Acórdão nº 20/14.8JAGRD-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução11 de Outubro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

RECURSO Nº 20/14.8JAGRD-B.C1 Processo Comum Singular Junção de requerimento de recurso fora de prazo Justo Impedimento Juízo de Competência Genérica de Trancoso Tribunal Judicial da Comarca da Guarda Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO OS ANTECEDENTES PROCESSUAIS 1.

…foi proferida sentença datada de 10 de Fevereiro de 2023 com o seguinte DISPOSITIVO (transcrição): · «

  1. Condeno o arguido … pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 26.º, do Código Penal e 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2, alínea b), do Regime Geral da Infracções Tributárias, na pena 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão; · b) Condeno a arguida … pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 26.º, do Código Penal e 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2, alínea b), do Regime Geral da Infracções Tributárias, na pena 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão; · c) Suspendo a sua execução de ambas as penas identificadas em a) e b), nos termos do disposto no art. 51.º, n.º 1 e 5 do Código Penal e 14.º, n.º 1 do RGIT, pelo período de 3 (três) anos, suspensão essa condicionada ao pagamento solidário por parte dos arguidos da quantia de 77.220,28€ (setenta e sete mil duzentos e vinte euros e vinte e oito cêntimos), correspondente à prestação tributária devida.

    · d) Julgo parcialmente procedente a pretensão de perda de vantagem patrimonial decorrente da prática de crime peticionada e, consequentemente, declaro a perda a favor do Estado do montante de 63.720,28€ (sessenta e três mil setecentos e vinte euros e vinte e oito cêntimos), condenando os arguidos ao seu pagamento».

    2.

    Recorreram ambos os arguidos através de peça processual entrada em juízo pelas 00:31 do dia 17 de Março de 2023.

    3.

    Nesse mesmo dia, pelas 18:23, os ditos recorrentes invocaram o «justo impedimento», nos termos do artigo 140º do Código de Processo Civil, futuramente CPC (ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal, doravante CPP), peticionando, a final, que se considerar tal justo impedimento como provado e, em consequência, se admita o recurso interposto da sentença em causa, apesar de fora do prazo legal.

    4.

    Com data de 30 de Março de 2023, foi proferido o seguinte DESPACHO: «Vieram os arguidos … interpor recurso da sentença condenatória proferida nos autos a 10 de Fevereiro de 2023, mediante requerimento electrónico dirigido aos autos a 17 de Março de 2023 … A sentença foi lida e depositada no dia 10 de Fevereiro de 2023 … considerando-se, portanto, nessa mesma data, os arguidos notificados pessoalmente da sentença (cfr. art. 411.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Penal).

    Deste modo, o prazo de 30 dias para interposição de recurso terminaria no passado dia 12.03.2023, contudo, sendo esse um dia não útil (domingo), o mesmo passou para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, para o dia 13.03.2023.

    Ainda assim, tendo presente o disposto no art. 107.º-A do Código de Processo Penal, sempre assistia aos arguidos a possibilidade de apresentar o recurso em causa até ao 3.º dia útil após o término do aludido prazo, isto mediante o pagamento da multa correspondente, o que, tudo compulsado, remete o efectivo término do prazo para o dia 16.03.2023.

    Ora, o recurso em causa foi interposto no dia 17.03.2023, pelas 00:00:31, razão pela qual, reconhecendo que o mesmo foi apresentado fora de prazo, veio o ilustre mandatário dos arguidos justificar a sua apresentação extemporânea, alegando uma situação de justo impedimento.

    De forma o mais sucinta possível, veio então alegar o seguinte: Que no dia 16.03.2023, após ter intervindo em duas diligências, quando se encontrava em casa, por volta das 17:30h, “foi surpreendido por dores de cabeça lancinantes e intensíssimas, náuseas e vómitos, desmaiando logo de seguida”, tendo sido encontrado pela sua esposa desmaiado no chão, razão pela qual a mesma acabou por chamar um médico. Após a chegado do médico, “depois de examiná-lo, diagnosticou visível agitação e preocupação, com queixas de cefaleias, associadas a náuseas, vómitos e perda de consciência com recuperação espontânea, bem como tensão arterial elevada, aconselhando a ida a urgência hospitalar dada a gravidade da condição clínica”.

    Por fim, refere que, apesar do aconselhamento médico, decidiu não se deslocar às urgências, optando por ficar em casa na tentativa de terminar o presente recurso, … Ora, mesmo perante tal esforço, que qualifica de “sobre-humano”, refere que “conseguiu dar entrada com o recurso, via CITIUS, iniciando o envio ainda antes das 00H00, mas concluindo-o escassos 31 segundos após”, … Para prova do alegado, junta atestado médico (ref.ª 2150492).

