Acórdão nº 335/19.9GHSTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Maio de 2023
Magistrado Responsável | FÁTIMA BERNARDES |
Data da Resolução | 09 de Maio de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Neste processo comum, com a intervenção do tribunal singular, n.º 335/19.9GHSTC, do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., foi submetida a julgamento a arguida AA, melhor identificada nos autos, acusada, pelo Ministério Público, da prática, em concurso efetivo, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal e de dois crimes de ameaça agravados, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.
1.2. O ofendido BB constituiu-se assistente nos autos e deduziu acusação particular contra a arguida, imputando-lhe a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º do Código Penal, tendo o Ministério Público acompanhado essa acusação.
1.3. Deduziu também o ofendido pedido cível contra a arguida/demandada, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de €1.100,00 (mil e cem), a título de indemnização, por danos não patrimoniais sofridos.
1.4. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento – na ausência da arguida, que estando devidamente notificada, não compareceu –, no decurso da qual, finda a produção da prova, o Tribunal procedeu à comunicação à arguida – na pessoa da il. defensora oficiosa –, ao abrigo do disposto no artigo 358º, n.ºs 1 e 3, do CPP, da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação particular, em termos de serem suscetíveis de integrar a prática de mais dois crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181º do Código Penal. Perante tal comunicação, a arguida nada requereu.
1.5. Foi proferida sentença, em 17/11/2022, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto, decido: a) Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos); b) Condenar a arguida AA pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 115 (cento e quinze) dias de multa, por cada um, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos); c) Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos); d) Condenar a arguida AA pelos crimes referidos em a), b) e c) na pena única de 320 (trezentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia de € 2.080,00 (dois mil e oitenta euros); e) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível formulado por BB e, consequentemente, condenar a demandada AA no pagamento da quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados deste a o trânsito em julgado da presente sentença até seu integral e efetivo pagamento; f) Condenar a arguida no pagamento das custas processuais criminais, fixando-se em 2 (duas) UC a taxa de justiça inicial; g) Sem custas civis – cf. 4.º, n.º 1, al. n), do Regulamento das Custas Processuais.
(...).» 1.6. Inconformada com o assim decidido, recorreu a arguida para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação do recurso apresentada, as conclusões que se passam a transcrever: «1 - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pela Mt Juiz ... do Juízo Local Criminal ... do Tribunal Judicial da Comarca ... que condenou a arguida, ora recorrente, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º nº 1 do Código Penal, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa; de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º nº 1 e 155º nº 1 al a) do Código Penal, na pena de 115 (cento e quinze) dias de multa por cada um e de três crimes de injuria , p. e p. pelo artigo 181º nº 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa (por cada um?), todos à taxa diária de 6,50 € (seis euros e cinquenta cêntimos).
2 - Efectuado o cúmulo jurídico das penas parcelares, foi a recorrente condenada na pena única de 320 (trezentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de 6,50 € (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia de 2.080,00 € (dois mil e oitenta euros).
3 - A arguida/demandada foi ainda condenada no pagamento de uma indemnização ao ofendido/assistente, a título de danos não patrimoniais, no montante de 750 € (setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde o transito em julgado da sentença até integral e efectivo pagamento e nas custas processuais criminais.
4 - O motivo da discordância com o teor da decisão recorrida, com a qual não a arguida se conforma, diz unicamente respeito à sua condenação pela prática de 3 crimes de injuria, à medida das penas parcelares aplicadas aos referidos crimes e à pena única que lhe foi aplicada em resultado do cúmulo jurídico realizado.
5 - A arguida vinha acusada da prática de um crime de injuria; o tribunal “a quo” entendeu proceder à alteração da qualificação jurídica constante da acusação particular, foi dado cumprimento ao disposto no art. 358º, nº 1 e 3 do Código de Processo Penal e, a final, a arguida foi condenada pela prática de 3 crimes de injurias pelos factos que foram dados como provados descritos nos nºs 9, 10, 11 e 12.
