Acórdão nº 14434/05.0TBMAI.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA, residente em …, Gondomar, instaurou a presente acção declarativa ordinária, contra Imobiliária BB, Lda., e CC, S.A.

, ambas com sede na Maia, pedindo que: a) Se declare a impugnação judicial do contrato de compra e venda celebrado entre as sociedades rés, em 03/06/2003, que teve por objecto as sessenta e uma fracções autónomas identificadas na respectiva escritura pública, que constitui o doc. 2 que junta e, como tal, ineficaz em relação ao autor, por forma a que este possa exercitar o seu direito à restituição desses bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património da obrigada à restituição (a ré CC), e praticar todos os actos de conservação e manutenção da garantia patrimonial do seu crédito (de 1.053.992,88€ e respectivos juros legais desde 03/06/2003 até integral e efectiva liquidação, permitidos por lei; b) Se declare, por via e em consequência da procedência da sobredita impugnação, a responsabilidade da ré CC, SA, em regime de solidariedade com a da ré Imobiliária BB, Lda., pelo pagamento ao autor de quantia equivalente ao valor dos imóveis por si alienados posteriormente à dita escritura, na exacta medida que se mostre necessária ao integral pagamento do crédito deste sobre aquela, de 1.053.992,88€, acrescido de juros legais desde 03/06/2003 até integral e efectiva liquidação, e condenando-a em conformidade.

Fundamentou a sua pretensão, alegando que: - celebrou com a 1ª ré (Imobiliária BB, Lda.), em 17/01/1998, quinze contratos-promessa de compra e venda que tiveram por objecto outras tantas fracções autónomas de um prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, que aquela estava então a construir e que actualmente já se encontra concluído, denominado “Edifício …”, sito na freguesia e concelho da Maia; . em cumprimento do ali acordado, entregou à 1ª ré, a título de sinal e reforço de sinal a quantia global de 105.653.300$00; . por demoras anormais e significativas na conclusão da construção das aludidas fracções autónomas, procedeu a várias diligências de interpelação admonitória da promitente vendedora durante todo o ano de 2000, com vista à celebração das respectivas escrituras públicas, concedendo-lhe sucessivos prazos para esse efeito; . em 12/12/2000, entendendo que a 1ª ré havia incumprido definitivamente o contratado, comunicou-lhe que considerava resolvidos os referidos contratos-promessa e exigiu-lhe a devolução em dobro do que tinha prestado a título de sinal; . porque a 1ª ré nada disse, nem lhe restituiu o sinal em dobro, instaurou conta ela uma acção que corre termos no 5º Juízo do Tribunal Judicial da Maia, sob o nº 964/2001, na qual peticionou a condenação da mesma a restituir-lhe a quantia que considera em dívida; . descobriu entretanto que a 1ª ré, em 03/06/2003, através de escritura pública, vendeu à 2ª ré as 15 fracções autónomas objecto dos aludidos contratos-promessa, colocando-se, assim, numa situação de impossibilidade objectiva e definitiva de cumprimento de tais contratos; . a escritura de 03/06/2003 foi outorgada pelos dois únicos gerentes da 1ª ré, DD e EE [que, igualmente, haviam celebrado os contratos-promessa com o autor em representação da mesma ré], pelo que a consumação desse negócio teve lugar com perfeita consciência, por parte daquela e destes, de que tornavam objectiva e definitivamente impossível o cumprimento daqueles contratos-promessa; . o autor é, assim, credor da 1ª ré da quantia de 1.053.992,88€, que lhe é devida a título de devolução em dobro dos sinais prestados no âmbito dos indicados contratos-promessa; . pela aludida escritura pública de compra e venda de 03/06/2003, a 1ª ré vendeu à 2ª ré não apenas as quinze fracções prometidas vender ao autor, mas um total de sessenta e uma fracções autónomas do mesmo prédio (Edifício …) por si edificado, por um preço total declarado, na referida escritura, de dois milhões de euros; . nessa escritura a 2ª ré foi representada pelos administradores FF e por GG, filhos do atrás referido DD, sendo o conselho de administração daquela ré composto por estas três pessoas que convivem familiarmente e têm todos a mesma residência; . todos eles conheciam a existência dos contratos-promessa celebrados entre o autor e a 1ª ré e a pendência do referido processo nº 964/2001; . mediante a celebração do contrato de compra e venda formalizado pela escritura pública de 03/06/2003, a 1ª ré procedeu à alienação do seu único património conhecido, não detendo outros bens susceptíveis de responder pelo crédito do Autor; . ambas as rés sabiam que, com a referida compra e venda, a 1ª ré procedia à alienação do seu único património penhorável e tinham perfeita consciência de que com esse negócio jurídico causavam prejuízo ao autor, inviabilizando a cobrança futura do seu crédito; . a 2ª ré procedeu já à venda a terceiros, que as registaram em seu nome na competente CRP, de várias fracções incluídas no negócio que celebrou com a 1ª ré.

