Acórdão nº 201/16.0GBPMS-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ GUERRA
Data da Resolução12 de Abril de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I- RELATÓRIO 1.

Na sequência da acusação deduzida pelo MºPº, em 14.04.2021, contra os arguidos AA, BB e «A..., LDA», aos quais nela se imputa a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152.º-B n.

os 1, 2 e 4 alínea b) do Código Penal ( Refª 96484705 ), vieram os demandantes CC e DD deduzir pedido de indemnização civil contra tais arguidos e também contra B..., LDA, C..., S.A. e D..., LDA. * 2.

Tal pedido de indemnização civil foi liminarmente admitido em relação aos arguidos supra mencionados, mas não já em relação às sociedades B..., LDA, C..., S.A. e D..., LDA., por despacho proferido em 15.10.2021 ( Refª 98125860 ), nos termos que dele constam da seguinte forma, que se transcreve: “ (…), admito liminarmente o pedido de indemnização civil deduzido por CC e DD em 01.06.2021 contra os arguidos, assim devindos investidos outrossim na posição de demandados, AA, BB e A..., LDA.

.

O mesmo não pode suceder – isto é, admissão liminar do pedido de indemnização civil – contra os demais sujeitos identificados pelos Demandantes, porquanto os autos foram, no que a eles respeita, arquivados, ou seja, não foi contra si deduzida Acusação Púbica, e mais considerando que o pedido de indemnização civil assenta na prática de um crime, constituindo este, precisamente, o facto ilícito gerador de responsabilidade (artigo 71.º do Código Processo Penal).

Porém, sem prejuízo do que se deixou supra exposto, e atento o alegado pelos Demandantes contra os demais, alerta-se os Demandantes para a possibilidade de acionar os meios processuais próprios com vista à eventual intervenção de terceiros nesta sua demanda civil, ora enxertada em processo penal, requerendo essa intervenção por meio do respetivo incidente processual e efetuando o correspetivo pagamento da taxa de justiça.

Nesta ordem de ideias, notifique os Demandantes para, em dez dias, alegarem/requererem com vista, sendo o caso, à eventual intervenção de terceiros nesta sede (de indemnização civil) ou requererem o que tenham por conveniente.

… * 3.

Por requerimento apresentado em 28.10.2021 (Refª 8127421 ), vieram os demandantes CC e DD, “ ao abrigo do disposto no artigo 316º e seguintes do Código do Processo Civil, ex vi artigos e 73º do Código de Processo Penal requerer a Intervenção Principal Provocada “ das mencionadas sociedades B..., LDA, C..., S.A. e D..., LDA.

* 4.

Sobre tal requerimento recaiu o despacho proferido em 29.10.2022 ( Refª 101774547 ), o qual se transcreve: “ Requerimento de Intervenção Principal Provocada: Nos presentes autos, encontram-se acusados AA, BB e a sociedade ‘A..., Lda.’, pela prática de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152º-B, nºs 1, 2 e 4, alínea b) do Código Penal (refª 96484705).

Foi ainda proferido despacho de arquivamento, pela prática do referido ilícito, no que respeita às sociedades ‘D...’, ‘C..., SA’, e ‘B..., Lda.’, e seus legais representantes (refª 96484705).

Não foi apresentada qualquer reclamação hierárquica nem requerida a abertura de instrução, para pronúncia das demais sociedades e seus legais representantes, pela prática do mencionado ilícito.

Foi deduzido pedido cível contra os arguidos acusados, peticionando a condenação dos mesmos no pagamento dos prejuízos causados (refª 7744379).

Foi ainda deduzido pedido cível contra as sociedades cuja intervenção principal provocada ora se requer, peticionando a condenação destas no pagamento dos prejuízos causados, fundada em responsabilidade contratual das mesmas (refª 7744379).

* Por requerimento de refª 8127421, requerem, então, os demandantes a intervenção principal provocada das demais sociedades, relativamente às quais incidiu despacho de arquivamento dos autos, para responsabilização cível (contratual) das mesmas pelos prejuízos causados.

*… Cumpre apreciar e decidir.

* Face ao teor do despacho de arquivamento proferido nos autos, com o qual os demandantes se conformaram, o objeto do processo penal encontra-se delimitado pelos factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público nos presentes autos.

Nos termos do disposto no artigo 71º do CPP, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo.

E, nos termos do previsto no artigo 73º do CPP, o pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil e estas podem intervir voluntariamente no processo penal.

Prevê ainda o artigo 129º do Código Penal que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.

* O pedido cível formulado contra as chamadas não se funda na prática de crime (tanto mais que nesta parte foi já proferido despacho de arquivamento, com o qual as partes se conformaram) mas antes em responsabilidade contratual das mesmas pelos prejuízos sofridos.

Poderá o pedido cível em causa, fundado em mera responsabilidade contratual de terceiros, ser admissível em processo penal, assim como a intervenção principal provocada desses terceiros, que ora se requer?* Sobre a matéria, pronunciou-se o Assento n° 7/99 de 17 de Junho de 1999, fixando a seguinte jurisprudência: “Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377° n° 1 do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual. (....) É que, aceitando-se, muito embora, que o nosso direito positivo impõe um regime de adesão obrigatória, tal diz respeito ao pedido de indemnização por perdas e danos resultantes de um facto punível, ou seja, de um ilícito criminal.

(...) O regime de adesão não implica uma ação cível qualquer, mas tão-somente um pedido de indemnização civil para ressarcimento de danos causados por uma conduta considerada como crime. …* Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18.10.2017, proferido no Processo 68/11.4TAPNI.C1 (integralmente publicado in www.dgsi.pt), com o qual se concorda na íntegra, estabeleceu, a tal propósito, o seguinte: A prática de uma infração criminal pode justificar a formulação de dois pedidos diferentes: - Um de natureza criminal para que o autor do crime seja objeto de uma censura penal; - outro, de natureza civil, para ressarcimento dos lesados, pelos danos materiais e não patrimoniais que do crime resultaram.

O ressarcimento de tais prejuízos está previsto no art 71º, do CPP que consagra, como regra, o sistema da adesão obrigatória da ação cível à ação penal, isto é, o direito à indemnização por perdas e danos sofridos com o ilícito criminal só pode ser exercido no próprio processo penal nele se enxertando o procedimento cível a tal destinado.

Com efeito, dispõe o referido artigo: “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”.

Assim, por força do princípio da adesão, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, (regra) só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei, (exceção), sem prejuízo de, quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem suscetíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, remeta as partes para os tribunais civis. – n.º 3 do art. 72.º do CPP.

“Com a consagração do princípio da adesão resolvem-se no processo penal todas as questões que envolvem o facto criminoso em qualquer uma das suas vertentes, sem necessidade de recorrer a mecanismos autónomos, (…) uma vez que os interessados não necessitam de despender e dispersar custos quando afinal o tribunal a quem se atribuiu competência para conhecer do crime oferece as mesmas garantias quando ela é alargada ao conhecimento de uma matéria que está intimamente ligada a esse crime.” -ac. do STJ de 10-12-2008, proc. n.º 08P3638.

Revertendo ao caso concreto, questão essencial consiste em apurar contra quem pode ser deduzido este pedido civil.

Preceitua o artigo 73º, do Código de Processo Penal que: “1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil e estas podem intervir voluntariamente no processo penal.

2 – A intervenção voluntária impede as pessoas com responsabilidade meramente civil de praticarem atos que o arguido tiver perdido o direito de praticar”.

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