Acórdão nº 508/23 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Vice-Presidente
Data da Resolução18 de Julho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 508/2023

Processo n.º 1342/21

Plenário

Aos dezoito dias do mês de julho de dois mil e vinte e três, achando-se presentes o Juiz Conselheiro Presidente José João Abrantes e os Juízes Conselheiros José Teles Pereira, António da Ascensão Ramos, João Carlos Loureiro, Maria Benedita Urbano, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Mariana Canotilho, Joana Fernandes Costa, Afonso Patrão, Rui Guerra da Fonseca e Carlos Medeiros Carvalho, foram trazidos à conferência, em sessão plenária do Tribunal Constitucional, os presentes autos.

Após debate e votação, foi, pelo Ex.mo Conselheiro Vice-Presidente, por delegação do Ex.mo Conselheiro Presidente, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, ditado o seguinte:

I. Relatório

1. Nos presentes autos de recurso jurisdicional em matéria de contas dos partidos políticos, vindos da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (referida adiante pela sigla «ECFP»), em que são recorrentes o Partido Socialista (PS), o Partido Trabalhista Português (PTP), o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e o Partido da Terra (MPT), foram interpostos recursos das decisões daquela Entidade, de 7 de julho de 2021 e de 16 de setembro de 2021: a primeira relativa à apresentação das contas da campanha eleitoral para a Eleição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, realizada a 29 de março de 2015; a segunda que sancionou os recorrentes no plano contraordenacional.

2. Por decisão de 7 de julho de 2021, a ECFP julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pela coligação “Mudança”, formada pelos ora recorrentes, relativas à mencionada eleição (v. o artigo 27.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho [Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, referida adiante pela sigla «LFP»] e o artigo 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro [Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, referida adiante pela sigla «LEC»]). A irregularidade apurada foi a «deficiência no suporte documental de algumas despesas – impossibilidade de aferir sobre a sua razoabilidade, em violação do artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, da LFP, aplicável ex vi do artigo 15.º da mesma Lei».

Desta decisão foi interposto recurso pelo MPT e pelo PAN, nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, da LEC e 9.º, alínea e), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»).

O recorrente MPT concluiu as suas alegações nos seguintes termos:

«A) Vem o presente recurso interposto da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos que considerou verificadas irregularidades por parte do ora recorrente e decidiu instaurar contra o mesmo procedimento contraordenacional.

B) Na óptica do ora recorrente a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, ao decidir extrair certidão para efeitos de instauração de procedimento de contra-ordenação, violou o princípio da legalidade (cfr. artº 29º da CRP), o princípio da proporcionalidade das penas (cfrº artº 18º, nº 2 da CRP) e o princípio da igualdade (cfrº artº 13º da CRP), para além de que nenhuma das irregularidades apontadas na decisão é passível de ser sancionada contraordenacionalmente.

C) A douta decisão recorrida violou, entre outas do douto suprimento desse Tribunal, as normas contidas nos art.ºs 13.º, 18.º, n.º 2, e 29.º da CRP; 12.º, n.ºs 1, 2, da Lei n.º 19/2003, de 20-06; 27º, al. a), 28º, 50º, 51º e 58º do Regime Geral das Contra-Ordenações.».

O recorrente PAN concluiu as suas alegações nos seguintes termos:

«I. Desconsidera a decisão aqui em crise o erro, não censurável, sobre a ilicitude e a ausência de qualquer nexo de imputação subjectiva da culpa ao Recorrente;

II. Razão pela qual não se conforma, nem pode conformar, o Recorrente da decisão aqui em crise;

III. Porquanto, e ressalvada melhor opinião que se aceita, mas não se compreende, apenas age com culpa aquele que tiver consciência da ilicitude, ou seja, que representar como ilícita, proibida e censurável pela ordem jurídica uma determinada conduta, optando, ainda assim, por nortear a sua conduta de uma dada forma a ela desconforme ou por conformar-se com o seu resultado;

IV. O que conforme o recorrente teve a oportunidade de alegar em sede da sua defesa, não foi o caso;

V. Efetivamente, e conforme decorre do artigo 17.º, n.º 1, do Código Penal, ex vi artigo 32.º do RGCSO, “Age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro não lhe for censurável”;

VI. Ora no caso dos autos, não existe qualquer ilícito contraordenacional, porquanto o Recorrente nem sequer foi negligente na sua conduta;

VII. Refira-se que está em causa uma única despesa que possui um descritivo considerado dentro dos parâmetros para o serviço em causa;

VIII. Descritivo esse que permite aferir a razoabilidade da despesa, pois não é um serviço que seja quantificável e é impossível descrever com detalhe as especificações de um serviço de marketing ou assessoria de comunicação;

IV. Pelo que inexiste violação do dever genérico previsto no artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, da lei 19/003 ex vi do artigo 15.º n.º 1.».