6 - Dispõe o artigo 181º do Código Penal, que “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias ”.
7 - O preenchimento do tipo de injuria apenas se verifica quando as palavras em causa devam considerar-se lesivas da honra ou consideração do visado, nas circunstâncias concretas em que foram proferidas, conforme entendimento corrente na jurisprudência.
8 - Ora, no concreto condicionalismo em que foi dirigido a BB, o vocábulo “vigarista” não deixa de ser compreensível como um modo de a arguida manifestar o seu desagrado, fazer valer o seu descontentamento, não revestindo, salvo melhor opinião, de uma carga ofensiva perante o homem médio .
9 - É preciso ter presente que o vocábulo/expressão foi proferido no calor de uma discussão telefónica entre a arguida e o assistente a respeito de uma divisão de bens, na qual a arguida entendeu defender os interesses do namorado, CC, filho do assistente.
10 - Não foi ouvido por terceiros.
11 - Quanto à expressão “velho dum cabrão” que a arguida terá dirigido em duas ocasiões (factos provados 10 e 12) também em privado, ao abordar o assistente, é certamente uma expressão desrespeitosa, indelicada, grosseira para com o visado, mas que não põe em causa o carácter, o bom nome ou reputação do ofendido.
12 - Assim sendo, entendemos que em qualquer das três situações (factos provados 9, 10 e 11 – 12) não se mostram preenchidos todos os elementos do tipo do crime de injuria e que a arguida deve ser absolvida da prática dos referidos 3 crimes, mantendo-se o teor da douta sentença recorrida quanto aos demais crimes pelos quais foi condenada (um crime de ofensa à integridade física simples e dois crimes de ameaça qualificada), quanto ao pedido cível e às custas criminais.
13 - Deverá ,de seguida, ser realizado novo cúmulo jurídico das penas aplicadas à arguida, nos termos do art. 77º do Código Penal, e temos por adequado que, neste caso (o da absolvição da arguida dos três crimes de injuria), a pena única não exceda 160 dias de multa à razão diária dos já fixados 6,50 €.
14 - Sem conceder, mas por mera cautela de patrocínio, caso V. Exas. assim não entendam, afigura-se evidente que as penas parcelares aplicadas à arguida quanto a estes 3 crimes de injuria (80 dias de multa por cada um dos crimes), numa moldura penal que estabelece um máximo de 120 dias , são manifestamente excessivas, injustificadas e desproporcionais à gravidade dos factos, à culpa da arguida e às exigências de prevenção geral e especial.
15 - Razão pela qual também não se conforma com o decidido na douta sentença recorrida a este respeito, por entender que as penas parcelares aplicadas foram excessivamente severas e ultrapassam a medida da culpa..
Consequentemente, também não concorda com a pena única que lhe foi aplicada em cúmulo jurídico por a considerar excessivamente gravosa .
16 - No que concerne à determinação concreta da pena, dispõe o art. 47º nº 1 do Código Penal que a pena de multa é fixada em dias, tendo em conta os critérios do nº 1 do art. 71º do mesmo diploma legal, sendo o limite mínimo 10 e o máximo 120 dias para o crime de injuria (art. 181º nº 1 do Código Penal).
17 - A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção do crime, mas considerando também o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins e motivos que o determinaram, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior ao facto e a posterior a esta e a falta de preparação para manter uma conduta licita, manifestada no acto.
18 - O grau de ilicitude dos crimes de injuria foi considerado “moderado” (pág. 28 da douta sentença recorrida) pela Mt juiz “a quo”.
19 - Não podemos deixar de discordar desse entendimento. Com efeito, parece-nos que, “pelo que foi dito e o modo como foi dito”, o grau de ilicitude e de culpa é reduzido.
20 - A arguida não apresenta antecedentes criminais por factos desta natureza.
21 - Perante os factos provados (9 a 12) e as circunstâncias em que ocorreram, a pena de multa fixada em 80 dias, por cada um dos crimes de injuria, mostra-se exagerada numa moldura penal...
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