com arma branca (faca de cozinha) e de fogo, referindo à ofendida "que lhe dava um tiro"; 9) Trata-se de fundamento que não corresponde à verdade, uma vez que o arguido não ameaçou a ofendida diretamente nem com a faca nem com a arma de fogo, conforme resulta dos factos indiciados na proposta da suspensão provisória do processo e das declarações das testemunhas; 10) Uma vez que nem a arma branca, nem a arma de fogo, foram exibidas pelo arguido à ofendida; 11) Dispõe o artigo 109º n.º 1, do Código Penal: "São declarados perdidos a favor do Estado, os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática.", 12) Ora nada disto acontece no presente caso; 13) Assim, não havia razões, nem se encontram reunidos os requisitos legais, para declarar a favor do estado os objetos apreendidos de fls. 41; 14) Pelo que foi violado o disposto no artigo 109º do Código Penal; 15) E, como já acima se disse, o arguido aceitou e suspensão provisória do processo nos termos e condições que foram propostas pelo Ministério Público, e não contava nessas condições perder o arguido a favor do Estado, os objetos apreendidos nos autos 16) Previamente a que declarou perdidos a favor do Estado tais objetos, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não notificou o arguido para se pronunciar quanto a ta- questão; 17) A decisão recorrida constituiu para o arguido uma total surpresa, uma vez que não contava nem poderia contar com a mesma em virtude de ter aceite a suspensão do processo e tal não constar de nenhuma das regras de conduta/injunções impostas ao arguido.

18) Antes de decidir a perda, a favor do estado, dos objetos apreendidos, deveria o Meritíssimo Juiz ouvir o arguido; 19) Sendo que a decisão tomada afeta diretamente os direitos do arguido, já que tais bens lhe pertencem; 20) Ao assim não proceder, violou o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo o disposto no artigo 61º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal e o artigo 62º da Constituição de República Portuguesa, bem como as garantias de defesa e o princípio do contraditório constitucionalmente consagrados.

21) Pelo que o despacho é nulo. Nulidade que aqui se invoca com todos os efeitos legais daí resultantes; 22) A decisão também não se encontra devidamente fundamentada; 23) Nos termos do disposto no artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei"; 24) E o artigo 97º, n.º 5, do Código de Processo Penal, dispõe: "Os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão"; 25) A decisão não é de mero expediente, daí ter de ser fundamentada de facto e de direito, o que não aconteceu; 26) Pelo que a decisão recorrida é nula nos termos do disposto no artigo 3790 do Código de Processo Penal, devendo por isso ser REVOGADA.” O Mmo. Juiz proferiu despacho de sustentação a 19.11.2022, com o seguinte teor: “Cumpre proceder a reparação ou sustentação da decisão de perda a favor do Estado.

Não tendo sido vertida no despacho dá-se por reproduzida a fundamentação aduzida pelo Ministério Público, mantendo-se a decisão proferida.

Isto porque, tendo sido determinada a suspensão provisória do processo pela prática de factos suscetíveis de integrar o crime de violência doméstica, do despacho consta que o arguido chegou a ameaçar a ofendida com arma branca (faca de cozinha) e de fogo, referindo à ofendida «que lhe dava um tiro» remetendo-se para o Ac TRC de 18-03-2015:“I - A titularidade de licença de uso e porte de arma não tem a virtualidade de, pela simples razão de existir, afastar a declaração de perdimento a favor do Estado do objecto atinente. II - Para o efeito referido, relevante é a perigosidade, reportada ao objecto em causa e às concretas circunstâncias do caso. III - Revelando-se a prática de um crime de violência doméstica, por referência, inter alia, aos seguintes factos: (i) o arguido consome bebidas alcoólicas e, quando o faz, fica mais agressivo e violento; (ii) pese embora tal situação tenha piorado nos últimos anos, desde o início do casamento que o arguido começou a ter um comportamento agressivo para com a ofendida, molestando-a fisicamente, discutindo frequentemente com a mesma, controlando o que ela fazia, ameaçando-a e injuriando-a; (iii) nesta sequência, e por um número indeterminado de vezes, em circunstâncias de tempo e lugar não concretamente apuradas, o arguido molestou fisicamente a ofendida, desferindo-lhe murros e pontapés, puxando-lhe os cabelos e constrangendo-lhe a zona do pescoço com as mãos, ameaçou-a de morte, dizendo-lhe que tinha duas armas e que lhe dava um tiro (…).”...

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