3. Por comunicação datada de 28 de julho de 2021, a ECFP notificou os recorrentes MPT e PAN do conteúdo da Deliberação da ECFP de 7 de maio de 2019, tendo determinado a subida dos recursos a final, por ocasião da impugnação da decisão sancionatória, nos termos do n.º 3 do artigo 407.º do Código de Processo Penal (doravante, «CPP»), aplicável ex vi do artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações (doravante, «RGCO»).

4. Na sequência da referida decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou auto de notícia e instaurou processo de contraordenação contra o PS, o PTP, o PAN e o MPT, enquanto partidos integrantes da coligação “Mudança”, pela prática da irregularidade identificada naquela decisão.

5. Os arguidos foram notificados do processo de contraordenação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º, n.os 1 e 2, da LEC, e no artigo 50.º do RGCO, tendo o arguido PS apresentado defesa.

6. No âmbito do referido procedimento contraordenacional, a ECFP, por decisão de 16 de setembro de 2021, aplicou:

a) Ao PS, uma coima no valor de 11 (onze) salários mínimos nacionais (SMN) de 2008, perfazendo a quantia de €4686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da LFP;

b) Ao PTP, uma coima no valor de 11 (onze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de €4686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da LFP;

c) Ao PAN, uma coima no valor de 11 (onze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de €4686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da LFP;

d) Ao MPT, uma coima no valor de 11 (onze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de €4686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n. os 1 e 2, da LFP.

7. O arguido PS recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC, tendo concluído as suas alegações nos seguintes termos:

«A. A ECFP aplica ao Partido Socialista enquanto partido integrante, da Coligação "MUDANÇA", a sanção de coima no valor de 11 (onze) SMN de 2008, o que perfaz a quantia de €4.686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros).

B. Alega no ponto 5. a 5.2 que foram registadas despesas cujo descritivo de suporte se apresenta incompleto, com ausência de elementos complementares de comparação de preços que não permitem concluir sobre a razoabilidade das despesas, os arguidos representaram como possível que tal não detalhasse cada uma das despesas, o que impossibilita a aferição sobre se os respectivos valores eram coincidentes com o valores de mercado de referência indicados na Listagem n.º 38/2013 publicada no D.R. n.º 125/2013, II Série de 2 de julho.

C. A ECFP considera como violados os preceitos previstos no artigo 12 n.º 1 e 2, ex vi artigo 15°, n° 1 da Lei n° 19/2003, de 20 de junho (cfr. normativos transcrito em sede de alegações supra).

D. O Partido Socialista aqui arguido não praticou qualquer infração ou irregularidade, o que vai ficar aqui provado junto do Tribunal Constitucional.

E. Ora e conforme largamente explicitado na defesa apresentada em 17/08/2021, da norma incriminatória não resulta qual o fundamento da tal razoabilidade, não se extraindo da norma dos artigos 12. ° e 15. ° supratranscritos, que razoabilidade está em causa.

F. É que a entidade administrativa fiscalizadora não esclarece que tipo de razoabilidade está em causa - razoabilidade dos montantes? Será? razoabilidade no tipo de despesa? Será? Ficamos sem saber...

G. Apenas refere que a alegada infração cometida pelo Partido Socialista enquanto partido integrante, da Coligação "MUDANÇA", é sustentada nos seguintes factos: preços abaixo do valor de mercado; ausência de elementos complementares de comparação de preços; falta de demonstração da respetiva razoabilidade.

H. Conforme se comprova do texto acusatório, uma coisa que ali não existe é a determinabilidade do tipo legal, uma vez que é pura e simplesmente ininteligível qual ou quais os normativos violados, afetando, na sua totalidade o princípio da legalidade invocado supra (cfr. aprofundado na 3a nota prévia supra - ponto II das alegações).

I. Ademais, não é possível determinar o que verdadeiramente pretende a entidade administrativa ECFP quando faz apelo à razoabilidade (cfr. aprofundado na 2a nota prévia supra - ponto II das alegações).

J. Nem na decisão da ECFP de junho de 2021...

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