Citadas as rés, contestaram, separadamente, a acção.

A 1ª ré impugnou parte da factualidade alegada na p. i., afirmando, essencialmente, que não se verificam os pressupostos da impugnação pauliana, já que o autor não detém qualquer crédito judicialmente reconhecido contra si, que não assiste ao autor o direito de receber o dobro do que prestou a título de sinal, nem sequer o seu valor em singelo e que a venda das fracções à 2ª ré foi um acto de gestão necessário à boa administração da sociedade, tanto mais que foi o autor que, em 2000, por escrito, lhe comunicou que considerava os quinze contratos-promessa resolvidos.

Concluiu pugnando pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido. Mais requereu a condenação do autor como litigante de má-fé, em multa e indemnização condigna e suficiente para suportar as suas despesas.

A 2ª ré impugnou também parte da materialidade fáctica alegada pelo autor, sustentando que este não possui nenhum crédito sobre a 1ª ré que lhe permita o recurso à acção pauliana, que ela (2ª ré) não conhecia a existência de qualquer crédito do demandante sobre a 1ª ré, que nem ela nem a co-ré agiram de má fé, desconhecendo que causavam prejuízo ao autor, que o património da 1ª ré passou a ser constituído pelo preço que lhe pagou pelas fracções, em substituição destas, e que o seu próprio património continua integrado por algumas das fracções autónomas que adquiriu àquela ré e por outros activos.

Terminou pugnando pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

O autor replicou, respondendo à matéria de excepção aduzida pelas rés e requereu, ainda, a condenação da primeira delas como ligante de má fé, em multa e indemnização a seu favor, esta em montante não inferior a 25.000,00€.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu as rés do pedido, tendo condenado o autor nas custas.

Na sequência de recurso interposto pelo autor, foi proferido pela Relação do Porto o acórdão de fls. 788 a 801 verso que anulou a sentença recorrida, nos termos do nº 4 do art. 713º do CPC, determinando a ampliação da base instrutória com a consequente repetição parcial do julgamento relativamente aos novos quesitos.

Cumprido o determinado, procedeu-se na 1ª instância à parcial repetição do julgamento e, após, foi proferida nova sentença julgando a acção improcedente e absolvendo as rés do pedido, com a consequente condenação destas nas respectivas custas. De novo inconformado, apelou o autor.

Conhecendo do objecto do recurso, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 8 de Abril de 2014, decidiu: «1º. Julgar procedente o recurso e revogar a decisão recorrida, por procedência da impugnação pauliana das vendas indicadas em 9 dos factos provados, declarando-se estas ineficazes em relação ao autor/recorrente, na medida do seu crédito (de 1.053.992,88€ e juros legais), por forma a que possa exercitar o seu direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património da 2ª ré (CC) e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial do seu crédito, declarando-se, ainda, a 2ª ré responsável pelo valor das fracções que tenha alienado a terceiros em data posterior à da escritura mencionada naquele nº 9, na exacta medida necessária ao integral pagamento do crédito do impugnante.

  1. Condenar as rés/recorridas nas custas, pelo total decaimento.» Deste acórdão recorreu de revista a ré Imobiliária BB, Lda.

Das extensas conclusões da respectiva alegação de recurso extrai-se, com relevância e em resumo, a seguinte síntese conclusiva: - Das alegações e conclusões do recurso da matéria de facto que o autor, agora recorrido, efectua não consta qualquer tipo de transcrição, nem de menção, ainda que superficial, à gravação ou momento da gravação onde os depoimentos estão efectuados e que possam merecer, por isso, interpretação diversa da atribuída pela primeira instância. (XII) - O recurso da matéria de facto interposto pelo autor e que o Tribunal da Relação apreciou, não poderia ter sido, como foi, apreciado, pois o recorrente nada refere de concreto, o que, também, impediu a ré, de rebater, em concreto, sendo que a verdade material, ainda que a houvesse de forma diferente, o que não é o caso, não se pode sobrepor de qualquer maneira, sob pena de prejudicar a outra parte e sob pena de fazer-se tábua rasa da legislação. (XXIII) - Ao que acresce que, em rigor, os quesitos 1º e 2ª, como também aliás defendeu o autor, são conclusões e não factos e sobre o qual o tribunal da primeira instância, na sentença, e a Relação no acórdão se pronunciaram (XXV).

- Pelo que, requer a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação do Porto na parte em que apreciou a matéria de facto, por violação dos artigos 685º- b e 690º-a do Código de Processo Civil. (XXVII) - A causa de pedir desta acção é a impugnação das vendas e não o cumprimento ou incumprimento dos contratos de promessa de compra e venda celebrados entre autor e ré...

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