Acórdão nº 290/20.2GBMMN.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução25 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

Nos presentes autos de instrução que correm termos no Juízo de Instrução Criminal de …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º Processo n.º 290/20.2GBMMN, foi proferido despacho de não pronúncia dos arguidos AA , filho de BB e de CC, natural da freguesia de …, …, onde nasceu em …1982, divorciado, empresário, titular do número de identificação civil …, residente na …, … e DD, Lda., pessoa coletiva n.º…, com sede na …, …, que se encontravam acusados pela prática do crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152.º- B n.º 1, n.º 2, n.º 4 alínea b) e 11, n.º 2, alínea a) do Código Penal, em articulação com os artigos 127.º, n.º 1 h), i) do Código de Trabalho e 15.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), c), d) e), l) n.º 3 a 5, 8, artigo 18.º, n.º 1, 19.º, n.º 1, a), n.º 2, a), n.º 3 e n.º 4 e 20.º da Lei n.º 102/2009 de 10 de Setembro

* Inconformados com tal decisão, vieram o Ministério Público e o assistente interpor recursos da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: Recurso interposto pelo Ministério Público “A. Nos termos do preceituado no artigo 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, o despacho de pronúncia ou não pronúncia deverá conter, sob pena de nulidade, a narração ainda que sintética dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou uma medida de segurança

  1. O despacho de não pronúncia configura uma decisão de mérito, com força vinculativa dentro e fora do processo onde foi proferida, constituindo caso julgado, pelo que deverão ser descritos os factos que não se consideram suficientemente indiciados

  2. Não se extrai da decisão recorrida qual a posição assumida pelo Exmo. Juiz de Instrução Criminal quanto aos factos descritos nos pontos 17 e 18 da acusação, i.e., se os mesmos se encontravam indiciados ou não indiciados

  3. Deveria o Exmo. Juiz de Instrução Criminal ter tomado posição expressa sobre os pontos 17 e 18 da acusação. Ao não o fazer, incorreu em nulidade, que se invoca para todos os efeitos legais

  4. Destarte, deverá o despacho de não pronúncia ora recorrido ser revogado, o qual deverá ser substituído por outro que supra a omissão na apontada falta da enumeração dos factos indiciados e dos não indiciados, por referência ao despacho de acusação

  5. Mais acresce que quanto ao ponto 16 da acusação, pode ler-se no despacho de não pronúncia que "Por outro lado, donde se extrai que a tal actividade de carga e descarga de veículos, não era adequada a ser desempenhada por um trabalhador com a categoria de aprendiz? " G. A resposta a esta questão encontra-se vertida do elemento probatório indicado na acusação e que corresponde ao relatório pericial, concretamente na resposta ao quesito 4, ponto e) e quesito 5, ponto f)

  6. Levando em consideração que o relatório pericial se pronuncia expressamente sobre a desadequação de um trabalhador com a categoria de aprendiz de mecânico realizar a tarefa de carga/descarga de veículos, deveria tal ponto da acusação ter sido considerado indiciado, uma vez que do despacho de não pronúncia não resulta qual a posição do Exmo. Juiz de Instrução Criminal, no sentido de afastar o juízo técnico-científico do perito

    I. O despacho de não pronúncia considerou que a integração fáctico-normativa da acusação era insuficiente por entender que a mesma peça processual não mencionava como deveria ter o empregador procedido para evitar o perigo para a vida ou o perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde do trabalhador e por omitir as disposições legais violadas

  7. Impõe-se ao Ministério Público, titular da ação penal, a descrição da factualidade que determina a aplicação, a um sujeito determinado, de uma pena ou medida de segurança e identificar a que norma se subsume o comportamento imputado, indicação essa que tem que ser feita de forma clara e inteligível

  8. A acusação deverá conter, sob pena de nulidade, a narração dos factos essenciais e a indicação das normas aplicáveis, pois esta é a peça do processo que vai fixar os poderes de cognição do tribunal, sendo a factualidade nela descrita, considerando-se indiciada, que será levada a julgamento

    L. O artigo 7. 0 da acusação descreve outros elementos que deveriam ter sido contemplados pelos arguidos, além das cintas já existentes, para a actividade de descarga de veículos — necessidade de outra protecção para impedir deslizamento, necessidade de utilização de capacete e luvas de protecção do trabalhador

  9. Os artigos 12.º a 26.º descrevem todos os factos omissivos imputados aos arguidos

  10. Da conjugação destes artigos da acusação, retiram-se as medidas que deveriam ter sido tomadas pelos arguidos e que não foram observadas, sendo que em sede de dispositivo, aos arguidos foram imputadas as violações das disposições legais constantes dos artigos 127.º, n.º 1 h), i) do Código de Trabalho e 15.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), c), d) e), l) n.º 3 a 5, 8, artigo 18. º, n.º 1 , 19.º, n.º 1 , a), n.º 2, a), n.º 3 e nº 4 e 20.º da Lei n.º 102/2009 de 10 de Setembro

