Acórdão nº 84/20.5GBPMS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução24 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

RECURSO Nº 84/20.5GBPMS.C1 Processo Comum Singular Crime de Burla Informática e nas Comunicações Crime de falsidade informática Nulidade de sentença Vícios do artigo 410º, nº 2 do CPP Erro de julgamento Violação do princípio do in dubio pro reo Prova indirecta ou indiciária Concurso efectivo ou aparente de crimes Perda de produtos e vantagens Juízo Local Criminal de Porto de Mós Tribunal Judicial da Comarca de Leiria Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.

A CONDENAÇÃO RECORRIDA No processo comum singular nº 84/20.... do Juízo Local Criminal ... (comarca de Leiria), por sentença datada de 31 de Janeiro de 2023, foi decidido: · «condenar o arguido AA pela prática de um crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15.09, na pena de duzentos dias de multa à razão diária de cinco euros; · condenar o arguido AA pela prática de um crime de burla informática e nas comunicações, previsto e punido pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal, o qual consome o crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo artigo 6.º, nºs 1 e 5, al. a), da Lei n.º 109/2009, de 15.09., na redação introduzida pela Lei n.º 79/2021, de 24.11, (correspondente ao artigo 6.º, nºs 1 e 4, al. a), da Lei n.º 109/2009, de 15.09., na redação em vigor à data dos factos), na pena de cento e cinquenta dias de multa à razão diária de cinco euros; · condenar o arguido AA pela prática, em concurso efetivo, do crime de falsidade informática referido em 6.1.

, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15.09, e do crime de burla informática e nas comunicações referido em 6.2.

, previsto e punido pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de duzentos e oitenta dias de multa à razão diária de cinco euros, perfazendo a pena única de multa global de mil e quatrocentos euros; · declarar perdida a favor do Estado a quantia de mil, cento e sessenta euros, correspondente à vantagem patrimonial obtida pela prática dos ilícitos criminais supra, condenando o Arguido a pagar tal quantia ao Estado; · … · julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido nos autos e, em consequência, condenar o arguido e demandado AA no pagamento ao demandante BB de uma indemnização, a título de danos patrimoniais, de mil, cento e sessenta euros».

2.

O RECURSO Inconformado, o arguido AA recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1.

… 2.

MATÉRIA DE RECURSO: Recurso em matéria de facto e em matéria de direito; 3.

FUNDAMENTO DO RECURSO: em matéria de facto erro de julgamento sobre a matéria de facto e ausências de provas para condenação; em matéria de direito, em caso de improcedência da impugnação da matéria de facto: concurso aparente de normas e dupla penalização em relação a perda de valores em favor do Estado e ao pagamento de indemnização civil.

4. … 5. … 6. … 7. Impugna-se a matéria de facto nos termos e para os efeitos do art. 412º, nº 3 alínea a) e b) do CPP, pelo que indicam-se 8. … 9. … 10. … 11.

… 12. … 13. … 14. … 15. … 16. Para o Tribunal, se o dinheiro foi posto na conta do arguido, conclui-se que foi o arguido que atuou na forma descrita na acusação, não se vislumbrando outra explicação plausível.

17. … 18. O Tribunal recorrido dá como provada a participação do recorrente na prática dos factos em causa nos presentes autos tendo em conta precisamente probabilidades.

19.

Estes elementos de prova deixam, a nosso ver, e sempre salvo o elevado e merecido respeito por opinião diversa, dúvida razoável e inultrapassavel sobre se teria sido o arguido quem contactou o ofendido para aplicar-lhe um golpe.

20.

A dúvida deve verter em favor do arguido … 21. … 22. O Tribunal faz uma errada ponderação da prova produzida quando atribui ao extrato bancário uma certeza absoluta quando na verdade no mais seria uma probabilidade forte que depois é arredada pelas regras da experiência e do normal acontecer e da análise de toda a outra prova produzida para de concluir que tratam-se de meras possibilidades entre tantas outras.

23. A nosso ver, o tribunal recorrido incorreu, assim, em erro notório na apreciação da prova, pelo que o acórdão recorrido padece do vício previsto no art. 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal, pelo que deverá o mesmo ser declarado oficiosamente.

