Acórdão nº 1938/22.0T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Fevereiro de 2023

Data08 Fevereiro 2023
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO Por decisão do Inspector-Geral da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica [doravante, ASAE], de 7 de Fevereiro de 2022, a arguida Y..., Lda., com os demais sinais nos autos, foi condenada pela prática, de uma contra-ordenação p. e p. pelos arts. 122º e 124º do Regime Jurídico de Acesso e Exercício de Actividades de Comércio, Serviços e Restauração, aprovado pelo Dec. Lei nº 10/2015, de 16 de Janeiro [doravante, RJACSR], Capítulo I, nºs 1, a), 2, 4 e 10, Capítulo II, nº 2, a) e b), Capítulo V, nº 1, a) e b) e Capítulo VI, nº2 do Anexo II do Regulamento (CE) nº 852/2004, do parlamento Europeu e do Conselho , de 29º de Abril e art. 18º do Regime Jurídico das Contra-Ordenações Económicas, aprovado pelo Dec. Lei nº 9/2021, de 29 de Janeiro, na coima de € 4200, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. arts. 4º, nºs 2 e 7 do RJACSR 18º, a) do Regime Jurídico das Contra-Ordenações Económicas, na coima de € 750 e, em cúmulo, na coima única de € 4600.

Inconformada com a decisão, a arguida interpôs recurso de impugnação judicial pugnando, além do mais, pela nulidade da decisão administrativa, i) por não se terem os agentes fiscalizadores acompanhado de intérprete idóneo, uma vez que a sua trabalhadora … não fala nem compreende a língua portuguesa de forma correcta e por isso, não pôde tomar conhecimento do que estava a acontecer, ii) por as comunicações que lhe foram remetidas [à recorrente], incluindo a decisão administrativa, não terem sido traduzidas para uma língua que pudesse compreender, iii) por os factos imputados … não conterem referência ao elemento subjectivo da infracção, iv) por a decisão recorrida se limitar a referir um conjunto de generalidades para, a final, concluir pela existência de uma conduta dolosa e, v) por não se mostrar apurada a sua [da recorrente] situação económica nem o benefício económico alcançado com a prática da infracção, argumentando, também, que a sua conduta nunca seria punível, uma vez que tinha contratado, em regime de prestação de serviços, a empresa Retokil Initial Portugal, Lda., para cumprir todas as regras de higienização, e administra formação aos seus trabalhadores, pelo que, nunca se conformou com a prática das contra-ordenações, acrescendo que as situações em causa ocorreram na ausência da sua [da recorrente] legal representante, e com desrespeito das suas instruções, e afirmando ainda que a coima aplicada é excessiva, considerando a conduta anterior e posterior, pois regularizou de imediato todas as situações, devendo, por isso, ter sido aplicada uma admoestação.

Por despacho de 23 de Maio de 2022 … foi o recurso de impugnação judicial julgado improcedente e, em consequência, confirmada a decisão administrativa.

* Inconformada com a decisão, recorreu a arguida para esta Relação, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: … 2. A recorrente, ainda na fase administrativa, invocou a nulidade dos autos, quer por falta de nomeação de intérprete na ação de fiscalização promovida pela ASAE, quer na tradução das notificações a si remetidas.

  1. De igual forma, fê-lo no recurso de impugnação judicial por si interposto.

  2. A decisão recorrida não contem elementos que permitam concluir pelo preenchimento do elemento subjetivo da prática da contraordenação.

  3. Assim, ao decidir da forma que decidiu, violou o tribunal “a quo” o previsto no artigo 58.º do RGCO.

  4. De igual forma, ao não aplicar a sanção de admoestação, violou o tribunal “a quo” o previsto no artigo 51.º-A do RGCO.

  5. Acresce que o tribunal a “quo” dispunha de elementos que lhe permitiam a aplicação de uma atenuação especial da coima, nos termos do disposto no artigo 18.º n.º 3 do RGCO.

  6. O tribunal “a quo”, não dispõe de elementos que lhe permitam concluir que os fatos dados como provados, ocorreram com o conhecimento da recorrente.

  7. Sendo que, contrariamente ao que o tribunal “a quo” refere, não é irrelevante quem procedeu às ações ou às omissões consubstanciadoras da prática das infracções imputadas à recorrente.

  8. Assim, tendo os fatos ocorrido contra vontade de quem legalmente representa a recorrente, jamais a mesma poderia ser responsabilizada, 11.º n.º 6 do Código Penal.

  9. Ao decidir, como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 92.º n.ºs 2 e 6 e artigo art.º 120.º n.º 2 al. c) do CPP, 7.º n.º 2 e 18.º e 58.º do RGCO.

    … * O recurso foi admitido.

    * Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, alegando, em síntese, que a violação do art. 92º, nº 2 do C. processo Penal por falta de nomeação de intérprete, constitui uma nulidade sanável, a arguir em cinco dias, o que não aconteceu, que a matéria de facto provada contém os elementos objectivos e subjectivos do tipo das contra-ordenações imputadas … que não foi violado o art. 51º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, porque nenhum elemento de facto ou de direito permite sustentar que as contra-ordenações praticadas tinham gravidade reduzida, que nenhum fundamento existe para a pretendida atenuação especial da coima, e que o art. 7º, nº 2 do RGCOC deve ser interpretado extensivamente, no sentido de aí incluir os trabalhadores da pessoa colectiva, desde que actuando no exercício das suas funções, e concluiu pela improcedência do recurso.

    * Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a argumentação da resposta do Ministério Público … … II. FUNDAMENTAÇÃO … tendo em consideração a limitação dos poderes de cognição do tribunal de recurso no âmbito do direito de mera ordenação social, imposta pelo art. 75º, nº 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas [doravante, RGCOC], atentas as conclusões formuladas pela recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - A nulidade da fase administrativa do procedimento, por falta de nomeação de intérprete na acção de fiscalização e por falta de tradução das notificações feitas; - A atipicidade das condutas por falta do respectivo elemento subjectivo; - A falta de conhecimento da recorrente dos factos provados, a prática destes contra a sua vontade e a sua desresponsabilização; - O sancionamento das contra-ordenações imputadas com admoestação; - A atenuação especial da coima.

    * Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta do despacho recorrido.

    Assim: A) Nele foram decididas as seguintes nulidades e questão prévia: «(…).

    É invocada pela recorrente a nulidade decorrente da falta de nomeação de intérprete durante o acto inspectivo da ASAE, e posterior nulidade por falta de tradução da decisão administrativa e documentos anexos na notificação à legal representante da recorrente, cidadã de nacionalidade ... e não compreende nem fala a língua portuguesa.

    Esta argumentação não tem fundamento.

    Ora, o artigo 92º do Código de Processo Penal impõe o uso obrigatório da língua portuguesa nos actos processuais, tanto escritos como orais, sob pena de nulidade, decorrendo do nº 2 do mesmo preceito que todo o interveniente no processo que não dominar a língua portuguesa tem o direito à assistência de um intérprete ou tradutor de todos os actos processuais que ele necessitar compreender para beneficiar de um processo equitativo.

    Ora, à luz deste preceito a notificação da decisão proferida contra a arguida não carece de tradução escrita, por não estarem em causa as suas garantias de defesa, nem a lei taxa tal situação como nulidade.

    Acontece que no caso dos autos, foi remetida notificação em língua portuguesa, o que, tratando-se de uma sociedade que se encontra a laborar em Portugal, mais propriamente, um restaurante, que diariamente contacta com a língua portuguesa, se impõe o domínio desta língua.

    Mas mesmo que tal não se considere, ter-se-á de chamar à colação o princípio da lealdade processual, que levaria a que a recorrente logo que detectada a falta de nomeação de intérprete ou tradução a viesse invocar, e não agora, em sede de recurso, tanto mais que qualquer nulidade não arguida tempestivamente sempre estaria sanada, conforme decorre do regime previsto no artigo 120º, nº 2, al. c) e nº 3, als. a) e c) do Código de Processo Penal … A arguição desta nulidade por falta de nomeação de intérprete ocorrida na fase administrativa, como seria o caso, tinha de ser feita até cinco dias após a notificação do despacho final proferido em sede administrativa, o que não foi feito.

    Acresce que a recorrente apresentou defesa no processo, e como tal, bem entendeu todo o processo.

    Pelo exposto, improcede a nulidade invocada.

    … III - Questão Prévia O artigo 7º, nº 2 do RGCO dispõe que “as pessoas colectivas ou equiparadas são responsáveis pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções”.

    Desta forma, conclui-se que “o ente colectivo só possa ser responsabilizado por actos contraordenacionalmente puníveis praticados pelas pessoas físicas que por ela actuam, pelo que a responsabilidade do ente colectivo está dependente (sempre) da responsabilidade contraordenacional de uma ou mais pessoas físicas” (Oliveira Mendes e Santos Cabral, in Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Almedina, pág. 36).

    Ora, um restaurante está sempre dependente de pessoas físicas que no mesmo trabalham, que responsabilizam o ente colectivo – neste caso concreto estes factos só são possíveis com o consentimento da ora recorrente, pois recai sobre a recorrente a responsabilidade destes ilícitos contraordenacionais, sendo indiferente quem procedeu às ações e/ou omissões.

    Como tal, improcede esta arguição.

    (…)”.

    B) Dele constam os seguintes factos provados: “(…).

  10. No dia 3 de Junho de 2019, pelas 15h20m, no estabelecimento comercial denominado “R..., Lda.”, sito na Rua ..., ..., em ..., explorado pela recorrente, foi verificado que no local eram prestados serviços de restauração e bebidas.

  11. Na zona da cozinha existiam as seguintes situações, no que concerne a requisitos gerais de higiene: - a zona da...

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