Acórdão nº 00562/18.5BECBR-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução30 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: Força Aérea Portuguesa interpõe recurso da sentença do TAF de Coimbra, que julgou procedente acção administrativa intentada por AA (Rua ..., ..., ... Coimbr

  1. A recorrente conclui: A) O presente recurso jurisdicional vem interposto do Saneador-Sentença de 06.10.2020 – que decidiu anular o ato do BB de 14/09/2018 e condenar a Força Aérea à prática dos atos necessários à apresentação do então TEN Graduado/CC 137708-G AA no Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária – com fundamento em errónea interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 51.º do CPTA, do n.º 1 do artigo 146.º e do artigo 148.º do EMFAR e do n.º 2 do artigo 126.º da ... (Decreto-Lei n.º 275-A/2000).

  1. A Força Aérea dá por reproduzida a matéria de facto constante da Decisão recorrida.

  2. Em face do sentido real e efetivo do ofício referência n.º 0...25, de 14.09.2018, do Chefe do Gabinete interino do BB, que decorre do contexto formal e material que o enforma, tal comunicação não tem qualquer caráter decisório e, nos termos do n.º 1 do artigo 51.º do CPTA, não constitui um ato impugnável – neste sentido vejam-se os Acórdãos do TCAN de 04.11.2016 e do TCAS de 30.04.2020.

  3. Na verdade, o ofício referência n.º 0...25, de 14.09.2018, do Chefe do Gabinete interino do BB, consubstancia uma pronúncia administrativa que integra uma declaração de ciência sobre a situação do militar na Força Aérea e um juízo de valor sobre as competências da ....

  4. Caso não se entenda que o ato anulado é um ato inimpugnável, sempre se dirá que a Sentença recorrida padece de errónea interpretação e aplicação dos artigos 146.º, n.º 1 e 148.º do EMFAR e do artigo 126.º, n.º 2 da ....

  5. Decorre expressamente do disposto no n.º 2 do artigo 2.º da LTFP que o regime jurídico-funcional dos militares das Forças Armadas consta de lei especial e não lhes são aplicáveis, para o que aqui interessa, o artigo 9.º (Comissão de serviço), nem os artigos 92.º a 100.º (Mobilidade), nem ainda os artigos 241.º a 244.º (Cedência de interesse público), todos da mesma LTFP.

  6. Da mesma forma e também por efeito do expressamente disposto no mesmo n.º 2 do artigo 2.º da LTFP, o regime jurídico-funcional da Polícia Judiciária consta de lei especial, que, à data dos factos, eram a Lei n.º 37/2008 e o Decreto-Lei n.º 275-A/2000 (...), com as alterações subsequentes.

  7. Do que se trata, pois, é da aplicação de dois estatutos jurídicos especiais, que abrangem diferentes categorias de pessoas, são de diferente natureza, cujo regime é determinado em conformidade com as finalidades institucionais respetivas – no concreto caso em apreço são, por um lado, a defesa nacional e, por outro, a prevenção da criminalidade, da investigação criminal e da coadjuvação das autoridades judiciárias – e apenas valem na medida do que seja necessário para assegurar a realização de tais finalidades.

  8. O estatuto jurídico especial dos militares das Forças Armadas é definido pela Constituição, pela Lei da Defesa Nacional, pela Lei do Serviço Militar, pelas Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar, pela Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas, pelo Estatuto dos Militares das Forças Armadas e pelo Regulamento da Disciplina Militar, uma vez que a «condição militar está associada a um referencial de valores e tem a ver com o exercício de direitos fundamentais, com deveres especiais dos militares na efetividade de serviço, com direitos especiais e, ainda, com o desenvolvimento das carreiras militares.» (DD, A condição militar e a sua tutela jurídica, Direito Militar – função militar e justiça militar, Academia Militar, Almedina 2019, pág. 53 e seg).

  9. Tendo presente o estatuto jurídico especial dos militares das Forças Armadas, tem sido entendimento reiterado do Tribunal Constitucional que, sem embargo de a Administração Pública abranger a administração militar e de o pessoal militar que nesta se integra não deixar de pertencer à Administração Pública, o legislador moldou para os militares um quadro normativo de algum modo fechado, ajustado à especificidade da condição militar, porque a instituição militar é uma «instituição onde a hierarquia e a disciplina assumem, em nome do superior interesse da eficácia e da eficiência da defesa nacional e das Forças Armadas, uma importância sem paralelo na generalidade dos domínios da Administração Pública» (vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 555/99, 662/99, 229/2012 e 404/2012).

  10. Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do EMFAR «os pedidos de militares para desempenho de cargos e exercício de funções fora da estrutura orgânica das Forças Armadas são decididos pelo membro do Governo responsável pela área da defesa nacional, sob proposta do CEM do respetivo ramo.» L) O n.º 1 do artigo 146.º do EMFAR é, inequivocamente, uma norma especial, própria dos militares das Forças Armadas que, como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 90/2015 – que aprovou o EMFAR – visa dar «primazia ao desempenho de cargos e exercício de funções na estrutura das Forças Armadas, incluindo restrições nas situações em que a colocação do militar noutro organismo causa perturbação na gestão das carreiras» (antepenúltimo parágrafo do preâmbulo).

  11. Diversamente, o n.º 2 do artigo 126.º da ... operou a reprodução material da regra geral do n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 427/89, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 218/98, tendo mesmo a Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas da Polícia Judiciária – pelo procedimento que adotou – considerado aplicável o n.º 4 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 427/89, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 218/98, que estatuía que a comissão de serviço extraordinária para a realização do estágio não carecia de autorização do serviço de origem do nomeado! N) Relativamente à regra geral materialmente reproduzida no n.º 2 do artigo 126.º da ..., o n.º 1 do artigo 146.º do EMFAR – aprovado, aliás, por decreto-lei posterior à ... – constitui inequivocamente uma norma especial.

  12. A distinção substantiva que se encontra no n.º 1 do artigo 146.º do EMFAR, e que exige a autorização do Ministro da Defesa Nacional para o exercício de funções fora da estrutura orgânica das Forças Armadas, é um corolário do estatuto especial dos militares das Forças Armadas que encontra o seu fundamento no princípio da unidade das Forças Armadas refletido no n.º 2 do artigo 275.º da CRP, nas vertentes da coesão, eficácia e disciplina.

  13. É o princípio da unidade das Forças Armadas, que decorre do n.º 2 do artigo 275.º da CRP, que fundamenta a unicidade do estatuto jurídico especial dos militares das Forças Armadas – no qual se inclui o EMFAR –, na dupla vertente de complexo de normas que são apenas aplicáveis aos militares das Forças Armadas e de serem apenas estas as normas que determinam e conformam o respetivo regime jurídico-funcional (vejam-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 229/2012 e 404/2012).

  14. E, por consequência, o exercício de funções fora da estrutura orgânica das Forças Armadas está em primeira linha ordenado ao cumprimento do EMFAR, sobrepondo-se a especialidade do n.º 1 do seu artigo 146.º à regra geral materialmente reproduzida no n.º 2 do artigo 126.º da ....

  15. Contrariamente ao entendido pela Decisão em crise, o artigo 148.º do EMFAR não permite a aplicação do n.º 2 do artigo 126.º da ..., desde logo porque esta não é legislação especial ou própria, mas reprodução material da norma geral em vigor à data na Administração Pública para todas as situações similares, ou seja, neste contexto e de acordo com o seu âmbito, o n.º 2 do artigo 126.º da ... é uma norma geral.

  16. Acresce que o artigo 148.º do EMFAR não é uma norma de conflitos e o seu objetivo é esclarecer que a situação jurídico-estatutária do militar no ativo, enquanto tal e no ramo, é única e exclusivamente uma das previstas nos artigos 144.º a 147.º do EMFAR e que à situação de destino em que o militar se vier a encontrar é aplicável a norma civil que ao caso couber.

  17. E também não está em causa o princípio da liberdade de escolha e de acesso à profissão! U) Na verdade, o recrutamento militar para os ... é um recrutamento especial – artigo 131.º do EMFAR –, que obedece ao critério das necessidades estruturais e organizacionais de cada ramo para assegurar as missões que lhe estão atribuídas e da programação e desenvolvimento das carreiras nas categorias de oficiais, sargentos e praças (artigo 44.º do EMFAR), razão pela qual não está sujeito às restrições de admissão em vigor na Administração Pública.

  18. Neste enquadramento, o interesse coletivo – visivelmente identificado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 90/2015, que aprovou o EMFAR, e a que também não pode ser alheia a conjuntura financeira do Estado – impõe não só um rigoroso planeamento dos recursos humanos em função das missões cometidas a cada ramo e que, no caso da Força Aérea, têm vindo a ser sucessivamente alargadas, como impede que os ... dos ramos das Forças Armadas possam ser utilizados como veículo alternativo de ingresso e mobilidade na Administração Pública.

  19. Por tudo o que fica exposto, não restam dúvidas que a frequência pelo Autor ora Recorrido do 41.º Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária dependia de autorização do Ministro da Defesa Nacional, sob proposta do BB, autorização essa que não existiu, como resulta dos factos dados como provados sob os n.ºs 5), 6), 8), 10) e 11) da Sentença recorrida.

  20. Razão pela qual, o entendimento que o Recorrido pode ser nomeado em comissão de serviço para frequentar o 41.º Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária, sem necessitar de qualquer autorização, é manifestamente ilegal por violação, designadamente do n.º 1 artigo 146.º do EMFAR e padece, ainda, de inconstitucionalidade por violação do artigo 275.º da CRP.

O recorrido contra-alegou, concluindo: (1ª)...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT