Acórdão nº 46/21.5GBPSR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução10 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: Nos autos de processo comum singular supra numerado, perante tribunal singular do Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Local Criminal ... - e onde é arguido AA, filho de BB e de CC, natural de ..., nascido em .../.../1963, agricultor, divorciado, e residente no ..., ...

, ..., ... (TIR a fls. 91); imputando-lhe os factos contantes da acusação pública de fls. 254-256 e que, no seu entender, integram a prática, dolosamente, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravada, previsto e punido pelo disposto no artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a), 2, alínea a), e n.ºs 4 e 5, com referência aos artigos 10.º, n.º 1, 14.º, n.º 1 e 26.º, 1ª modalidade, todos do Código Penal.

*O arguido apresentou contestação, com o teor de fls. 272-273, alegando em súmula o seguinte: i) o arguido sentia ultimamente que a sua mulher se queria divorciar e como o arguido não lhe deu motivo para tal a sua mulher construiu a autojustificação que o Ministério Público veicula na acusação; ii) a queixosa recorre à mentira, sendo tudo falso o que consta da acusação; iii) o arguido nunca foi possessivo nem manipulador; iv) o arguido sempre respeitou a mulher; v) o arguido nunca maltratou a sua mulher, aqui queixosa; v) deve o arguido ser absolvido. Arrolou testemunhas.

Não foi deduzido pedido de indemnização civil. O Ministério Público requereu que fosse atribuída uma indemnização a favor da queixosa DD.

A queixosa, em audiência de julgamento, não se opôs a que lhe fosse arbitrada uma quantia destinada a reparar os prejuízos sofridos.

*A final, por sentença de 11 de outubro de 2022, decidiu o tribunal recorrido: a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de prisão; b) Suspender a execução da pena de prisão de 2 (dois) anos e 06 (seis) meses, aplicada ao arguido AA, por igual período de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses, mediante: 1) Regime de prova, assente em plano de reinserção social a elaborar pela D.G.R.S.P., com relatórios de acompanhamento, executado com vigilância e apoio da D.G.R.S.P, durante o tempo de duração da suspensão, visando sensibilizar o arguido para a problemática da violência doméstica.

O Tribunal impõe ainda, no regime de prova, como parte integrante do Plano de Reinserção Social, o cumprimento da seguinte regra de conduta: i) Regra de conduta de, no período da suspensão, o arguido frequentar programa para agressores de violência doméstica/programa de prevenção de violência doméstica, devendo a D.G.R.S.P. orientar, apoiar e supervisionar o arguido quanto ao concreto programa a frequentar - artigos 50.º, 51.º, n.º 4, 52.º, n.ºs 1, alínea b), e 4, 53.º, 54.º do Código Penal e artigo 34.º-B da Lei n.º 112/2009.

  1. Não aplicar qualquer pena acessória (artigo 152.º n.º 4 do Código Penal); d) Condenar o arguido AA a pagar à queixosa DD a indemnização arbitrada nos termos conjugados do artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro e do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, no valor de 800,00€ (oitocentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, que atualmente se cifra em 4%, contados desde a data da presente sentença até ao efetivo e integral pagamento; e) Condenar o arguido AA, no pagamento das custas criminais (artigos 513.º e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), fixando-se a taxa de justiça em 02 (duas) UC´s (artigo 513.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao Regulamento), e sendo responsável pelo pagamento dos encargos a que a sua atividade houver dado lugar (artigo 514.º do Código de Processo Penal e artigo 16.º do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do apoio judiciário de que eventualmente beneficie.

    *Inconformado, recorreu o arguido da sentença proferida, com as seguintes conclusões: I Da ilegalidade do despacho de 11-10-2022 que indeferiu a audição da testemunha EE1- Em audiência de discussão e julgamento de dia 29-09-2022, o tribunal recorrido proferiu despacho de alteração não substancial dos factos constantes da acusação.

    2- Por via dessa alteração o Recorrente, arguido, foi confrontado com vários novos factos, que, isoladamente, fora da moldura penal da violência doméstica, preencheriam até a moldura penal de vários novos crimes de ofensa à integridade física e de injuria, e que se situam em período diferente daquele que constava inicialmente na acusação.