  11. Quanto ao Decreto-Lei n.º 50/2005 de 25 de Fevereiro, não se nos afigura que o facto de a acusação não mencionar este diploma se traduza na alegada insuficiência, tal como concluído pela decisão de recorrida, porquanto foram apontadas, de forma suficientemente inteligível, quais as normas concretamente violadas e previstas quer no Código do Trabalho, quer na Lei n.º 102/2009 de 10 de Setembro, enformando este último diploma legal o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho

  12. Por sua vez, os artigos 19.º, 20.º e 22.º, tal como configurados pelo Ministério Público, dizem respeito ao elemento subjectivo do ilícito imputado, o qual se nos afigura encontrar-se suficientemente descrito, não sendo exigível pelo artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal a descrição/indicação neste segmento, das normas concretamente violadas

  13. Na acusação deduzida pelo Ministério Público, foram indicados no corpo da acusação todos os factos omitidos pelos arguidos - omissão dos deveres legais exigíveis em termos de condições de segurança no trabalho - e no dispositivo final indicadas as normas legais inobservadas e por isso violadas, concluindo pela qualificação jurídica dos factos e imputação aos arguidos do crime de violação de regras de segurança

  14. Assim, afigura-se-nos que os mencionados artigos 19.º, 20º e 22º da acusação não violam o disposto no artigo 283º, 3, c,) do Código de Processo Penal, pelo que não deveria ter sido declarada a nulidade dos pontos 19.º, 20.º e 22.º da acusação

  15. Por fim, afigura-se-nos que existem indícios suficientes para concluir pela verificação do nexo de causalidade entre a omissão dos deveres dos arguidos e a produção do acidente

  16. No despacho ora recorrido pode ler-se o seguinte: "Mesmo estando assente que não deu formação ao sinistrado, a conclusão pericial de que não é possível afirmar peremptoriamente que a inexistência de avaliação de riscos profissionais para a actividade de carregamento e descarregamento de camiões é causa adequada à verificação do acidente, beneficia a posição do arguido, conjugada com a circunstância de inexistirem testemunhas presenciais dos factos em apreço

    Conforme ao requerimento de abertura de instrução, não se demonstra o nexo causal entre o acidente e o incumprimento desse referido dever geral de formação, ou seja, não existe o competente nexo entre a formação de segurança e saúde no trabalho e o acidente sofrido pelo ofendido. Tanto mais que esta conclusão é compatível com as regras de experiência comum aplicáveis à situação em apreço, porquanto o sinistrado colocou-se, e salienta-se, debaixo da viatura; área segundo a testemunha EE: "O local do camião onde FF se encontrava, designadamente, na parte de baixo da viatura, é o local mais perigoso onde nunca se deve estar, Não sabe das razões para que o mesmo se tenha colocado naquele local

  17. Afigura-se-nos, salvo o devido respeito por posição diversa, que o Exmo. Juiz de Instrução Criminal não poderia concluir no sentido que ficou transcrito, porquanto o relatório pericial encerra a conclusão de verificação de um risco de lesão como consequência da acção omissiva dos arguidos

    V. O relatório pericial não excluiu a ocorrência do acidente. A sua conclusão no sentido de "não ser possível afirmar de uma forma peremptória... " jamais poderá conduzir à interpretação vertida no despacho de não pronúncia

  18. Como resposta ao quesito 4, o relatório pericial concluiu que a actividade de carga/descarga de veículos era uma actividade que apresentava elevada perigosidade, com risco de esmagamento, entalamento e impacto na cabeça com objectos, de risco alto, categoria do dano correspondente a catastrófico ou sério, com classe de probabilidade provável, e não adequada a ser desempenhada por um trabalhador com a categoria de aprendiz, sem supervisão

    X. Como resposta ao quesito 5, o relatório pericial confirma a inexistência de previsão da actividade de carga/descarga de veículos automóveis na avaliação de riscos em vigor na empresa e quais os procedimentos que deveriam ter sido adoptados

  19. Como resposta ao quesito 7, pode ler-se no relatório pericial que "Pode sim dizer-se que a existência da dita avaliação de riscos contribuiria para a redução da probabilidade de ocorrência desse mesmo acidente." Z. O julgador apenas deve decidir a favor do arguido se, face à prova, tiver dúvidas sobre qualquer facto, mas tal dúvida tem que ser irredutível, insanável

    Perante a prova elencada na acusação, o Exmo. Juiz de Instrução Criminal não podia ter ficado com quaisquer dúvidas que justificassem o recurso ao princípio in dubio pro reo, pelo menos da forma como fundamenta a sua posição

    Como se concluiu em Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27.05.2020 (proc. n.º 6359/17.3T9VNG.Pl, acessível em www.dgsi.pt): "demonstrado que um facto (ainda que omissivo) foi uma condição do dano (no caso, o...

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