Acórdão nº 3041/20.8T9AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 3041/20.3T9AVR.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – AA veio interpor recurso da douta sentença do Juiz 2 do Juízo de Competência Genérica de Albergaria-a-Velha do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que o condenou, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 3, 15.º e 105.º, n.ºs 1,2,4 e 7 do Regime Geral das Infrações Tributárias e 10.º, 26.º e 30.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por cinco anos, sob condição de pagar, nesse prazo de cinco anos, a totalidade das quantias tributárias em dívida e acréscimos legais, devendo pagar a quantia anual mínima de mil euros, sem prejuízo do pagamento do remanescente da totalidade da dívida até ao final do quinto ano; que o condenou, solidariamente com “V...” no pagamento ao Instituto da Segurança Social, I.P. da indemnização de 72.401, 79 €, acrescida de juros legais; e que declarou a perda a favor do Estado, como vantagem obtida com a prática do crime dessa quantia de 72.401, 79 €, com a consequente sua condenação no pagamento da mesma, também solidariamente com “V...” Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões: «1-Foi o arguido condenado pela prática, em autoria material, do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, numa pena de dois anos de prisão; cuja execução foi suspensa pelo período de cinco anos, subordinando essa suspensão ao pagamento, no prazo de cinco anos subsequentes ao trânsito em julgado, das prestações tributárias em dívida, devendo o arguido proceder, até ao final de cada ano, por conta da condição aplicada, de uma quantia mínima de mil euros, sem prejuízo do remanescente da totalidade da quantia em dívida, que terá de ser paga até ao término do quinto ano.

2- A Mma. Juíza ajuizou incorretamente a matéria provada sob os pontos 14- e 33- dos factos provados, pois os documentos constantes de fls. 94 a 97, 214, 215, 259 e 265 não sustentam os factos provados 14- e 33- pelo que, nos termos do disposto no artigo 412.º, 3 b) do Código de Processo Penal, as mesmas determinam que se elimine do facto provado 14- o seguinte trecho “(…) O arguido, por si e em representação da sociedade arguida (…) não foram notificados para procederem à entrega da quantia de €72.401,80 à Segurança Social nos 30 dias após terem sido notificados, arguidos e sociedade arguida, nos termos do artigo 105.º, 4 b) do RGIT, para proceder ao pagamento desse valor, acrescidos dos respetivos juros de mora, nem até à presente data”, que deve passar a constar do elenco de factos não provados, pelo que deve o arguido ser absolvido do crime pelo qual vem acusado.

3- Lida a motivação da matéria de facto, podemos concluir que o Tribunal presume a notificação do arguido, nos termos constantes da acusação pública. Porém, a notificação prevista no artigo 105.º, 4 b) do RGIT (e o não pagamento subsequente, nos trinta dias posteriores) deve estar verificada antes da acusação. Não o estando, devia a Mma. Juíza ter rejeitado a acusação, nos termos do disposto no artigo 311.º, 2 alínea a) do Código de Processo Penal, por ser manifestamente infundada, o que não sucedeu.

4- Após o julgamento, o Tribunal presume que a notificação foi efetuada, pelo que nem sequer se pode afirmar, sem margem para dúvidas, que a mesma foi efetivamente realizada.

5- Este é o entendimento da jurisprudência dos Tribunais Superiores que, a título meramente exemplificativo, se destacam: acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 10.12.2007 (relator Sénio Alves), bem como de 04.04.2016 (relator Ana Barata Brito) e de 10.12.2013 (relator Sénio Alves), todos disponíveis em https://www.dgsi.pt 6- Pelos motivos vertidos na motivação, a assinatura que o arguido reconheceu como sendo sua (fls. 259)-facto 33- da matéria provada- é inócua.

7- Ao decidir nos termos vertidos na sentença recorrida, a Mma. Juíza incorreu na violação do princípio da presunção de inocência do recorrente, que decorre do artigo 32.º, 2 da Constituição da República Portuguesa, que vale em relação à prova da questão de facto, sendo que relativamente ao facto sujeito a julgamento, o princípio aplica-se sem qualquer limitação e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas da exclusão da ilicitude e da culpa, às condições objetivas de punibilidade, bem como a todas as circunstâncias modificativas atenuantes e, em geral, a todas as circunstâncias relevantes em matéria de determinação da medida concreta da pena, que tenham por efeito a não aplicação da pena ao arguido ou a diminuição da pena concreta.

8- Não se nos afigura adequado falar-se em “presunção” de notificação ao arguido, pois tal constitui, ressalvado sempre o devido respeito, uma aplicação ilegítima do princípio da presunção de inocência, decorrente do artigo 32.º, 2 da Lei Fundamental, assim como uma violação do princípio da legalidade de toda a repressão penal, que contempla o princípio do in dubio pro reo quanto à verificação de um pressuposto processual.

