Acórdão nº 51/19.1GCGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelHELENA LAMAS
Data da Resolução26 de Junho de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO 1.1. A decisão No Processo Comum Colectivo nº 51/19.... do Juízo Central Criminal ..., foi submetida a julgamento a arguida AA, filha de BB e de CC, natural da ..., nascida em .../.../1977, casada, portadora do cartão cidadão n.º ..., residente na Rua ..., ..., ..., ..., tendo sido: - condenada pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 131.º, com referência ao disposto pelos artigos 22.º e 23.º, todos do Código Penal, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução, nos termos do disposto pelos n.ºs 1 e 5, do artigo 50.º, 51.º, 52.º, n.º 3, 53.º e 54.º, todos do Código Penal, e artigo 494.º do Código de Processo Penal, subordinada à obrigação de entregar à ofendida/assistente, no prazo de vinte e quatro meses, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), calculada em atenção aos danos produzidos mas também à precariedade da situação económico-financeira da arguida, e subordinada a regime de prova assente num plano de reinserção social, que conterá os objetivos de ressocialização a atingir pela condenada, bem como, as atividades que esta deve desenvolver com vista à interiorização do sentido da condenação sofrida; - condenada ao pagamento das custas do processo (taxa de justiça e encargos) por força dos artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal em conjugação com o artigo 8.º, número 9, e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

- condenada nos termos das disposições conjugadas dos artigos 67.º-A e 82.º-A, ambos do CPP, e 16.º, n.º 2, da Lei n.º 113/2015, de 4 de Setembro, ao pagamento à vítima, DD, da quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) para reparação dos prejuízos sofridos; - julgado procedente, por provado, o pedido de reembolso deduzido pelo Hospital ... e, em consequência, condenada a demandada ao pagamento da quantia de € 152,91 (cento e cinquenta e dois euros, noventa e um cêntimos), relativa a assistência médica.

1.2.O recurso 1.2.1. Das conclusões da arguida Inconformada com a decisão a arguida interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1. Vem o presente recurso interposto, sobre a matéria de facto e a matéria de direito, do acórdão que condenou a recorrente pela prática de um crime de homicídio tentado, previsto e punido pelos artigos 131º, 22º e 23º do Código Penal, na pena de quatro anos e oito meses de prisão, suspensa por igual período, acompanhada de regime de prova e na condição de a arguida pagar à assistente a quantia de 5.000,00€.

  1. Quanto à matéria de facto, impugna-se, por terem sido incorrectamente julgados, os seguintes pontos dos factos dados como provados: pontos n.ºs 6; 7, relativamente à parte em que refere “Em consequência directa e necessária da actuação descrita em 6; 11, relativamente à parte em que refere “Em consequência directa e necessária da actuação descrita em 6”; 13, relativamente à parte em que refere que a tesoura foi localizada e apreendida “apresentando ainda vestígios de sangue da ofendida”; 14, 15 e 16.

  2. Pretende a recorrente que o tribunal ad quem reaprecie os depoimentos da assistente DD e das testemunhas EE, FF, GG e HH, bem como a prova documental junta aos autos, nomeadamente o auto de notícia de fls. 4 a 6, fls. 48, fotografia n.º 3, os relatório médico-legais de fls. 26 a 28 e de fls. 103 a 104 e o relatório de ADN de fls. 108 e 109, por entender que, observando o princípio da livre apreciação da prova, as regras da experiência e o princípio do in dubio pro reo, a prova produzida aponta inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pelo tribunal a quo, como a seguir se irá demonstrar.

  3. Conforme resulta do douto acórdão recorrido, o tribunal a quo relevou, em primeira linha, na sua decisão para condenar a recorrente, as declarações da assistente, por coerentes, coesas e verosímeis, encontrando-se a versão da assistente ancorada na prova documental e pericial junta aos autos, o que lhe conferiu inteira credibilidade.

  4. A recorrente aceita que não há dúvidas que a assistente sofreu uma lesão na região cervical anterior do pescoço com as características descritas nos respectivos relatórios periciais, mas existem dúvidas quanto à dinâmica do evento e quanto à concreta actuação da recorrente, dúvidas que, na sua opinião, não foram sanadas.

  5. Assim, e ao contrário do que é referido na decisão recorrida, o que resulta do episódio de urgência de fls. 155, da reportagem fotográfica de fls. 13, do auto de apreensão de fls. 7, dos relatórios médico-legais de fls. 26 a 28 e 103 a 106 e do relatório de ADN de fls. 108 e 109 é tão só e nada mais que a assistente sofreu uma lesão na região cervical anterior do pescoço, que foi apreendida uma tesoura no local e que nessa tesoura foram encontrados leves vestígios de sangue da assistente, não podendo o tribunal recorrido afirmar que a versão da assistente quanto à dinâmica do evento tem suporte nessa mesma prova.

