Acórdão nº 5551/19.0T9LSB-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelRAÚL ESTEVES
Data da Resolução07 de Junho de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acórdão 5551/19.0T9LSB-A.P1 Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………….

Acordam em Conferência na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto 1 Relatório Nos autos nº 5551/19.0T9LSB-A.P1, que correm os seus termos na comarca do Porto, Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos, juiz 1, foi proferido o seguinte despacho de pronúncia: “Nos presentes autos foi proferido despacho de arquivamento do inquérito que corria contra a arguida AA, id. a fls. 175, no qual era investigada a prática de um crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, previsto e punido pelo art. 240.º, n.º 2, al. b), do Código Penal.

Inconformado, o assistente “A...” requereu a abertura de instrução, alegando, em síntese, que o despacho de arquivamento é omisso quanto à análise jurídica do crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, limitando-se a transcrever a norma legal que o prevê.

Acrescentou, após discorrer sobre o bem jurídico tutelado e sobre os elementos objetivos e subjetivos do tipo, que a denunciada proferiu expressões, frases e ideias que consubstanciam, sem sombra para dúvida, difamações e injúrias, ao coligir ataques violentos a dois grupos populacionais, que a mesma descreve como “africanos” e “ciganos”, afirmando, categoricamente, que existe uma diferença civilizacional entre estes grupos “populacionais “africanos” e “ciganos” e aqueles que entende que, tal como ela, partilham de “crenças”, “códigos de honra” e “valores” moralmente superiores, imputando-lhes a prática de comportamentos desviantes e criminosos e tratando-os como seres que não fazem parte do mundo civilizado.

Concluiu, assim, que os factos descritos na participação e reiterados no requerimento de abertura de instrução integram a prática do supra referido crime, pugnando pela sua pronúncia.

Juntou cinco documentos.

Declarada aberta a instrução, realizou-se debate instrutório, que decorreu com observância estrita das formalidades legais.

Foi concedido prazo para a defesa se pronunciar sobre uma eventual alteração da qualificação jurídica dos factos imputados à arguida no requerimento de abertura de instrução, nada tendo sido requerido.

* Não há nulidades ou outras questões prévias que cumpra conhecer.

Dispõe o art. 286.º n.º 1 do Código de Processo Penal que “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.

A fase de instrução culmina com a prolação de despacho de pronúncia ou de não pronúncia, determinada pela conclusão de existência ou não de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (cfr. art. 308.º n.º 1 do Código de Processo Penal).

Por expressa remissão operada pelo n.º 2 do art. 308.º do Código de Processo Penal para o art. 283.º n.º 2 do mesmo diploma legal, o conceito de indícios suficientes a ter em conta para a prolação da decisão instrutória é o mesmo que vale para a decisão de encerramento do inquérito por via de dedução de acusação.

Assim, “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.

Contudo, não é pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial quanto ao grau de probabilidade de aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança em sede de julgamento que se deve exigir para proferir decisão de pronúncia.

Segue este Tribunal a posição que se vislumbra maioritária, entendendo-se ser necessário que dos indícios resulte uma forte ou séria possibilidade de condenação em julgamento.

Por sintetizar de modo cristalino este entendimento, cita-se muito brevemente o exposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça lavrado no processo n.º 03P1493 (datado de 21-05-2003, relator Henriques Gaspar) - “O despacho de pronúncia, como também a acusação, dependem, pois, da existência de prova indiciária, de prima facie, de primeira mas razoável aparência, quanto à verificação dos factos que constituam crime e de que alguém é responsável por esses factos. Não se exigindo a certeza - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável - que tem de preceder um juízo condenatório, é mister, no entanto, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação” (sublinhado nosso).

* Factos indiciados Com interesse para a decisão instrutória, consideram-se suficientemente indiciados os seguintes factos: 1) A arguida escreveu um artigo de opinião, publicado no Jornal ... no dia 06 de julho 2019, com o seguinte teor: “Podemos? Não, não podemos As quotas para negros e ciganos não passam de uma farsa multicultural igualitarista. Não, não podemos integrar por decreto.

(…) Segundo o Jornal ... de 29 de Junho, o “PS quer discriminação positiva para as minorias étnico-raciais”. Em causa estão sobretudo africanos e ciganos, independentemente de terem nascido em Portugal ou não. Estas minorias excluídas da Cidade, a sua suposta ou real marginalização, constitui a prova de que Portugal “continua a ter um problema de racismo e xenofobia”, independentemente do efeito – que de resto não sofremos – do drama dos refugiados, com o seu pico mais trágico em 2015.

