Acórdão nº 482/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução07 de Julho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 482/2023

Processo n.º 64/23

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. foi condenado por sentença proferida, em 18 de maio de 2022, pelo Juízo Local Criminal de Loures, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Norte, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 69.º/1, al. c), 348.º/1, al. a) do Código Penal e 152.º/1, al. a) e n.º 3 do Código da Estrada, na pena única, em cúmulo jurídico, de dez meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, e na proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de seis meses.

A. recorreu desta sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão prolatado a 23 de novembro de 2022, lhe negou provimento. A decisão foi notificada ao arguido na pessoa do seu defensor em 28 de novembro de 2022.

Em 13 de dezembro de 2022, o defensor veio requerer que o arguido fosse pessoalmente notificado do acórdão proferido, e que se considerasse que apenas após tal ato processual se iniciasse o prazo para a interposição de recurso ou para a prática de outros atos processuais.

Por despacho de 19 de dezembro de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu a pretensão, entendendo que a notificação do acórdão condenatório proferido em sede recursiva não tem de ser feita, necessariamente, ao arguido, podendo ser realizada através do seu defensor.

2. A. interpôs então requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, que foi convidado a aperfeiçoar por forma a concretizar o objeto do mesmo, quer formal (decisão recorrida), quer material (norma/interpretação normativa sindicada pelo recorrente).

O recorrente correspondeu ao convite, identificando como alvo de recurso a decisão singular da relatora de 19 de dezembro de 2022 e definindo como seu objeto a fiscalização do disposto nos artigos 425.º, n.º 6 e 113.º, n.º 10, ambos do Código de Processo Penal (CPP), quando interpretado no sentido de que “a notificação da decisão condenatória proferida pelo tribunal de recurso, ser efectuada unicamente ao mandatário, não sendo notificado o Arguido”, com fundamento em “violação das garantias de defesa, estipuladas no art. 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa”.

3. Pela decisão sumária n.º 434/2023, a relatora decidiu não conhecer do mérito do recurso com fundamento em falta de arguição prévia de questão de constitucionalidade.

Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora importa:

“(…) verifica-se que após a notificação do acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao defensor oficioso do arguido, e ao Ministério Público, o recorrente dirigiu ao processo um requerimento em que solicitava a notificação pessoal da decisão ao arguido, invocando vários argumentos jurídicos para entender como obrigatória tal forma de notificação, de entre os quais, a violação do disposto no artigo 32.º /1 da Constituição da República Portuguesa. Contudo, não colocou ao tribunal a quo, em cumprimento de ónus processual que detinha, qualquer questão normativa de constitucionalidade. É Jurisprudência uniforme que, pretendendo a sindicância da interpretação de uma determinada norma, impõe-se ao recorrente que “identifique expressamente essa interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os respetivos destinatários e os operadores de direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal sentido” (cfr. C. LOPES DO REGO, op. cit., pp. 33-34 e 207-208 e acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 367/94 e 178/95, aí citados). No caso sub judice, no requerimento de 13/12/2022 (ou qualquer outro apresentado junto do tribunal a quo) o requerente nunca chega a enunciar, expressa e claramente, a questão de inconstitucionalidade, com referência a uma concreta interpretação de uma determinada norma, enunciando-a de forma geral e abstrata, tendo tentado, apenas, persuadir, aquele tribunal a interpretar o direito infraconstitucional de acordo com aquela que, para si, seria uma interpretação conforme com a Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e face ao exposto, verifica-se que a recorrente não cumpriu o ónus que lhe caberia para se considerar verificada a adequada suscitação prévia da questão sob apreciação: - 1) identificar, clara e expressamente, a norma cuja interpretação normativa se pretende sindicar; 2) identificar a concreta interpretação normativa que se reputa de inconstitucional “(…) em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os respetivos destinatários e os operadores de direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal sentido” (cfr. C. LOPES DO REGO, op. cit.,...

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