Acórdão nº 178/23 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 178/2023

Processo n.º 461/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

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Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A., SA (doravante, A., SA) interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), do acórdão do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) de 4 de fevereiro de 2021, pedindo a fiscalização do disposto no artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, com fundamento em violação dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva (artigos 13.º, 103.º e 104.º, todos da Constituição da República Portuguesa).

2. A recorrente formulou perante o CAAD petição para constituição de Tribunal arbitral, pedindo a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de imposto de IRC, juros compensatórios e acerto de contas referentes ao ano de 2010, compreendendo a impugnação, de entre o mais, do imposto liquidado a título de taxa autónoma por remunerações variáveis a atribuir ao abrigo do Programa de Remuneração Variável em Ações vigente no Grupo A. para esse ano.

O Tribunal arbitral julgou o pedido arbitral parcialmente procedente, decaindo a demandante por inteiro quanto à impugnação singularizada no parágrafo anterior.

3. O recurso do acórdão arbitral para o Tribunal Constitucional foi interposto nos seguintes termos:

“(...) notificado no dia 25 de Fevereiro de 2021, por via de Ofício do Centro de Arbitragem Administrativa, datado de 10 de Fevereiro de 2021, da decisão arbitral proferida em 4 de Fevereiro de 2021, nos termos do qual foi julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral no que respeita ao pedido de anulação do acto tributário relativamente à tributação autónoma,

e não se conformando com o teor da mesma,

vem, pelo presente, ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa ("CRP"), do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), no artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, e no artigo 76.º, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, na redação atualmente em vigor, doravante "LTC"), e do artigo 25.º, n.os 1 e 4, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT") interpor

Recurso para fiscalização concreta da constitucionalidade

o que faz nos termos seguintes:

1. Da competência para apreciação da admissibilidade do recurso

No que se refere à competência para apreciação da admissibilidade do recurso interposto, o artigo 76.º, n.º 1, da LTC estabelece que "Compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respetivo recurso".

Estabelece, contudo, o RJAT, no seu artigo 25.º, n.º 4, que "Os recursos previstos nos números anteriores são apresentados, por meio de requerimento acompanhado de cópia do processo arbitral, no tribunal competente para conhecer do recurso".

Ora, conforme esclarece o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 281/2014, de 25 de Março de 2014,"(...) apesar de o nº 4 do artigo 25º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) determinar que o recurso de decisões arbitrais, em matéria tributária, seja directamente interposto perante o Tribunal Constitucional, tal preceito encontra-se em contradição com o disposto nos artigos 75º, nº 1, 75º-A, nº 5 e 76º, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional. Assim, revestindo-se esta última de natureza reforçada, por se tratar de uma lei orgânica, a contradição entre a solução normativa fixada pelo nº 1 do artigo 25º do RJAT e o artigo 76º, nº 1 da LTC, resolve-se a favor deste último, em função da manifesta "ilegalidade «próprio sensu»" da primeira, pelo que se impunha a desaplicação da norma extraída do nº 1 do artigo 25º do RJAT e a consequente aplicação do regime processual previsto na Lei do Tribunal Constitucional."

E no mesmo sentido de que a norma extraída da conjugação entre os n.ºs 1 e 4 do artigo 25.º do RJAT, ao determinar que o recurso para o Tribunal Constitucional é apresentado por meio de requerimento no próprio Tribunal Constitucional, contraria o disposto no artigo 76.º, n.º 1, da LTC, pelo que seria ilegal por violação de lei de valor reforçado, v. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 262/2015, de 6 de Maio de 2015.

Assim, tendo a decisão recorrida sido emitida pelo Tribunal Arbitral constituído no Centro de Arbitragem Administrativa, de acordo com as referidas disposições legais e a mencionada interpretação levada a cabo pelo Tribunal Constitucional, competirá a este Tribunal aferir da admissibilidade do presente recurso.

