Acórdão nº 114/23 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução16 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 114/2023

Processo n.º 1140/2022

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, a Decisão Sumária n.º 18/2023 deste Tribunal Constitucional não admitiu os recursos de constitucionalidade interpostos, respetivamente, pelos recorrentes A. e B. ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC). Pela referida decisão entendeu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objeto de ambos os recursos, com a seguinte fundamentação, no que ora releva, relativamente a cada um deles:

«A) Questões colocadas pelo recorrente A.

5. Conforme resulta do exposto no aludido requerimento de interposição de recurso, foram suscitadas doze questões de constitucionalidade relativas: à interpretação conjugada dos artigos 157.°, n.° 1, 158.°, n.° 1, alíneas a) e b) e 340.°, n° 1 do Código de Processo Penal; à interpretação conjugada do artigo 340.°, n.os 1 e 4, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal; à interpretação do artigo 147.°, n.° 1 do Código Penal; à interpretação conjugada dos artigos 71.°, n.° 1 e 2 e 40.°, n.° 1 e 2 do Código Penal; à interpretação do artigo 401.°, n.° 1 do Código de Processo Penal; à interpretação conjugada dos artigos 283.°, n.° 3, alínea c) e 358.°, n.° 1 e n.° 3 do Código de Processo Penal; à interpretação conjugada dos artigos 424.°, n.° 3 e 358.°, n.° 3 e n.° 1 do Código de Processo Penal; à interpretação conjugada dos artigos 424.°, n.° 3, 358.°, n.° 1, 425.°, n.° 4 e 379.°, n.° 1, alínea b) e n.° 2 do Código de Processo Penal; à interpretação do artigo 144°, alínea c) do Código Penal; à interpretação conjugada dos artigos 679.°, 680.°, n.° 1, 651.°, n.° 1 e 425.° do Código de processo Civil, aplicável ex vi do art. 4.º do Código de Processo Penal.

Ademais, consta expressamente do requerimento de interposição de recurso que o arguido A. pretende recorrer da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que, em 28 de setembro de 2022, indeferiu as alegadas omissões de sentença, ao afirmar que «notificado do douto acórdão proferido em 28 de setembro de 2022, não se conformando com o mesmo vem dele apresentar RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (…)». Isso mesmo reitera nas conclusões do requerimento de recurso para este Tribunal Constitucional, quando afirma que «não sendo o acórdão proferido em 28 de setembro de 2022 recorrível e continuando o Recorrente persuadido da existência de tais inconstitucionalidades (...) requer desde já a V. Exa. que considere válida, atempada e legitimamente interposto recurso desta decisão do Supremo Tribunal de Justiça para o Tribunal Constitucional» (cf. fls. 6807 e 6810, respetivamente).

6. Sucede, porém, que o mencionado aresto não aplicou os aludidos preceitos legais. Efetivamente, e conforme resulta da leitura das fls. 6783 a 6788 dos autos, o aresto indicado limitou-se a constatar que a decisão proferida em 29 de julho de 2022 não padecia do vício de nulidade, contrariamente ao alegado pelo arguido no requerimento apresentado em 11 de setembro de 2022, ao abrigo do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal. Assim, constatando que nenhuma das questões de constitucionalidade, enunciadas no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade apresentado nos presentes autos, versa sobre a questão afrontada na decisão recorrida, facilmente se deduz que as normas cuja apreciação vem requerer não integraram a respetiva ratio decidendi.

Vejamos:

É certo que o Tribunal a quo faz menção aos argumentos aduzidos pelo arguido no âmbito das invocações de nulidade por omissão de pronúncia; no entanto, limita-se a constatar a improcedência daqueles vícios, sem que tal implique uma apreciação sobre as questões materiais que estiveram na base das alegadas omissões de pronúncia. Assim, começou por entender o seguinte:

«Secundado pelos restantes recorrentes, B. alega que “o acórdão não se pronuncia sobre a matéria formulada na conclusão U) e V), alínea b)”.

Estas reportam-se ao aditamento à matéria fáctica provada do ponto 73-A, o qual no entender dos recorrentes “consubstancia uma alteração não substancial sobre a qual devia ter sido exercido o contraditório, nos termos previstos nos arts. 358.°, n.° 1 e 424.°, n.° 3 do CPP.”, invocando que tal circunstância inquinaria de nulidade o Acórdão recorrido.

Todavia, tal alegação carece do devido suporte fáctico, pois que, o Acórdão ora em apreço se debruça sobre esta questão a fls. 477 e seguintes, aí se referindo expressamente o “impugnado” pelo recorrente relativo “à algemagem da vítima e entrega das chaves das algemas a terceiros” - matéria constante do ponto 73-A.