    3- No seguinte consistiu a alteração: - foi alargado o período durante o qual os factos teriam sido praticados – já não só em 2020 e 2021, mas agora a partir do ano de 2015 e até à data de saída da queixosa da residência do casal, em Março de 2021; - foram aditadas novas e diferentes injúrias e praticadas agora em contextos diferentes – já não apenas durante discussões não determinadas no tempo, mas agora concretamente no dia 5 de Março de 2021; - foram aditadas novas e diferentes agressões físicas, em circunstâncias também diferentes e já não apenas pontuais (“vários estalos na face da vítima e empurrões, projetando-a”), mas agora continuadas durante a discussão do dia 5 de Março de 2021 (“tendo retirado o telefone das mãos da queixosa”, “agarrou nos pulsos da queixosa, abanou-a, puxou-lhe os cabelos, e empurrou-a, conduzindo a que a queixosa embatesse com a cabeça nos azulejos da cozinha”, “a queixosa caiu no chão, tendo de seguida se levantado”, “e tendo novamente sido empurrada pelo arguido, o que conduziu a que mesma caísse novamente no chão”, “desferiu ainda vários estalos na face, na cabeça e nas mãos da queixosa”)-; - foi aditado que, após as agressões de dia 5 de Março de 2021, a queixosa “saiu para o exterior da residência”; - foi aditado que a queixosa saiu da residência do casal e em que data,“dia 12 de março de 2021” e “que o fez sem avisar previamente o arguido das suas intenções, tendo ingressado numa Casa Abrigo da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e tendo posteriormente ido residir para casa do seu irmão.” 4- Todos estes factos, vários e muito graves, são completamente novos. Eles não alteram a qualificação jurídica do crime, mas alteram o momento da sua prática e configuram novas imputações.

    5- Notificado deste despacho, o Recorrente, no exercício do seu direito de defesa, para tentar provar que também não praticou estes novos factos, nem havia fundamento para dar como provado os iniciais, requereu a audição de uma nova testemunha, EE.

    6- Alegou que a testemunha é “madrinha da queixosa que conviveu amiúde com arguido e queixosa, desde que casaram, tendo passado temporadas com eles, em casa do casal e nas férias”.

    7- O tribunal recusou ouvir a testemunha. Pensa-se que sem fundamento; e contra a lei.

    8- O tribunal “deve ter especiais cautelas” quando indefere a produção de provas suplementares, em casos como os dos autos em que, não havendo alteração substancial dos factos descritos na acusação, há aditamento de vários novos factos. (cfr., nesse sentido, Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 12-11-2014 in www.dgsi.pt) 9- As diligências de prova requeridas só devem ser indeferidas se, da análise feita, o tribunal concluir que não podem vir a reputar-se essenciais para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.

    10- Não basta, para concluir pela recusa de audição da testemunha, argumentar-se, como se faz no despacho recorrido que o arguido “já há muito poderia ter requerido, mas que simplesmente não requereu por sua própria escolha”; admirar-se de “só agora é que aquela testemunha passou a assumir relevância”; dizer-se que a testemunha “não se conexiona minimamente com a alteração de factos comunicada”; que as alterações factuais agora comunicadas continuam “a analisar o mesmo “pedaço de vida”; que são “os contornos factuais em questão comunicados bastante semelhantes aos já constantes da acusação pública”, que “não resultou apurado ou sequer indiciado que esta pessoa tenha efetivo conhecimento da factualidade em causa, que nem o arguido, nem a queixosa, nem nenhuma das testemunhas, referiram que esta pessoa fosse particularmente íntima do casal ao ponto de frequentar todos os dias e constantemente a casa do casal, que não foi referido que esta pessoa fosse a confidente do arguido ou da queixosa nas matérias em discussão; enfim, concluir-se que se tratou de uma manobra dilatória, “com o intuito de protelar o andamento do processo”.

    11- Ao argumentar-se assim não se teve em conta que as alterações factuais agora comunicadas não continuam “a analisar o mesmo “pedaço de vida” e que “os contornos factuais em questão comunicados” são, afinal, “bastante semelhantes aos já constantes da acusação pública”.

    12- O tempo é outro, as agressões físicas e as injurias são outras. A acusação situava os factos nos anos de 2020 e 2021. Agora o período temporal passou a ser entre o ano de 2015 e Março de 2021. É outro “pedaço de vida”, muito mais alargado, e sobre o qual o Recorrente não teve oportunidade de se defender indicando prova.

    13- Acresce que as injúrias agora imputadas pelo tribunal como tendo sido praticadas também antes de 2020 são novas - “incompetente”, “malcriada”, “uma coitadinha”, “uma desgraçada”, que “nunca fez nada na vida”, que “não faz nada”, que “não vale nada”, “que não presta para nada”, que se não fosse ele ela não era ninguém, e que “não sabe qual é o seu braço direito”; e que também são novas as agressões físicas alegadamente praticadas no dia 5 de Março, aliás muito diferentes das que constavam na acusação.

    14- Nova também a imputação ao arguido de ter “retirado o telefone das mãos da queixosa”, de ter agarrado “nos pulsos da queixosa” de a ter abanado, de lhe ter puxado os cabelos, de a ter empurrado “conduzindo a que a...

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