2. Da tempestividade

A decisão arbitral objeto do presente recurso foi notificada ao ora Recorrente, através de via CTT no dia 25 de Fevereiro de 2021 (décimo quinto dia posterior ao registo de disponibilização da notificação) nos termos do artigo 39.º, n.º 10, do Código de Procedimento e Processo Tributário ("CPTT"), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT- cfr. cópia da notificação e respetivo envelope digital, que se juntam conjuntamente como Documento n.º 1).

Nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LTC, o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias.

Assim sendo, o primeiro dia desse prazo, foi o dia 26 de Fevereiro de 2021, pelo que o último dia seria 7 de Março de 2021 (Domingo),

pelo que se transfere para o dia útil seguinte, 8 de Março de 2021 (Segunda-feira) nos termos do artigo 138.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 3.º-A, n.º 2, do RJAT.

10º

Atento o exposto, o presente requerimento de interposição de recurso, apresentado nesta data, deverá ter-se por tempestivo.

3. do cumprimento do ónus de suscitação prévia

11º

Dispõe o artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, ao abrigo do qual se interpõe o presente recurso, que se pode recorrer de decisões "que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo".

12º

Concretizando, o n.º 2 do artigo 72.º do mesmo diploma dispõe que "os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. "

13º

Também o artigo 25.º, n.º 1, do RJ AT, estabelece que "A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Tribunal Constitucional na parte em (...) que aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada."

14º

Com efeito, o ora Recorrente suscitou a presente questão de inconstitucionalidade no seu pedido de pronúncia arbitral, tendo, desde logo, invocado a violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva pela norma especial constante do artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

15º

Tal suscitação foi expressamente efetuada nos artigos 135.º a 137.º do pedido de pronúncia arbitral dos autos.

16º

Tanto assim é que a decisão arbitral se pronuncia sobre a questão de inconstitucionalidade arguida (ainda que de forma sumaríssima e com errada fundamentação, como melhor se verá infra, sem prejuízo das alegações a produzir ao abrigo do artigo 79.º da LTC), no penúltimo parágrafo da página 28/34, ao mencionar as "(...) inconstitucionalidades arguidas pelo Requerente, nomeadamente nos pontos 105.º e 135.º (...)" - sublinhados nossos.

17º

Do exposto resulta, assim, que o Recorrente suscitou, de forma prévia e processualmente adequada, a questão de inconstitucionalidade objecto do presente recurso, encontrando-se verificado o ónus de suscitação prévia imposto pelos artigos 70.º, n.º 1, al. b), e 72.º, n.º 2, da LTC.

4. Do objecto: a violação do princípio da igualdade e da capacidade Contributiva

18º

De acordo com o disposto no artigo 75.º-A da LTC, é exigível que do requerimento de interposição de Recurso conste, desde logo, a questão de inconstitucionalidade que se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, uma vez que é o presente Recurso interposto ao abrigo 70.º, n.º 1, alínea b), da mesma lei.

19º

Neste sentido, o Recorrente esclarece que a desconformidade à CRP que foi objecto de discussão no processo arbitral e que aqui se discute, se prende com a norma que se extrai do artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, por violar os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, concretizados no artigo 13.º em conjugação com os artigos 103.º e 104.º da CRP, na medida em que prevê uma tributação autónoma sobre as remunerações mais gravosa e injustificadamente discriminatória do sector financeiro.

20º

Conforme defendeu o ora Recorrente, aquele artigo introduziu uma norma que estabelece uma tributação autónoma de 50% para o sector financeiro (enquanto que todos os outros sujeitos passivos de IRC viram introduzida uma tributação autónoma sobre as remunerações de apenas 35%, nos termos do artigo 88.º, n.º 13, al. b), do Código do IRC, aprovado pela mesma Lei n.º 3-B/2010 de 28 de Abril), sendo essa a dimensão normativa daquele preceito legal sub judice.

21º

Acresce que, para além da diferenciação ilegítima de incidência subjectiva, há também uma importante diferenciação objectiva, pois todos os sujeitos passivos de IRC que não do sector financeiro beneficiam de uma excepção na parte final daquele artigo 88.º, n.º 13, al. b), do Código do IRC: a subordinação do pagamento das remunerações ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho...

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