O entrevistado pelo Jornal ..., BB, sociólogo e secretário nacional do Partido Socialista, lamenta “a falta de diversidade no espaço público”, que continua atulhado de homens brancos e mulheres brancas. E, em conformidade com a ideia, grata à esquerda, de que a sociedade e respectiva mentalidade podem ser mudadas por decreto, BB saúda a possibilidade de que o problema da exclusão de negros e ciganos do espaço público se resolva, ou comece a resolver, estabelecendo quotas para deputados coloridos, de forma a conferir à futura Assembleia da República uma dimensão representativa mais conforme com a composição étnico-racial da sociedade portuguesa. Se as quotas tinham impulsionado a emancipação e igualização de direitos das mulheres, se lhes haviam aberto o espaço público, porque não aplicar a mesma receita às minorias étnicas? A comparação com a igualdade ou paridade de género é inteiramente falaciosa. As mulheres, que sem dúvida têm nos últimos anos adquirido uma visibilidade sem paralelo com o passado, partilham, de um modo geral, as mesmas crenças religiosas e os mesmos valores morais: fazem parte de uma entidade civilizacional e cultural milenária que dá pelo nome de Cristandade. Ora isto não se aplica a africanos nem a ciganos. Nem uns nem outros descendem dos Direitos Universais do Homem decretados pela Grande Revolução Francesa de 1789. Uns e outros possuem os seus códigos de honra, as suas crenças, cultos e liturgias próprios.

Os ciganos, sobretudo, são inassimiláveis: organizados em famílias, clãs e tribos, conservam os mesmos hábitos de vida e os mesmos valores de quando eram nómadas. E mais: eles mesmos recusam terminantemente a integração. É só ver a quantidade de meninas ciganas que são forçadas pelos pais a abandonar a escola a partir do momento em que atingem a puberdade; é só ver a quantidade de meninas e meninos ciganos que abandonam os estudos, apesar dos subsídios estatais de que os pais continuam a gozar para financiar (ou premiar!) a ida dos filhos às aulas; é só ver o modo disfuncional como se comportam nos supermercados; é só ver como desrespeitam as mais elementares regras de civismo que presidem à habitação nos bairros sociais e no espaço público em geral. Os ciganos não praticam a bárbara excisão genital das mulheres. Mas, em vez desta brutal mutilação, vulgar e imperativa nas tribos muçulmanas, aos casamentos entre ciganos segue-se, no dia seguinte, obrigatoriamente, a humilhante demonstração da virgindade da noiva, cujo sangue de desfloramento, estampado nos lençóis, é orgulhosamente exibido perante a comunidade. O que temos nós a ver com este mundo? Nada. O que tem o deles a ver com o nosso? Nada.

Africanos e afro-descendentes também se auto-excluem, possivelmente de modo menos agressivo, da comunidade nacional. Odeiam ciganos. Constituem etnias irreconciliáveis, e desta mútua aversão já nasceram, em bairros periféricos e em guetos que metem medo, batalhas campais só refreadas pela intervenção policial. Os africanos são abertamente racistas: detestam os brancos sem rodeios; e detestam-se uns aos outros quando são oriundos de tribos ou “nacionalidades” rivais. Há pouco tempo, uma empregada negra do meu prédio indignou-se: “Senhora, eu não sou preta, sou atlântica, cabo-verdiana.” Passou-se comigo. A cabo-verdiana desprezava as angolanas porque eram africanas, não atlânticas, e muito mais pretas...

Os partidos, nomeadamente o PS, confessam que, para o fim inconfesso de conquistar mais alguns votos, se vêem hoje obrigados a “assegurar a representatividade das diferentes origens étnico-raciais”. Não por acaso, na entrevista com BB, a visibilidade dessas diferentes origens aparece imediatamente relacionada com a facilitação do acesso ao ensino superior, que deveria abrir-se a todos os alunos, “independentemente da sua nota final” no 12.º ano. “Se fizermos uma política de alargamento de acesso ao ensino superior, já resolvemos parte do problema. Não faz sentido ter um ensino virado para os melhores alunos, mas sim para todos os que têm as condições mínimas para entrar.” BB não explica que condições são essas. Possivelmente, o simples facto de existirem jovens que, apesar de incapazes e preguiçosos, aspiram a um diploma universitário! Pelos vistos, o facilitismo que já reina hoje em dia nas universidades ainda não chega: para resolver “os problemas de racismo e xenofobia” que afligem a esquerda bem-pensante da nossa democracia, teremos de criar um passe de livre-trânsito entre o secundário e a universidade.

Quando esta política for oficialmente consagrada e der os seus resultados, teremos um...

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