9- Os factos imputados ao arguido nos dois processos -vide facto 34- da matéria provada- integram a continuidade da uma mesma atividade criminosa, constituindo um só crime, continuado, de abuso de confiança contra a segurança social sujeito à disciplina decorrente do artigo 79º, nº 2, do Código Penal.

10- Tal disposição legal, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 59/2007, de 04/09, veio consagrar o entendimento jurisprudencial segundo o qual, em respeito pelos princípios ne bis in idem e do caso julgado, o conhecimento de condutas que integram a continuação, posteriormente ao trânsito em julgado da decisão condenatória, só terá lugar quando tal conduta assuma maior gravidade, situação em que a pena que for aplicável a essa conduta, por ser mais grave, substitui a pena anteriormente fixada.

11- Desta disposição resulta também “a contrario” e por maioria de razão, que se as condutas posteriormente conhecidas não assumirem maior gravidade, a sua punição considera-se incluída (consumida) pela condenação anterior.

12- Viola assim o mencionado princípio a condenação sofrida na sentença recorrida, na medida em que tal solução implica duas condenações pela prática de um só crime, continuado.

13- Deve a decisão impugnada ser revogada e/ou alterada, determinando-se que o crime pelo qual o arguido foi agora condenado integra a continuação do crime pelo qual foi julgado e condenado anteriormente, e que a pena em que incorreu mostra-se, ao abrigo do artigo 79º, nº 2, do Código Penal, consumida pela condenação anterior.

14- A decisão recorrida violou e/ou fez incorreta interpretação das normas constantes do artigo 30º, 78º e 79º, do Código Penal e 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa.

15- A sociedade luta com muitas dificuldades económicas (conforme resultou provado) e, não obstante esse facto, os trabalhadores receberam o seu salário, e, assim, o dinheiro que havia não foi utilizado em benefício próprio, mas em benefício dos trabalhadores e suas famílias, ou seja, em benefício do próprio Estado (pois, para além do mais, não teve nem tem de pagar aos trabalhadores os subsídios de desemprego).

16- Ao recorrente não era exigível qualquer outro comportamento, atento todo o circunstancialismo que rodeou a sua atuação, devendo, pois, considerar-se afastada a ilicitude, não sendo, nos termos do artigo 31º, n.º 1, do Código Penal, o facto considerado criminalmente punível.

17- Não era exigível à arguida outro comportamento, sendo esta não exigibilidade uma causa de exclusão da ilicitude, e esta pode ser afastada pela prossecução de interesses legítimos e comportamentos dirigidos a fins lícitos.

18- A sentença é contrária à deliberação proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, proc. n.º 2118/00, de 12 de Outubro de 2.000, de 3ª Secção, onde se entendeu que uma conduta similar à dos autos não é passível de censura criminal.

19- Caso assim não seja entendido, o conflito de deveres previsto no artigo 36º de C. Penal, sempre se verifica no presente caso o estado de necessidade desculpante, previsto pelo artigo 35º de C. Penal.

20- É materialmente inconstitucional o artigo 14.º, 1 do Regime Geral de Infrações Tributárias, por ofensa do prescrito naquele Protocolo, e violação do n.º 2 do artigo 8º da Lei Fundamental, bem como igualmente inconstitucionais por violação dos artigos 16º, 18º, 20º, n.º 1, e 27º, n.ºs 1 e 2, de Constituição da República Portuguesa.

21- Tal norma vigora na ordem jurídica portuguesa (cfr. o n.º 2 do artigo 8º de Constituição da República Portuguesa) e não se encontra inquinada ou confrontada, sequer, com outros princípios constitucionais da Constituição da República Portuguesa.

22- Terão, pois, de considerar-se materialmente inconstitucionais as aludidas normas, por ofensa do prescrito naquele Protocolo e violação do n.º 2 do citado artigo 8º de Constituição da República Portuguesa.

23- Assim como igualmente inconstitucionais por violação dos artigos. 16º, 18º, 20º, n.º 1, e 27º, n.ºs 1 e 2, de Constituição da República Portuguesa.

24- Caso assim não seja entendido, sempre será materialmente inconstitucional por violação dos mesmos princípios e normativos supra referidos a condição imposta à ora recorrente na decisão de pagar em 5 (cinco) anos a quantia aí referida, e respetivos acréscimos legais.

25- A aplicação do vertido constante da sentença é, no presente caso, violadora do disposto no artigo 50º do Código Penal e no artigo 14º, n.º 1, de Regime Geral de Infrações Tributárias que, se assim não for considerada, e a serem interpretados e considerados pela mesma forma por que o foi pelo tribunal a quo, é essa interpretação violadora dos princípios e normas constitucionais já supra referidos, pelo que terão esses normativos de ser considerados inconstitucionais.

26- Pelo exposto, e designadamente por se entender que...

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