Acórdão nº 109/23 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução16 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 109/2023

Processo n.º 25/2023

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A., ora reclamante, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão condenatória, proferida em 3 de dezembro de 2018, pelo Juízo Central Criminal de Sintra. Por acórdão datado de 25 de fevereiro de 2021, esse Tribunal da Relação atenuou a medida das penas aplicadas em primeira instância, tendo fixado uma pena única de onze anos e seis meses de prisão, pela prática de múltiplos crimes de abuso de confiança, previstos e punidos pelos artigos 205.º, n.os 1 e 4, alínea b), com referência ao artigo 202.º, alíneas a) e b) do Código Penal; de burla qualificada, previstos e punidos nos termos dos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, com referência às alíneas a) e b) do artigo 202.º do Código Penal; e de falsificação de documentos, previstos e punidos ao abrigo do disposto no n.º 3 e nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 256.º do Código Penal. Este Tribunal da Relação proferiu novo acórdão, em 29 de abril de 2021, na sequência de requerimento de arguição de nulidade daquele acórdão apresentado por um dos demandantes civis.

2. Destas decisões do Tribunal da Relação de Lisboa – datadas de 25 de fevereiro de 2021 e 29 de abril de 2021 – o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por acórdão datado de 2 de dezembro de 2021, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, no que ora releva: (i) «rejeitar o recurso na parte que respeita a todas as questões suscitadas quanto aos crimes e às penas aplicadas pela prática de cada um dos crimes por que vem condenado»; e (ii) «julgar improcedente o recurso na parte respeitante à determinação e aplicação da pena única».

Através de dois requerimentos, apresentados em 3 de dezembro de 2021 e em 9 de dezembro de 2021, o ora recorrente reclamou para a conferência do Supremo Tribunal de Justiça, peticionando a declaração de nulidade de um despacho datado de 22 de novembro de 2021 e a nulidade do Acórdão de 2 de dezembro de 2021, ou, subsidiariamente, a sua invalidade por mera irregularidade. Ambos foram indeferidos em 15 de dezembro de 2021.

3. Em 6 de janeiro de 2022, o arguido apresentou requerimento, perante o Supremo Tribunal de Justiça, no qual peticionou a declaração da prescrição parcial do procedimento criminal, o qual veio a ser indeferido por decisão datada de 4 de fevereiro de 2022 (cf. ponto 7., infra).

4. Não obstante a apresentação do requerimento supramencionado, em 11 de janeiro de 2022 o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, relativo aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de dezembro de 2021 e de 15 de dezembro de 2021, quanto à questão da inadmissibilidade do recurso de revista, reportando-se à interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) e f), do Código de Processo Penal.

5. O recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido por despacho de 3 de fevereiro de 2022, momento em que o Supremo Tribunal de Justiça determinou o seguinte: «Decidido o recurso [de constitucionalidade], pronunciar-se-á este tribunal quanto ao requerimento de declaração de prescrição do procedimento criminal» (cf. fls. 15).

Notificado deste despacho, o recorrente voltou a apresentar requerimento, em 17 de fevereiro de 2022, a peticionar a declaração da prescrição parcial do procedimento criminal, o qual foi novamente indeferido, por despacho de 21 de fevereiro de 2022.

6. Após reclamação da Decisão Sumária n.º 297/22, o Tribunal Constitucional proferiu, em 26 de maio de 2022, o Acórdão n.º 412/22 – quanto à parte do objeto admitida – no sentido de «não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão» e «não julgar inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação de que as diversas penas parcelares a que o arguido foi condenado no tribunal da relação, sendo todas elas inferiores a 5 anos de prisão, dispõem de autonomia própria, pelo que as mesmas (sendo no total superior a 5 anos de prisão), não são suscetíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça».

7. Recebidos os autos vindos do Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal de Justiça apreciou, então, os requerimentos de 6 de janeiro de 2022 e de 17 de fevereiro de 2022 e, por despacho de 4 de julho de 2022, entendeu o seguinte (cf. fls. 13-18):

«(…)

11. Como já se notou, estes requerimentos foram apresentados em datas posteriores ao acórdão que julgou o recurso, de 2.12.2021 (supra, 2), e ao acórdão de 15.12.2021, que conheceu da arguição da nulidade desse acórdão (supra, 3), em que, em aplicação das al. e) e f) do n.º 1 do artigo 400.° do CPP, por inadmissibilidade legal do recurso, não foi reconhecida competência do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer de quaisquer questões, de natureza substantiva ou processual, relacionadas com os crimes a que foram aplicadas penas de prisão inferiores a 8 anos de prisão, pois que tais matérias não se inscrevem no âmbito dos poderes de cognição deste tribunal.

12. Esta interpretação, cuja constitucionalidade foi suscitada no recurso de inconstitucionalidade, foi confirmada pelo Tribunal Constitucional pela decisão sumária n.º 297/2022 e no acórdão n.º 412/2022, transitado em julgado em 14.6.2022, que conheceu da reclamação da decisão sumária [supra, 9, a) e b)].

13. Dispõe o artigo 80.° (efeitos da decisão) da Lei do Tribunal Constitucional,

que:

1 - A decisão do recurso faz caso julgado no processo quanto à questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitada.

2 - Se o Tribunal Constitucional der provimento ao recurso, ainda que só parcialmente, os autos baixam ao tribunal de onde provieram, a fim de que este, consoante for o caso, reforme a decisão ou a mande reformar em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade.

3 - No caso de o juízo de constitucionalidade ou de legalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em determinada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação no processo em causa.

4 - Transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários, ou começam a correr os prazos para estes recursos, no caso contrário.

5 - O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, à decisão do recurso previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 70.°”.

14. Os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 2.12.2021 e de 15.12.2021 transitaram, por conseguinte, em julgado em 14.6.2022 (data do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Constitucional). Não é, pois, caso de reforma dos acórdãos recorridos, em que a questão da competência para conhecer da invocada prescrição do procedimento criminal relativamente às infrações em causa (supra, 4), embora não suscitada no recurso, se poderia, eventualmente, configurar como questão prévia relativamente ao conhecimento da prescrição, como poderia suceder em caso de declaração de inconstitucionalidade (como se referiu no despacho de 3.2.2022 - supra, 6).

15. Sucede ainda que o requerimento de invocação da prescrição foi apresentado depois de proferidos os acórdãos de 2.12.2021 e de 15.12.2021, com cuja prolação ficou imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (artigo 613.°, n.º 1, 666.° e 685.° do CPC, ex vi artigo 4.° do CPP).

16. Pelo exposto, e com estes fundamentos, e não se inscrevendo a questão no âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça fora do âmbito do recurso, não se conhece dos requerimentos de 6.1.2022 e de 17.2.2022 em que o recorrente invoca e requer a declaração da prescrição do procedimento criminal pelos crimes indicados no primeiro requerimento.»

É desta decisão que o recorrente vem apresentar recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos constantes do ponto 9., infra.

8. Sobre esta decisão, o ora reclamante apresentou, em 11 de julho de 2022, requerimento a suscitar a sua nulidade ou, subsidiariamente, a sua irregularidade e enunciou, ainda, várias questões de constitucionalidade (cf. fls. 19-38). Por despacho de 22 de setembro de 2022, foi indeferido o peticionado, mantendo-se o despacho de 4 de julho de 2022 (cf. fls. 39-43).

Inconformado com o teor daquela decisão, o recorrente apresentou reclamação para a Conferência do Supremo Tribunal de Justiça, que o julgou inadmissível, por acórdão datado de 3 de novembro de 2022 (cf. fls. 67-68).

9. Notificado desta decisão, o recorrente interpôs, em 17 de novembro de 2022, recurso para o Tribunal Constitucional, delimitando o respetivo objeto nos seguintes termos (cf. fls. 69-77):

«(…)

3. As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional venha a apreciar são:

(i) A norma constante do artigo 80.° da LTC e dos artigos 613º, n.º 1, 666.º e 685.° do Código de Processo Civil aplicáveis por via do artigo 4.° do Código de Processo Penal, interpretados conjuntamente no sentido de que o trânsito em julgado da decisão condenatória obsta ao conhecimento da prescrição do procedimento criminal invocada pelo Arguido em momento anterior ao trânsito em julgado;

(ii) A norma constante do artigo 80.° da LTC e dos artigos 613.°, n.º 1, 666.° e 685.° do Código de Processo Civil aplicáveis por via do artigo 4.° do Código de...

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