Acórdão nº 275/23 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Carvalho
Data da Resolução19 de Maio de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 275/2023

Processo n.º 255/2023

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Carlos Medeiros de Carvalho

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é reclamante A. e reclamados o MINISTÉRIO Público e B., a primeira reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho do relator daquele Tribunal, de 15 de fevereiro de 2023, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. A ora reclamante, na qualidade de arguida em processo crime, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão de 1.ª instância que a condenou pela prática de crimes de ofensa à integridade física qualificada nas penas de 180 dias multa à taxa diária de € 5 e de oito meses de prisão, substituída por 240 dias multa à taxa diária de € 5, bem como no pagamento da indemnização peticionada em pedido cível.

Por acórdão de 28 de junho de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso.

A ora reclamante arguiu a nulidade desse acórdão através de requerimento, posteriormente convolado em reclamação, que foi indeferido por acórdão de 22 de novembro de 2022.

3. A ora reclamante interpôs recurso de constitucionalidade deste acórdão, através de um extenso requerimento em que, no essencial, se mostra inconformada com as decisões adotadas pelas instâncias. Convidada, nos termos do artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, designadamente identificando o seu objeto, respondeu o seguinte:

«A Recorrente alegou várias vezes ao longo do processo, incluindo no recurso para o STJ, convolado em arguição de nulidades, mas também no requerimento de recurso de Constitucionalidade, entre o mais que:

"A condenação da Arguira/Recorrente, com os erros e contradições constantes da sentença, que o Tribunal da Relação manteve, só se pode interpretar no âmbito da falta de isenção e imparcialidade do Tribunal a quo, o que viola grosseiramente o previsto, para além de outros, nos Artigos 13° e 32° da Constituição da República Portuguesa; o que aqui se alega para todos os efeitos nomeadamente para os previstos nos Artigos 16° e 18° da CRP e para os previstos nos Artigos 17°, 18°, 20°, n° 4 e 32° da CRP e artigos 70° n° 1, alíneas b) e f) e 72°, n° 2 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro; indicou, como igualmente consta entre o mais da transcrição supra, a norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado;

E alegou-o no recurso para o STJ, convolado em arguição de nulidade, bem como no requerimento do recurso de Constitucionalidade;

Preenchendo assim os requisitos dos n.°s 1 e 2 do Artigo 75°-A da Lei 28/82 de 15 de novembro […].»

4. Por decisão de 15 de fevereiro de 2023, o relator no Tribunal da Relação de Lisboa não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional. Pode ler-se no despacho em apreço:

«O artigo 75.º-A, da Lei do Tribunal Constitucional, prevê, no seu n.º 1, dois requisitos que deverão ser preenchidos pelo requerimento de interposição de recurso para o TC: o primeiro requisito reporta-se à identificação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é interposto; o segundo refere-se à identificação e delimitação do objeto normativo do recurso de constitucionalidade.

Tratando-se de recurso interposto ao abrigo das alínea b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como se invoca no presente caso, são pressupostos específicos deste tipo de recurso, de verificação cumulativa: (i) a suscitação pelo recorrente da questão de inconstitucionalidade "durante o processo" e "de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer" (n.º 2 do artigo 72.º da LTC); (ii) a efetiva aplicação, como ratio decidendi, da norma ou interpretação normativa em causa; e (iii) o esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam, devendo o requerimento de interposição satisfazer as exigências do artigo 75.º-A, n.º 2, do referido diploma.

Na sequência de convite ao aperfeiçoamento, a recorrente A. veio apresentar novo requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.

Identifica a questão de constitucionalidade do seguinte modo:

«A condenação da Arguida/Recorrente, com os erros e contradições constantes da sentença, que o Tribunal da Relação manteve, só se pode interpretar no âmbito da falta de isenção e imparcialidade do Tribunal a quo, o que viola grosseiramente o previsto, para além de outros, nos Artigos 13.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa; o que aqui se alega para todos os efeitos nomeadamente para os previstos nos Artigos 16.º e 18.º da CRP e para os previstos nos Artigos 17.º, 18.º, 20.º, n.º 4 e 32.º da CRP e artigos 70.º n.º 1, alíneas b) e f) e 72.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro;

Para além de que tal situação viola igualmente os Artigos 7.º, 10.º e 10. n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, à qual Portugal aderiu.»

No âmbito da chamada fiscalização concreta de constitucionalidade, o objeto do litígio do processo-base fica fora do âmbito do recurso, pois as competências do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta respeitam apenas a um juízo sobre norma aplicada ou sobre uma sua certa interpretação - devendo, além disso, a norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade é invocada ter sido aplicada na decisão objeto de recurso, constituindo um efetivo ratio decidendi da mesma.

Quer isto dizer que tem de estar em causa uma questão de inconstitucionalidade normativa, referindo Lopes do Rego que "A suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade implica – no plano formal – o cumprimento pelo interessado de um ónus de clara, precisa e expressa delimitação e especificação do objeto do recurso, envolvendo ainda uma fundamentação, em termos minimamente conclusivos, com indicação das razões porque se considera ser inconstitucional a "norma" que pretende submeter a apreciação do tribunal" (Os Recursos de Fiscalizado Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, Almedina, 2010, p. 97-98).

Realmente, a pronúncia do Tribunal Constitucional incide sobre "normas" e, embora a fiscalização concreta possa respeitar a interpretação ou sentido extraído pelo tribunal da causa de uma dada norma ou, até, de um "bloco legal" constituído por vários preceitos ou normas textuais, incumbe sempre ao recorrente indicar esse sentido normativo, enunciando o seu conteúdo e identificando os referentes textuais de que é extraído, de tal modo que o Tribunal Constitucional, se o recurso vier a ser provido, possa enunciá-lo na sua decisão em ordem a permitir ao tribunal a quo proceder a reforma da decisão recorrida em conformidade (cfr., entre muitos, o Acórdão N.º131/2022).

No caso em apreço, temos como manifesto que a recorrente não suscitou nos autos qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, nem a enuncia no requerimento em apreço, não se vislumbrando no objeto do recurso, tal como fixado pela...

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