Acórdão nº 222/23 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução20 de Abril de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 222/2023

Processo n.º 161/2023

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC — Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei Orgânica n.º 1/2022, de 4 de janeiro), por A., Lda., e por B., S.A.

2. Através da Decisão Sumária n.º 108/2023, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso, com a seguinte fundamentação:

«5. As recorrentes dirigem o seu recurso a duas questões de constitucionalidade.

Em primeiro lugar, a «inconstitucionalidade dos artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 55/2021, de 13 de Agosto e do artigo 137.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo (…) na interpretação normativa no sentido de que as alterações determinadas pela referida Lei aos artigos 204.º e 213.º do Código de Processo Civil não teriam entrado em vigor por falta de regulamentação pelo Governo».

Em segundo lugar, a «inconstitucionalidade do artigo 120.º n.º 1 do Código de Processo Civil (…), na interpretação normativa no sentido de que a violação do devido processo legal da distribuição do processo por violação do disposto nas alíneas a) e b) do número 3 do artigo 213.º do Código de Processo Civil não constituiria motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade dos Juízes que compõem o Coletivo e não constituiria, por isso, fundamento de suspeição»

Ora, nenhuma das questões de constitucionalidade pode ser conhecida por este Tribunal.

6.1. No que respeita à segunda questão de constitucionalidade, mostra-se claro que o objeto do recurso não reveste natureza normativa, única idónea ao controlo da constitucionalidade. Pelo contrário, as recorrentes visam discutir o concreto julgamento das instâncias, dirigindo uma censura à própria decisão judicial, por ter decidido de forma contrária àquela que reputam correta, e não a constitucionalidade de qualquer norma.

De facto, as recorrentes dirigem o recurso ao modo como o tribunal a quo interpretou os factos em causa e os subsumiu ao direito infraconstitucional, e não a qualquer norma que reputassem inconstitucional e cuja aplicação devesse ter sido recusada pelo tribunal a quo. Ao enunciarem como objeto do recurso a «interpretação normativa no sentido de que a violação do devido processo legal da distribuição do processo por violação do disposto nas alíneas a) e b) do número 3 do artigo 213.º do Código de Processo Civil não constituiria motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade dos Juízes que compõem o Coletivo e não constituiria, por isso, fundamento de suspeição», as recorrentes pretendem sindicar o acerto da decisão do Tribunal da Relação do Porto, em si mesma considerada, imputando às circunstâncias processuais concretas dos autos um vício de inconstitucionalidade. As recorrentes limitam-se, pois, a mobilizar princípios ou preceitos constitucionais para censurar uma certa interpretação do direito infraconstitucional em face do caso concreto.

Ora, não compete ao Tribunal Constitucional sindicar o juízo de ponderação seguido nas instâncias, em face dos concretos elementos trazidos aos autos sub judice, para apreciar da justeza ou correção da decisão recorrida. Essa é matéria de direito comum, para a qual são competentes os tribunais comuns. No âmbito do recurso de constitucionalidade cabe apenas o escrutínio da constitucionalidade de normas e não de quaisquer outras operações, designadamente o modo como o tribunal recorrido interpretou ou aplicou o direito infraconstitucional ou ponderou os elementos probatórios trazidos aos autos.

Deste modo, terá de concluir-se pela ausência de objeto normativo idóneo da questão de constitucionalidade enunciada no presente recurso, em termos que obstam ao seu conhecimento.

6.2. Mas ainda que pudesse reconhecer-se ao objeto do recurso caráter normativo, idóneo à fiscalização da constitucionalidade, sempre se teria de concluir pela impossibilidade do conhecimento do objeto do recurso, por não ter tal “norma” sido aplicada, como ratio decidendi, pela decisão ora impugnada.

Na verdade, para que aquela “norma” houvesse constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, impor-se-ia que o tribunal a quo houvesse concluído ser-lhe vedado ponderar que «a violação do devido processo legal da distribuição do processo por violação do disposto nas alíneas a) e b) do número 3 do artigo 213.º do Código de Processo Civil» pudesse constituir «motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade dos Juízes que compõem o Coletivo e não constituiria, por isso, fundamento de suspeição».

Ora, assim não foi. A razão pela qual se indeferiu o requerimento radicou, ao invés, na ponderação de que «Os juízes desembargadores em causa foram escolhidos na sequência de uma distribuição operada nos moldes entendidos como legais» (fls. 15). Sem que, em caso algum, se houvesse aplicado norma segundo a qual a «a violação do devido processo legal da distribuição do processo por violação do disposto nas alíneas a) e b) do número 3 do artigo 213.º do Código de Processo Civil não constituiria motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade dos Juízes que compõem o Coletivo e não constituiria, por isso, fundamento de suspeição» (sublinhados aditados).

Não tendo a decisão recorrida assentado em norma segundo a qual «a violação do devido processo legal da distribuição do processo por violação do disposto nas alíneas a) e b) do número 3 do artigo 213.º do Código de Processo Civil não constituiria motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade dos Juízes que compõem o Coletivo e não constituiria, por isso, fundamento de suspeição», não pode o Tribunal Constitucional conhecer da respetiva conformidade constitucional, nos termos do disposto no artigo 79.º-C da LTC. O que se compreende: um eventual julgamento da sua inconstitucionalidade seria inapto a gerar a modificação da decisão impugnada, por se conservarem intactos os verdadeiros fundamentos que a motivaram (n.º 2 do artigo 80.º da LTC).

7. Quanto à primeira questão de constitucionalidade, e ainda que a norma enunciada pelas recorrentes houvesse sido aplicada pelo tribunal a quo, certo é que sempre se teria de concluir pela inutilidade do seu conhecimento. É que, a par da conclusão de que «aquela Lei não se encontra em vigor apenas sendo aplicável quando for devidamente regulamentada — condição, a nosso ver, “sine qua non” para a sua exequibilidade», o Tribunal recorrido considerou também que, «ainda que assim não se entenda, ou seja, ainda que se viesse a concluir que a lei em causa se encontra em vigor e que a distribuição teria que ter sido operada em outros moldes, julgamos que tal conclusão nunca poderia implicar um juízo de suspeição sobre os Exmos. Srs. Desembargadores que, mal ou bem, foram sorteados — no caso do relator, diretamente, e no caso dos adjuntos, indiretamente —para os presentes autos». Daí a conclusão final: «Das duas uma: ou a distribuição ocorreu em violação de norma legal imperativa e, como tal, seria nula, tendo que determinar-se nova distribuição, ou a distribuição decorreu de forma conforme à lei e, como tal, deve ter-se como válida. Num caso ou no outro, nenhuma correspondência ou consequência pode ser assacada em termos de suspeita sobre a parcialidade daqueles que foram sorteados e que, naturalmente, são alheios a tal polémica, materializada, como explicamos acima, num dissídio jurídico sobre a vigência de um diploma legislativo».

Ora, o Tribunal Constitucional vem considerado, de modo reiterado, que não existe utilidade na apreciação de recursos de constitucionalidade quando a decisão recorrida assente numa efetiva e suficiente fundamentação alternativa e o recorrente ponha em causa, apenas, a constitucionalidade da norma em que assenta um dos fundamentos alternativos do julgado, constituindo ratio decidendi bastante a outra via alternativa seguida pelo tribunal a quo (Carlos Lopes do Rego, Os recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 63).

A existência de outro fundamento autónomo no âmbito da decisão recorrida, para além da norma...

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