(…)

Constata-se, portanto, que o tribunal a quo amparou a sua decisão de improcedência dos alegados vícios nos termos da norma constante do artigo 379.º, n.º l, alínea c) do Código de Processo Penal, que culmina com nulidade as sentenças em que o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões de que devesse apreciar. Assim, serviu de base decisória o entendimento segundo o qual «(...) para efeitos do disposto no artigo 379° n° l al. c) do CPP, não se verifica qualquer omissão de pronúncia quando o Tribunal conheça e decida a questão de Direito, ou de facto, sobre a qual é chamado a pronunciar-se, independentemente da circunstância de apreciar, ou não, a argumentação, no todo ou em parte, que tenha sido aduzida». Isto dito, resulta com clareza do confronto entre o teor desta decisão e o requerimento de interposição de recurso que as interpretações identificadas como objeto desta pretensão não correspondem ao fundamento jurídico determinante do sentido decisório veiculado pelo tribunal a quo.

(…)

B) Questões colocadas pelo recorrente B..

8. Conforme expressamente indicado no aludido requerimento de interposição de recurso, foram suscitadas, por este recorrente, três questões de constitucionalidade: duas questões previamente suscitadas e uma questão que não fora previamente suscitada.

Analisado o requerimento de interposição – em particular as secções II e III – verifica-se que começou por delimitar o objeto do recurso de constitucionalidade, nos seguintes termos (cf. fls. 6813-6814):

«II – A QUESTÃO DA APRESENTAÇÃO DE UM REQUERIMENTO PROBATÓRIO EM CASO DE ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS

(…)

12. Ora, tal entendimento normativo dado ao art. 424.°, n.° 3 do CPP, no sentido de que, em caso da comunicação de uma alteração da qualificação jurídica dos factos efectuada ao abrigo do art. 424.°, n.° 3 do CPP, não pode a defesa apresentar requerimento probatório - mediante o qual lhe seja dada a oportunidade de demonstrar a existência e a relevância dos elementos de facto contidos no novo tipo ora em causa -, tendo direito ao contraditório apenas para a invocação de argumentação estritamente jurídica, é inconstitucional, por ofensa do disposto nos arts. 32.°, n.os 1 e 5 da CRP, uma vez que, nessa interpretação, seriam gravemente postergadas as garantias de defesa e do direito à prova, como é apanágio de um processo equitativo, que respeite cabalmente o princípio do contraditório.

III – A QUESTÃO DO ADITAMENTO AO PROBATÓRIO DO FACTO 73-A

(…)

19. Assim sendo, o STJ, no Acórdão de 29.07.2022, devidamente completado pelo Acórdão de 28.09.2022, em relação ao art. 424.°, n.° 3 do CPP, adoptou um entendimento normativo no sentido de que, julgando a Relação ser necessário proceder a um aditamento ao probatório dos factos elencados pela 1.a instância, se a matéria em causa, mesmo não sendo objecto de qualquer recurso, se enquadrar no âmbito do objecto da acusação e da defesa, a Relação pode proceder a esse aditamento sem notificar os sujeitos processuais - em particular os arguidos -, para que eles, querendo, se possam pronunciar sobre a alteração.

20. Tal entendimento normativo é inconstitucional, por violação das garantias de defesa e do princípio do contraditório consagrados nos arts. 32.°, n.° 1 e n.° 5 da CRP, uma vez que é inaceitável que se aditem factos ao probatório fixado pela l.a instância, os quais não foram objecto de recurso, apenas com o argumento de que a matéria se inscreve no objecto da acusação e da defesa, porque, admitindo-o, está-se a aceitar uma alteração não substancial de factualidade relevante para a condenação do Arguido, sem lhe proporcionar o adequado meio de defesa.

21. A inconstitucionalidade em apreço foi suscitada quer na conclusão U) do recurso, quer no art. 10.º do requerimento de arguição de nulidade»

De acordo com o aludido requerimento, aquelas questões de constitucionalidade haviam sido suscitadas nas conclusões K) e U) das motivações de recurso (cf. fls. 6812), nos termos que ora se reproduz:

«K) Por cautela, argui-se a inconstitucionalidade do entendimento dado ao art. 424. °, n.° 3 do CPP -por si só, ou conjugado com o art. 358. °, n.os 1 e 3 do CPP - no sentido de que, em caso de alteração da qualificação jurídica dos factos, não pode a defesa apresentar requerimento probatório, mediante o qual lhe seja dada a oportunidade de demonstrar a existência e relevância dos elementos de facto contidos no novo tipo ora em causa, por ofensa do disposto nos arts. 32. °, n.os 1 e 5 da CRP, uma vez que nessa interpretação seriam gravemente postergadas as garantias de defesa e do direito à prova, como é apanágio de um processo equitativo.

U) Finalmente, a “cereja em cima do bolo” vem com o aditamento ao probatório do facto n. ° 73-A: “As chaves das algemas foram deixadas com os vigilantes do EECITpara quando estas fossem retiradas pelos inspectores que viessem buscar C. para a sua viagem de repatriamento”.

Acontece que esse aditamento representa uma alteração à factualidade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT