Acórdão nº 289/18.9YHLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução27 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

A INDASA-INDÚSTRIA DE ABRASIVOS, S.A., intentou uma acção declarativa comum contra AA, pedindo que seja proferida decisão declarando que o Réu não foi inventor da invenção protegida pela patente europeia n.º 3040160 e que seja notificado o Instituto Nacional da Propriedade Industrial para remover o nome do Réu da lista de inventores associados ao pedido de patente nacional n.º 107454 e da parte portuguesa da patente europeia n.º 3040160.

Alegou, em síntese, que: - A A. é uma sociedade fundada em 1979 que se dedica ao desenvolvimento, produção e comercialização de abrasivos flexíveis (comummente conhecidos por lixas), de sistemas de lixagem e de produtos relacionados, tendo, no exercício da sua actividade, requerido a protecção como patente da invenção de um ‘prato com rasgos para discos de lixa multifuros’, a qual foi concedida em 23.08.2017 como patente europeia nº 3040160 validada em diversos países incluindo Portugal com reivindicação da prioridade do pedido de patente portuguesa nº 107454, apresentado junto do INPI em 6.02.2014 relativamente à mesma invenção.

- Em ambos os referidos pedidos de patente nacional nº 107454 e europeia nº3040160 foram indicados como inventores BB, CC e AA. No entanto este rol não está correcto no que respeita à designação dos dois últimos, os quais não contribuíram para a concepção ou desenvolvimento da invenção, como o primeiro já reconheceu por escrito, negando-se, porém, o R. a fazer outro tanto.

- Com efeito, o R., licenciado em Gestão de Marketing e com licença para trabalhar com o programa Autocad® e admitido ao serviço da A. em 23.02.2004 como técnico de desenho/desenhador técnico, limitou-se a reproduzir para Autocad® desenhos concebidos por outrem, designadamente pelo Eng.º BB, Responsável de Desenvolvimento de Produto da A., não tendo concebido os elementos novos e inventivos do prato com rasgos para discos de lixagem multifuros, nomeadamente: ‘a peça intermédia incluir rasgos de aspiração delimitados por umas paredes sobrelevadas; a peça inferior, com uma forma tronco cónica, e na qual irá encaixar a peça intermédia, incluir uns rasgos e um furo central, e uns rasgos de aspiração que estão dispostos segundo anéis, concêntricos e equidistantes entre eles; e a dimensão de cada um dos rasgos aumentar do centro para a periferia’.

- Não obstante, o R. arrogou-se co-inventor da invenção em causa em recente litígio laboral com a A., na sequência do despedimento de que foi alvo, vindo a reclamar o pagamento de uma remuneração avultada devido ao seu alegado contributo.

- A declaração judicial de que o R. não é inventor da invenção patenteada permitirá a correcção no INPI dos correspondentes registos.

  1. O Réu contestou, excepcionando a inexistência de um dos registos cuja correcção se requer – pedido de patente nacional nº 107454, entretanto recusada por já existir patente europeia válida para a mesma invenção – e impugnando a invocada falta de contribuição inventiva na invenção em causa, sustentando, ao invés, que todos os processos de pré-prototipagem para alcançar o objectivo último de criar um prato de lixagem nos termos em que foi feito, foram levados a cabo pelo R., que desenhou e criou os ficheiros adequados a tornar a ideia inicial possível em termos técnicos e a invenção patenteável.

  2. Em sede de audiência prévia foi proferido despacho saneador, no qual foi relegado para final o conhecimento da matéria da excepção.

  3. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença julgando a acção procedente, declarando que “O R. AA não foi inventor da invenção protegida pela patente europeia nº 3040160, devendo proceder-se à notificação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial para remover o nome do R. da lista de inventores associados ao pedido de patente nacional nº 107454 e da parte portuguesa da patente europeia nº 3040160”.

  4. Inconformado com a sentença dela apelou o Réu AA, tendo o recurso sido conhecido pelo TRL e que indicou como seu objecto as questões a decidir: - impugnação do despacho datado de 19.03.2019; - impugnação da matéria de facto (factos provados n.ºs 4, 10, 11, 38 e 47, e factos não provados F, G, D, E, H, J, K, Q e R); - erros de julgamento.

  5. O Tribunal da Relação veio a proferir acórdão com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, acordam em, julgando o recurso procedente, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a acção intentada pela Indasa – Indústria de Abrasivos, SA contra AA.” 7. INDASA – Indústria de Abrasivos, S.A.

    , Autora/Recorrida, tendo sido notificada do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 26.10.2022, o qual julgou procedente o recurso interposto pelo Réu/Recorrente e, assim, julgou improcedente a acção proposta pela Autora/Recorrida, e com o mesmo não se conformando, veio, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 671.º, n.º 1, e 674.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil interpor, recurso de revista, indicando que deverá subir nos próprios autos, nos termos do artigo 675.º, n.º 1, do CPC, com efeito meramente devolutivo, nos termos do artigo 676.º, n.º 1, a contrario, do CPC.

