Acórdão nº 1778/22.6T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelANA CAROLINA CARDOSO
Data da Resolução07 de Junho de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acórdão deliberado em conferência na 5ª seção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I.

Relatório AA interpôs recurso da sentença proferida no processo de recurso de contraordenação n.º 1778/22.6T8CBR.C1, do Juízo Local Criminal de Coimbra – J..., Comarca de Coimbra, que manteve a decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que determinou a cassação da sua carta de condução … * 1.1.

Sentença recorrida (transcrição da parte relevante para a apreciação do recurso): “(…) Realizado o julgamento, com audição da testemunha arrolada, mostram-se assentes os seguintes factos: 1.º O arguido/recorrente foi condenado no âmbito do processo sumário n.º 51/18...., que correu termos no Juiz ...

do Juízo Local Criminal de Coimbra, pela prática, em 15/03/2018, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.

e p.

pelo n.º 1 do artigo 292.º do Código Penal e de um crime de desobediência qualificada, p.

e p.

pelos n.

os 1 e 2 do artigo 348.º do Código Penal.

2.º A sentença condenatória foi proferida e notificada ao arguido em 03/04/2018, tendo transitado em julgado em 03/05/2018.

3.º Por via de tal condenação, foi aplicada ao arguido uma pena de multa, bem como uma pena acessória de proibição de conduzir, pelo período de 3 (três) meses (vide documento 1 que se junta e se dá como inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, mormente para os de alegar e produzir prova sobre o seu conteúdo).

4.º Volvidos cerca de dois anos, o arguido/recorrente foi condenado, no âmbito do processo sumaríssimo n.º 42/20...., que correu também os seus termos no Juiz ...

do Juízo Local Criminal de Coimbra, pelo cometimento, em 07/03/2020, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.

e p.

pelo artigo 292º, n.º 1 do Código Penal.

5.º A sentença condenatória foi proferida e notificada ao arguido em 25/09/2020, tendo transitado em julgado em 15/10/2020.

6.º Por via daquela douta sentença, o arguido foi condenado em pena de multa e ainda na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 5 (cinco) meses (vide documento 2 que se junta e se dá como inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, mormente para os de alegar e produzir prova sobre o seu conteúdo).

7.º O arguido jamais foi notificado das consequentes perdas automáticas de pontos na carta de condução.

8.º Tendo o arguido/recorrente apenas sido notificado do projeto de decisão de cassação do seu título de condução, por apresentar um total de (zero) pontos, em virtude de ter sido condenado pela prática dos crimes acima descritos.

9.º O arguido/recorrente telefonou para os serviços da ANSR, após as condenações supramencionadas, tendo recebido, de pessoa não identificada, informação que detinha 15 pontos na sua carta de condução (facto referido pela testemunha arrolada).

* O Direito Para o que aos autos importa, dispõe o artigo 148.º, do Código da Estrada, o seguinte: 1 – (..) 2 - A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtração de seis pontos ao condutor.

3 – (…).4 - A subtração de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos: a) (…)b) (…)c) A cassação do título de condução do infrator, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor.

Dito isto, a cassação administrativa do título de condução depende tão-somente da verificação dos pressupostos legalmente previstos.

No caso em concreto, a decisão administrativa contém todos os factos de que dependeria a cassação, sendo que a subtração de pontos ao condutor que seja condenado com pena acessória de proibição de conduzir, ou a quem seja aplicada a decisão de suspensão do processo, implica a perda de 6 pontos, na data do trânsito em julgado da sentença condenatória e do termo do prazo de suspensão, data em que passa a constar do registo de infrações previsto no artigo 149.º do Código da Estrada.

A perda pontos é, pois, uma consequência necessária e automática do trânsito em julgado da decisão condenatória (e do término do processo de suspensão provisória).

Acresce que o efeito da perda da totalidade de pontos pelo condutor é, nos termos da alínea c) do n.

º 4 do referido artigo, a cassação do título de condução, ficando impossibilitada a obtenção de novo título de condução pelo período de 2 anos, não podendo o respetivo titular exercer a condução de qualquer veículo a motor.

(…) Ou seja, resulta claramente das normas citadas que é a prática de contraordenações graves ou muito graves que determina a perda de pontos para efeitos de uma possível cassação do título de condução, a que alude o n o 4, al.

c), do mesmo artigo.

Por isso, só também com o caráter definitivo da decisão condenatória ou o trânsito em julgado da sentença é que esse efeito de perda de pontos ocorre.