24. Se assim se não entender, então deverá oficiosamente declarar-se como verificado o vício previsto no art. 410, nº 2, al. a) do Código de Processo Penal – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

25. Caso assim se não entenda, ainda, e se adira à tese de que o supra apontado vício integra antes a nulidade prevista no art. 379º, nº 1, al. a), por violação do consignado no nº 2 do art. 374º, ambos do Código de Processo Penal, desde já se argui a mesma nos termos do consignado no art. 379º, nº2 do Código de Processo Penal 26. … 27. Pelo exposto, alega o recorrente – ainda - e PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS a questão de constitucionalidade do artigo 127º do Código de Processo Penal, nos termos seguintes: a.

O artº 127º do CPP encontra-se ferido do vício da inconstitucionalidade material, por violação do disposto no artº 32º nº 1 e 32º nº 5 da Lei Fundamental, porquanto a convicção do julgador pode até divergir do juízo contido no parecer dos peritos, mas tal divergência deve ser fundamentada – nº 2 do art. 163º do Código de Processo Penal.

b. Ora o tribunal recorrido utiliza apenas um extrato bancário para dar todos os factos como provados.

c. Pelo que tendo em conta que tal exame apenas estabelece uma probabilidade e não uma certeza e que essa probabilidade é afastada pela restante prova produzida, o Tribunal a quo deveria ter absolvido o arguido … d. … e. O acórdão condenatório valorou de um modo inconstitucional a prova em causa, fazendo uma interpretação inconstitucional do citado preceito (o artº 127º do CPP), violadora das garantias de defesa do recorrente consignadas no artº 32º nº 1 da CRP.

28. … 29. … 30. Está verificada a insuficiência da matéria de facto para a decisão … 31. … 32. … 33. … 34. … 35. … 36. Da matéria de direito: entende o recorrente que a pena fixada pelo tribunal levou em consideração que o arguido teria cometido um crime de burla informática e um crime de falsificação informática em concurso efectivo quando na verdade se trata de um concurso aparente.

37. Comportamento ilícito do autor preenche, apenas de forma formal, diversos tipos legais de crime … 38. Mesmo que assim não se pense, o agente do crime não falsificou qualquer documento digital ou quaisquer dados informáticos, mas usou dados legítimos para cadastrar um número de telemóvel e aceder a conta sem autorização do titular, não tendo acontecido o crime de falsificação de dados informáticos.

39. A sentença também peca ao condenar pedido a favor do Estado a quantia de mil, cento e sessenta euros e ao mesmo tempo julgar parcialmente procedente e condenar o arguido a indemnizar o ofendido no mesmo valor, havendo no caso uma dupla condenação.

… 3.

O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o recurso não merece provimento, defendendo o sentenciado em 1ª instância.

4.

Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se neles, corroborando as contra-alegações do Magistrado do Ministério Público de 1ª instância.

5.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea c) do mesmo diploma.

II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso … balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, são estas as questões a decidir por este Tribunal: 1. Há alguma nulidade de sentença por falta de fundamentação? 2. Há algum vício do artigo 410º/2 do CPP, nomeadamente os invocados pela defesa, o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova? 3. Houve erro de julgamento? 4. Houve violação do princípio da livre apreciação da prova e do princípio do in dubio por reo (vislumbra-se alguma inconstitucionalidade na interpretação dada ao artigo 127º do CPP)? 5. Deveria o arguido ter sido apenas condenado por um crime, atento o concurso aparente de crimes? 6. Foi bem decretada a perda de vantagens a favor do Estado? 2.

DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1.

O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição): 1. «No dia 6 de Abril de 2020, o arguido AA gizou um plano com vista à apropriação de quantias monetárias do ofendido BB, com recurso à aplicação MB WAY.

2. O MB WAY é uma solução interbancária que permite fazer compras online e em lojas físicas, gerar cartões virtuais MB NET, enviar, pedir dinheiro e dividir a conta e ainda utilizar e levantar dinheiro através do smartphone, numa aplicação própria ou nos canais de uma instituição bancária.

3. A adesão e ativação pode ser realizada através de acesso a uma caixa automática multibanco ou através de download da aplicação MB WAY.

4. Os dados de adesão e registo no MB WAY são sempre o número de telemóvel e o pin MB Way, pelo que se no processo de adesão e ativação for associado um número de telemóvel pertença de outrem que não o titular da conta bancária, aquele fica com acesso irrestrito a esta e assume os poderes e as prerrogativas associadas ao titular.

5. No caso de transferência bancária, e após acesso à conta nos termos descritos, basta selecionar o contacto da pessoa a quem se quer enviar o dinheiro, indicar o valor a transferir e validar a operação, após o que, de imediato, é processada a transferência do dinheiro para a conta do contacto selecionado.

6. Na data...

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