    *Em sede de contraditório, veio o Ministério Público pugnar, em síntese, pela não admissão do recurso, … Posto isto, cumpre decidir.

    * Dispõe o art. 107.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que “Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento.

    ”.

    Quanto à noção de justo impedimento, nada referindo a esse respeito o Código de Processo Penal, há que atentar àquela que decorre do próprio Código de Processo Civil, o qual, no seu art. 140.º, nos refere que “considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato” (ex vi art. 4.º do Código de Processo Penal).

    … Em termos especificamente jurisprudenciais, a forma como este conceito de justo impedimento tem sido entendido e os critérios valorativos a serem seguidos para o seu preenchimento têm-se apresentado com significativa coerência e uniformidade. … … Revertendo ao caso em apreciação, não podemos deixar de acompanhar o entendimento promovido pelo Ministério Público, considerando que, manifestamente, a situação em causa relatada pelo mandatário dos arguidos não configura uma situação de justo impedimento, isto essencialmente por razões que, no nosso entender, nos parecem bastantes simples e que resultam de forma objectiva da factualidade alegada.

    Com efeito, o que resulta da alegação em causa é tão só o seguinte (parafraseando): Após a intervenção do ilustre mandatário em determinadas diligências judiciais em parte do dia 16.03.2023, o mesmo encontrava-se a terminar o recurso, quando terá sido acometido, alegadamente, de doença súbita … Chamado o médico a casa, após ter sido avaliado pelo mesmo, foi aconselhado, para efeitos de diagnóstico complementar, a deslocar-se às urgências, indicação essa que o próprio mandatário rejeitou. Nesse momento, teve destreza suficiente para fazer um juízo valorativo quanto à gravidade da situação e, em concreto, do seu estado/nível de incapacidade para continuar a trabalhar, fazendo uma opção (que reputamos de legítima) em se manter a trabalhar, ao invés de se deslocar às urgências tal como terá sido aconselhado pelo médico.

    Bem ou mal, com prejuízo ou não para a sua saúde ou para o seu trabalho, a verdade é que resulta claramente da alegação em causa que foi essa a opção tomada pelo ilustre mandatário, e, ao fazê-lo, naturalmente que assumiu o risco inerente às dificuldades porque alegou passar e que seriam passiveis de o limitar na execução das suas obrigações profissionais.

    Salvo devido respeito, tendo optado por ficar em casa precisamente com o intuito de acabar o recurso, conformou-se com toda aquela situação, a qual, objectivamente, ainda que pudesse ter gravidade, não foi suficiente para o impedir de trabalhar (ainda que tal tenha passado, alegadamente, por um relato à sua esposa daquilo que a mesma deveria redigir na aludida peça processual). Aliás, no que concerne à gravidade da dita doença súbita, o relatório médico junto pouco ou nada diz, sendo apenas uma transcrição das queixas que o ilustre mandatário relatou ao clínico (à excepção da tensão arterial que constitui um elemento objectivamente por aquele comprovado), tanto é que foi aconselhado a ir às urgências para um mais eficaz diagnóstico.

    Reflexo de que o que está em causa não configura qualquer justo impedimento, é a circunstância de o recurso ter sido concluído e submetido apenas 31 segundos fora de prazo, porquanto, para que o mesmo fosse apresentado tempestivamente, bastava, a título meramente exemplificativo e ilustrativo, uma maior destreza a redigir o requerimento ou a inseri-lo no sistema. Trinta e um segundos são um simples “suspiro” no computo do prazo global de que dispunham para apresentar o recurso.

    Dito isto, e tal como o considerado no Acórdão supra mencionado, “A doença para constituir justo impedimento terá de impossibilitar absolutamente a prática atempada do ato por razões que não sejam imputáveis ao requerente, o que sucederá quando a doença seja súbita, imprevisível e grave. A doença invocada não é grave se, apesar dela, a requerente, na qualidade de advogada, tiver continuado a exercer a sua atividade profissional, aceitando o risco de não avaliar, com a necessária atenção e cuidado, cada situação e responder a todas a solicitações atempadamente”, conclusões estas que têm inteira aplicabilidade ao vertente caso, pelo que não podemos deixar de concluir pela não verificação dos pressupostos de que depende a verificação de uma situação de justo impedimento, sendo que a apresentação extemporânea do recurso só a ela poderá ser assacada.

    Logo, não tendo os arguidos apresentado tempestivamente recurso, precludido se mostra, por caducidade, o exercício desse direito que lhes assistia, mostrando-se a sentença condenatória, à data daquela sua pretensão, transitada em julgado.

    …».

    5. Em 24 de Abril de 2023, reclamaram os recorrentes de tal despacho, nos termos do artigo 405º do CPP.

    Fizeram-no, CONCLUINDO nos seguintes...

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