Sendo bom de ver, portanto, que o efeito de perda de pontos, decorre diretamente da verificação, num plano jurídico-substantivo, de uma determinada contraordenação, isto é, da prática de um facto ilícito típico, censurável no qual se comine uma coima - art.

1º do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo DL n o 433/82, de 27/ IO - independentemente da coima concretamente aplicada ou do grau de culpa do respetivo condutor concretamente apurado.

Em perfeita harmonia com os preceitos citados, diz o nº 2 do mesmo artigo que a condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.

º do Código de Processo Penal, determinam a subtração de seis pontos ao condutor.

Ou seja, mais uma vez, agora de uma forma implícita, a perda de pontos é consequência da prática de uma infração, com reflexos na condução estradal, agora de natureza penal.

Daí também a perda de pontos ser maior do que relativamente às contraordenações graves e muito graves.

Circunstância que na projeção futura que os efeitos de tais condenações possam vir a ter, numa eventual cassação da carta de condução, evidencia o respeito que na atribuição de perda de pontos se teve pelo princípio da proporcionalidade, e nomeadamente na relação que resulta estabelecida entre a quantidade e qualidade das infrações cometidas, enquanto fundamento possível daquela cassação.

(...)” Dito isto, sabemos que o sistema de pontos traduz uma técnica utilizada pelo legislador para sinalizar, em termos de perigosidade, os efeitos que determinadas condutas ilícitas penais ou contraordenacionais podem vir ou não a ter no futuro, no que toca a uma eventual reavaliação da autorização administrativa habilitante ou licença de condução de veículos automóveis, atribuída a um determinado particular, reavaliação essa que poderá culminar com a aplicação de uma medida de segurança, mais precisamente com a decisão de cassação da respetiva carta de condução.

O sistema visa apenas registar e evidenciar, através de um registo central, com um sentido claramente pedagógico, de satisfação de necessidades de prevenção, fundamentalmente de ressocialização, os efeitos penais ou contraordenacionais das infrações cometidas, segundo a respetiva gravidade, tendo fundamentalmente em conta, não as sanções aplicadas, mas as próprias infrações, como vimos supra.

Sendo que o efeito que possam ter para a determinação da cassação da carta, em virtude de uma eventual perda total de pontos, nos termos do art.

148º, n.º 4, al.

c), do CE, é apenas o de facilitação do cálculo do número de infrações cometidas e da sua gravidade.

Quer isto dizer que o sistema de pontos tem um sentido essencialmente pedagógico, seja pela subtração de pontos, seja pela sua concessão, estimulando o condutor para comportamentos estradais de índole positiva, sendo que aquela subtração, e designadamente a que está diretamente em causa nos presentes autos, ocorre como efeito automático da infração cometida, sem que assuma, no entanto, em si, qualquer natureza sancionatória, sendo apenas reflexo ou um índice da gravidade da infração cometida.

O sistema de pontos é assim também um sistema que permite à administração aferir se o titular da licença de condução reúne ou não as condições legais para poder continuar a beneficiar dela. Inserir-se-á, portanto, tal desidrato, no âmbito dos poderes de administração do Estado.

Acresce que como se escreve no douto Acórdão de 26.04.2022 (TRE consult in dgsi) “inexiste qualquer violação do direito ao contraditório e direito de defesa (art.º 32.º , n.º 10 da CRP), na exata medida da não previsão legal de qualquer notificação dos “atos administrativos” de perda de pontos pela prática dos crimes pelos quais foi condenado, uma vez que, nos termos do n.º 2 do art.º 148.º do CE, a condenação em pena acessória de proibição de conduzir determina, por si só, a subtração de seis pontos ao condutor, sendo que a cassação do título de condução constitui consequência necessária (automática) da perda de todos os pontos detidos por dado condutor, constituindo esta perda condição suficiente para aquela cassação, sendo certo que, nos termos do n.º 13 da mesma disposição legal, a decisão de cassação do título de condução é impugnável para os tribunais judiciais nos termos do regime geral das contraordenações, ou seja, assegurando todos os direitos de audiência e defesa aludidos na mencionada norma constitucional.

Consequentemente, sendo a perda de pontos um efeito automático resultante da lei, não estando prevista qualquer notificação desse efeito e sendo a decisão de cassação impugnável, nos termos gerais, não se vislumbra que se verifique qualquer violação do direito ao contraditório ou do direito de defesa do arguido.

A decisão de cassação da licença de condução ocorre como efeito automático da perda total de pontos, não traduzindo uma nova condenação pela prática dos mesmos...

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