  6. Desta forma, não podemos concordar, nem aceitar que, como refere o tribunal recorrido, o Sr. Perito, que subscreveu o relatório médico-legal de fls. 103 a 106 dos autos, “não detectou evidência” de as lesões terem sido autoinfligidas, porque, com todo o respeito, não é isso que resulta do referido relatório.

  7. Do relatório médico-legal de fls. 103 a 106, na pág.3, resulta o seguinte: (…) não é possível ao perito, de forma peremptória, afirmar ou negar que essas lesões não possam ter sido autoinfligidas e/ou provocadas por terceiros de forma intencional e/ou acidental. A prova testemunhal a existir, será crucial para o esclarecimento cabal do assunto agora em discussão” (o negrito e sublinhado é nosso).

  8. Ora, da leitura do trecho supra transcrito, parece-nos claro que o que resulta do referido relatório é que o Sr. perito não conseguiu chegar à conclusão se as lesões sofridas pela assistente foram autoinfligidas e/ou provocadas por terceiro de forma intencional e/ou acidental, ou seja, quer isto dizer que tanto podem ter sido autoinfligidas, como provocadas por terceiro e tendo sido provocadas por terceiro, podem ter sido infligidas de forma intencional ou acidental.

  9. O que vai ao encontro do que refere, na pág.5, relativamente às lesões autoinfligidas, quando refere que neste tipo de lesão são usadas, por exemplo, tesouras, constituindo-se principalmente em cortes superficiais e abrasões lineares, sendo normalmente feitas em partes do corpo de alcance fácil, como as faces laterais do pescoço.

  10. Assim, não se percebe como pode o tribunal recorrido concluir que não foram detectadas evidências de que as lesões foram autoinfligidas pela assistente quando o relatório supra referido é inconclusivo.

  11. Mais, se é verdade que do relatório de ADN de fls. 108 a 109 consta que foram encontrados vestígios leves de sangue da assistente na tesoura apreendida, também é verdade que não foram encontrados outros vestígios, como por exemplo, impressões digitais da recorrente.

  12. Quanto às declarações da assistente, começamos por dizer que existem várias contradições que não podiam ter sido ignoradas pelo tribunal recorrido, apesar de as reconhecer, como é o caso do instrumento do crime, pela importância que assumem quanto à dinâmica do evento e à concreta actuação da recorrente.

  13. Assim, relativamente ao instrumento do alegado crime, não podemos concordar com o tribunal recorrido quando refere que é normal e plausível que a assistente, dada a situação, pudesse ter percepcionado mal que a recorrente tinha uma faca na mão, uma vez que das declarações da assistente, da prova documental e pericial junta aos autos não se pode tirar essa conclusão.

  14. É que analisado o auto de notícia de fls. 4 a 6 e os relatórios médico- legais de fls. 26 a 28 e 103 a 106, que contêm declarações da assistente, bem como o depoimento prestado por esta na Polícia Judiciária de fls. 69 a 73, lido em audiência, a assistente referiu sempre que viu a recorrente com uma faca na mão.

  15. Quanto ao auto de notícia, é referido, em relação às declarações da assistente, na pág.4, o seguinte: “ (…) sentiu uma espécie de golpe no pescoço, olhou à sua volta e viu a AA com uma faca na mão (…)” (o sublinhado é nosso).

  16. Quanto aos relatórios médico-legais de fls. 26 a 28 e 103 a 106 dos autos, é referido, relativamente às declarações da assistente, nas págs. 2, o seguinte: “Facão de cortar carne usada habitualmente pelo casal que preside à instituição” (o sublinhado é nosso).

  17. Quanto ao depoimento prestado na Polícia Judiciária, de fls. 69 a 73, na pág. 3, quase um ano depois dos alegados factos terem ocorrido, relatou a assistente o seguinte: “Acrescenta que no exterior, gerou-se uma enorme confusão e gritaria de parte a parte e sem se aperceber, enquanto o GG a continuava a agarrar pelo cabelo, sentiu uma espécie de golpe no pescoço, olhou à sua volta e viu a AA com uma faca na mão, sendo que a partir daí começou a sentir o sangue a sair pelo pescoço” (o sublinhado é nosso).

  18. “Refere que a faca que a AA empunhava, era toda cinzenta, em metal, com cerca de 15 a 20 cm de comprimento, própria de cortar carne “era a única com aquele tamanho no faqueiro” (o sublinhado é nosso).

  19. Ora, não há aqui qualquer hesitação por parte da assistente.

  20. Até se podia admitir o raciocínio que o tribunal recorrido fez se a assistente tivesse referido apenas que viu uma faca, mas a assistente não se limita a referir que viu a faca na mão da recorrente, descreve a própria faca. É que nas palavras da assistente não era uma faca qualquer, era uma faca de cortar carne, com cerca de 15 a 20 cm (um facão como referiu no gabinete médico legal) e ainda referiu que “era a única com aquele tamanho no faqueiro”.

  21. Aliás, confrontada com a apreensão de uma tesoura no local e não de uma faca, aquando do segundo exame realizado no Gabinete médico-legal (relatório de fls. 103 a 106), um ano depois dos alegados factos terem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT