Acórdão nº 99/23 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução16 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 99/2023

Processo n.º 362/2022

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que são recorrentes A. e B., foi interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC) — Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei Orgânica n.º 1/2022, de 4 de janeiro.

2. Por acórdão do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra — Juízo Central Criminal, foi o recorrente B. condenado pelos crimes de favorecimento pessoal praticado por funcionário e de abuso de poder, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução; e o recorrente A. condenado pelos crimes de abuso de poder e de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de um ano.

Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão datado de 19 de janeiro de 2022, julgou o recurso totalmente improcedente.

3. É do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 19 de janeiro de 2022, que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, em requerimento formulado nos seguintes termos:

«Dr. A. e Dr. B., Recorrentes nos autos, notificados do Acórdão de 19 de janeiro de 2022, por não se poderem conformar com a Decisão, nele contida, negando provimento ao Recurso pelos mesmos interposto para este Tribunal, vêm, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 71.°, n.º 1, 72.°, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 75.º, n.º 1 e 75.º-A, n.ºs 1 e 2, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), interpor

Recurso para o Tribunal Constitucional

Para serem apreciadas as seguintes questões de inconstitucionalidade:

1. A questão da inconstitucionalidade do regime de arguição de nulidades em processo penal, regulado nomeadamente nos artigos 118.° a 123.° do Código de Processo Penal (CPP), quando interpretado no sentido seguido pelo Tribunal a quo de excluir dessa sanção os casos em que actos processuais do Ministério Público e dos Juízes violam normas que concedam aos sujeitos e demais intervenientes processuais, maxime aos arguidos, prazos ou que determinem a suspensão de prazos para a prática de actos processuais, por violação dos direitos de acesso ao Direito e aos Tribunais e a um processo justo e equitativo e das garantias de defesa, incluindo a de recurso e de contraditório, consagrados nos artigos 20.°, n.°s 1 e 4 e 32.°, n.°s 1, 2 e 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

2. A questão da inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.° 5 do artigo 6.°- B da Lei n.° 1-A/2020, por violação dos direitos fundamentais de acesso ao Direito e aos Tribunais e a um processo justo e equitativo, direitos garantidos a todos os intervenientes processuais pelo artigo 20.°, n.°s 1 e 4 da CRP, e pelas garantias de defesa e pelo princípio do contraditório, consagrados especialmente para os arguidos em processo criminal no artigo 32.°, n.°s 1 e 5 da CRP, quando interpretada no sentido seguido pelo Tribunal a quo de que a possibilidade de "tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes", aludida na alínea a) do n.° 5 do referido artigo 6.°-B, significaria que os "prazos (respetivos) para a prática de actos processuais" pelas partes, sujeitos ou intervenientes processuais nos Tribunais Superiores (também) não estariam suspensos, implicaria que aquelas normas legais fossem interpretadas no sentido de não exigirem, para tanto - para que a tramitação de tais processos e os prazos respectivos se não mostrasse suspensa -, que as partes, sujeitos ou intervenientes processuais, e desde logo os Recorrentes, fossem previamente ouvidos, entre a data da entrada em vigor da Lei n.° 4- B/2021 (que introduziu tal redação) e antes do reinício ou, pelo menos, do prosseguimento, da tramitação integral de cada concreto processo e dos prazos respectivos, desse entendimento, intenção ou decisão do Tribunal, e com o direito de se pronunciar no sentido da aceitação ou não aceitação fundamentada do prosseguimento ou reinício da tramitação dos concretos processos em causa e dos prazos respectivos.

3. A questão da inconstitucionalidade dos artigos 119.°, alínea c) e 355.° e 356.°, n.° 9 do CPP na interpretação normativa seguida pelo Tribunal a quo, de que para o efeito de formação da sua convicção quanto à deliberação e decisão da matéria de facto o Tribunal pode considerar e valorar provas que não tenham sido produzidas, examinadas, lidas, visualizadas ou ouvidas em Audiência de Julgamento e sem que fique a constar da Ata ou Atas (da sessão ou das sessões dessa Audiência) a permissão dessa leitura e a sua justificação legal - por violação do direito a um processo equitativo, do princípio da legalidade e das garantias de defesa do processo criminal, consagradas nos artigos 20.°, n.° 4, 29.°, 32.°, n.°s 1 e 5 e 203.° da CRP.

4. A questão da inconstitucionalidade das normas do n.° 2 do artigo 374.° e da alínea a) do n.° 1 do artigo 379.° do CPP em interpretação normativa, como a seguida pelo Tribunal a quo, que dispense o rigor de fundamentação, e que não preveja o vício de nulidade para os casos em que a motivação da convicção do Tribunal na decisão da matéria de facto não esclareça totalmente e especificamente quais os concretos factos que através de cada um dos concretos meios de prova valorados foram julgados provados, por violação do direito ao processo equitativo e das garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso efetivo e ao contraditório - direitos e garantias consagradas nos artigos 20.°, n.° 4 e 32.°, n.°s 1 e 5 da CRP.

5. A questão da inconstitucionalidade do artigo 187.°, n.°s 1 e 2 do CPP na interpretação normativa seguida pelo Tribunal a quo, que permita o enquadramento do crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário para benefício de pessoa que tiver cometido facto integrador de crime de condução perigosa de veículo rodoviário ou de outro crime punível com pena de prisão não superior a 3 anos e que não seja subsumível em qualquer das demais alíneas dos citados n.°s 1 e 2 do artigo 187.°, por violação do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.°, n.° 2 da CRP.

6. A questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos 125.°, 126.°, 127.°, 340.°, 341.°, 344.° e 345.°, n.° 4 do CPP, normas que embora não expressamente citadas, foram tacitamente aplicadas no acórdão recorrido, na interpretação normativa seguida no acórdão de que as mesmas permitem ao Tribunal valorar de acordo com a sua livre convicção, as declarações de um arguido sobre determinados factos contra outros arguidos que se tenham remetido ao silêncio, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.°, n.° 1 da CRP.

7. A questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos 125.°, 126.°, 127.°, 340.°, 341.°, 344.° e 345.°, n.° 4 do CPP, que embora não expressamente citadas, foram tacitamente aplicadas no acórdão recorrido, na interpretação normativa seguida no acórdão de que as mesmas permitem ao Tribunal valorar de acordo com a sua livre convicção, contra arguido ou arguidos que tenha(m) desmentido ou negado os factos em causa, as declarações de outro ou outros coarguido ou coarguidos que confirme(m) tais factos, não obstante ou mesmo nos casos em que se verifique uma contradição ou uma oposição entre as declarações de um e de outro, ou de uns e de outros, relativamente a factos que, na perspetiva da aplicação da lei criminal, se apresentem como desfavoráveis a um ou alguns deles, ou também a um ou a alguns dele - não apenas por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare - ínsito no artigo 32.°, n.° 1 da CRP mas por violação, ainda, do direito fundamental à presunção de inocência de cada um dos arguidos relativamente aos factos que, na perspetiva da aplicação da lei criminal, se lhes apresentem como desfavoráveis, e do princípio in dúbio pro reo, que emana e é inerente a esse direito - direito fundamental e principio consagrados no n.° 2 desse mesmo artigo 32.° da CRP.

8. A questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos 125.°, 126.°, 127.°, 340.°, 341.°, 344.° e 345.°, n.° 4 do CPP na interpretação normativa que não impusesse ao Tribunal respeitar o direito de cada um dos arguidos à sua inocência relativamente aos factos desfavoráveis de que se mostrem acusados ou pronunciados e a cumprir o princípio in dúbio pro reo na ponderação dos depoimentos deles, que tais factos desmentem ou negam, com os depoimentos do seu coarguido (ou dos seus coarguidos), que tais fatos confirme(m).

9. A questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 125.° do CPP na interpretação irrestrita tacitamente acolhida no acórdão recorrido, de que as presunções de prova previstas nos artigos 349.° e 350.° do Código Civil são provas e são provas admissíveis em processo penal, por violação do princípio de presunção de inocência, consagrado no artigo 32.°, n.° 2 da CRP.

10. A questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 127.° do CPP na interpretação, acolhida no acórdão recorrido, de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso às presunções de prova previstas nos artigos 349.° e 350.° do Código Civil e, ou, à sabedoria e experiência do homem médio, por violação da presunção de inocência, consagrada no artigo 32.°, n.° 2 da CRP e também por violação do dever de fundamentar, consagrado no artigo 205.°, n.° 1 da Lei Fundamental».

4. Por despacho do relator, datado de 5 de abril de 2022,...

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