    Formula as seguintes conclusões (transcrição): “A. O Tribunal da Relação incorreu num vasto conjunto de erros flagrantes na aplicação da lei processual e substantiva que ferem o acórdão recorrido e que impõem a sua revogação.

    Em primeiro lugar, B. O Tribunal da Relação violou a lei de processo em virtude de ter (i) alterado a redacção do facto provado 12 sem que tal tenha sido requerido pelo Réu no recurso por si interposto da decisão do Tribunal de 1.ª instância; e (ii) aditado à matéria de facto provada a informação contida nos pontos 49 a 51, a qual, porém, não se reconduz a factos, antes representando meros juízos conclusivos.

    1. O n.º 1 do artigo 674.º do CPC estabelece os fundamentos admissíveis do recurso de revista, entre os quais se encontra, na alínea b), a “violação ou errada aplicação da lei de processo”, pelo que a apreciação dos mencionados vícios cabe na competência do Supremo Tribunal de Justiça.

    2. A Indasa não pretende requerer ao Supremo Tribunal de Justiça que reaprecie a prova produzida nos autos, nem que altere a fixação dos factos materiais da causa em conformidade com essa reapreciação.

    3. O que a Indasa pretende é que o Supremo corrija a errada aplicação da lei de processo feita pelo Tribunal da Relação e que resultou nos dois vícios acima mencionados – trata-se de questões de direito (em particular, de direito processual), não obstante se repercutiram nos factos materiais do processo.

    4. Para além de resultar, inequivocamente, do regime legal literal que a matéria em apreço é da competência do Supremo Tribunal de Justiça, tanto é também corroborado, de modo consistente, nos planos jurisprudencial e doutrinal (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.02.2015, processo n.º 14434/05.0TBMAI.P2.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.01.2021, processo n.º 10416/18.0T8PRT.L1.S1; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Anotação ao art. 662.º, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 3.ª edição, Almedina, 2022, p. 177; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.03.2007, processo n.º 06S1824; e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.02.2016, processo n.º 1320/05.3TBCBR.C1.S1).

      Relativamente ao facto 12, G. O Tribunal da Relação decidiu, por sua exclusiva iniciativa, introduzir na sua redacção a locução “na sua opinião”.

    5. No recurso de apelação que interpôs, o Réu impugnou, cumprindo o ónus de impugnação imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, do CPC, o julgamento feito pelo Tribunal de 1.ª instância sobre os factos 4, 10, 11, 38 e 47 dos factos provados e F, G, D, E, H, J, K, Q e R dos factos não provados, não se incluindo o facto provado 12 neste elenco de factos impugnados.

      I. No artigo 295.º das suas alegações de recurso de apelação, o Réu refere-se a um conjunto alargado de factos, entre os quais o facto provado 12, afirmando que impugna “qualquer interpretação que o Tribunal a quo possa ter efectuado que conduza à conclusão de que o ora Recorrente, por ser menos ou, nalguns casos, lateralmente mencionado nos factos dados com provados pelo Tribunal, não é inventor do invento em causa”.

    6. O que o Réu sustenta neste artigo (erroneamente, porém, mas não é esse o ponto no presente momento) é que dos factos que elenca não se pode extrair determinada ilação – trata-se, portanto de uma alegação de direito através da qual o Réu procura afastar uma interpretação de direito passível de ser retirada dos factos dados como provados.

    7. Com o que afirma, o Réu não só não põe em causa os factos provados, como, ao invés (alegando, como alega, que dos factos provados não se possa retirar uma certa interpretação jurídica), pressupõe, justamente, que tais factos se tenham considerado provados.

      L. O Réu não indicou, assim, o facto 12 entre o conjunto de factos que incluiu na sua impugnação de facto e (coerente e consequentemente) não cumpriu as mais elementares formalidades a observar em sede de impugnação de facto, não cumprindo, designadamente, nenhum dos ónus constantes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º do CPC.

    8. Impõe-se, consequentemente, concluir que o Réu não impugnou o julgamento do Tribunal de 1.ª instância sobre o facto provado 12.

    9. Apesar disso, o Tribunal da Relação decidiu, oficiosamente, alterar a redacção do mesmo, suportando-se no artigo 662.º, n.º 1, do CPC para o fazer.

    10. Sucede que o n.º 1 do artigo 662.º do CPC não confere ao Tribunal da Relação poderes para alterar oficiosamente a decisão sobre a matéria de facto. A actuação da Relação no âmbito do n.º 1 do artigo 662.º do CPC encontra-se limitada pelo cumprimento do ónus de impugnação pelo recorrente previsto no artigo 640.º do CPC.

    11. Este entendimento não só decorre claramente da letra do artigo, que não faz qualquer referência à actuação oficiosa, como se encontra, também, plenamente confirmado pela doutrina e pela jurisprudência (cfr...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT