Acórdão nº 00640/17.9BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 09 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução09 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:* P., SA (R. (…)) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Penafiel, que julgou improcedente acção administrativa intentada contra Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ministério da Economia e Estado Português.

Sob “conclusões”, depois de recordar a sorte da acção, julgada improcedente, e de lembrar o que foi alguma da matéria de facto provada, refere: 3ª - A competência para a apreciação do pedido em apreciação cabe, conjuntamente, ao Secretario de Estado do Emprego e ao Secretário de Estado da Indústria, competindo-lhes a apreciação conjunta da pretensão do interessado, independentemente do sentido da decisão de cada um dos aludidos membros - caso contrário encontramo-nos perante uma decisão singular que a lei, in casu, não permite.

  1. - A decisão controvertida é anulável por falta de competência.

  2. - O Tribunal recorrido concluiu que os trabalhadores abrangidos pelos horários propostos não têm que gozar periodicamente o dia de descanso semanal no domingo, podendo aquele ocorrer em qualquer outro dia da semana, soçobrando aqui um dos fundamentos invocados pela entidade demandada.

  3. - A interpretação propugnada pelo tribunal a quo não tem qualquer suporte no texto da lei e muito menos nos princípios que lhe são ínsitos.

  4. - O Código do Trabalho traduz os descansos dos trabalhadores em horas e minutos – vejam-se os intervalos de descanso (art.º 213º) ou o descanso diário (art.º 214º).

  5. - Nos termos do disposto no art.º 279º, al. d) do Código Civil, é havido como prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou 48 horas.

  6. - A tese propugnada pelo tribunal recorrido coloca desproporcionalmente condicionamentos à organização do trabalho em estabelecimentos que laborem em regime de laboração continua.

  7. - Os trabalhadores abrangidos pelo projecto de horário em análise, não estão sujeitos a rotatividade de horários, cumprindo-se, assim, o respeito pelos seus ciclos circadianos.

  8. - Considerando que nos encontramos perante a análise de horários fixos em regime de organização de trabalho por turnos, em estabelecimento que labora continuamente, a interpretação sufragada impede desproporcionalmente o exercício, in casu pela Recorrente, do direito à iniciativa económica privada e o direito à liberdade de iniciativa e de organização empresarial, previstos constitucionalmente nos artigos 61.º, n.º 1 e 80.º, al. c) da Constituição da República Portuguesa (CRP), respectivamente.

  9. - No pedido em apreciação, os direitos ao descanso do trabalhador não foram colocados em causa.

  10. - A interpretação sufragada na decisão controvertida, do art.º 221º, n.º 5 do Código do Trabalho, no sentido de que “um dia de descanso em cada período de sete dias” tem que ser um dia completo de calendário e não 24 horas, deve ser declarada materialmente inconstitucional por ser manifestamente desproporcionada tal interpretação da lei, impedindo o exercício do direito à iniciativa económica privada e o direito à liberdade de iniciativa e de organização empresarial, violando o Princípio da Proporcionalidade e o disposto nos artigos 2º, 61.º, n.º 1 e 80.º, al. c) da CRP. Inconstitucionalidade que expressamente se invoca.

  11. - In casu, todos os trabalhadores abrangidos pelos horários propostos, têm, num período de sete dias, 24 horas (1 dia) de descanso semanal, gozado em continuidade com o período de 11 horas de descanso diário.

  12. - De acordo com o Acórdão, de 9 de Novembro de 2017, proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, Processo C-316/16, disponível em http://curia.europa.eu, “(…) o artigo 5.º da Diretiva 93/104 e o artigo 5.º, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88 devem ser interpretados no sentido de que não exigem que o período mínimo de descanso semanal ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tarde, no dia subsequente a um período de seis dias de trabalho consecutivo, mas impõe que esse período seja concedido em cada período de sete dias”.

  13. - Conclui-se ainda no aresto citado na conclusão anterior que “(…) esta interpretação segundo a qual o período de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas, ás quais acrescem as onze horas de descanso diário previstas no artigo 3.º desta diretiva, pode ser concedido em qualquer momento em cada período de sete dias”.

  14. - A interpretação sufragada pelo tribunal recorrido configura uma restrição daquela norma comunitária, em violação do Principio do Primado do Direito da União Europeia.

  15. - Caso se entenda que, quanto á questão em apreciação, restam dúvidas relativamente á compatibilidade entre o direito interno e o direito da União europeia, requer-se ao digno Tribunal Central Administrativo do Norte o reenvio prejudicial ao TJUE, considerando que » Nos presentes autos cumpre proceder à interpretação de disposições do Direito União Europeia, concretamente do art.º 5.° da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, segundo o qual “(o)s Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário previstas no artigo 3.º” » A directiva comunitária é clara ao definir o descanso semanal em 24 horas e não em um dia completo de calendário, » Período de 24 horas que pode ser concedido em qualquer momento em cada período de sete dias.

    » Nos presentes autos, no que concerne ao direito interno, impõe-se interpretar o disposto no n.º 5 do art.º 221º do Código do Trabalho, segundo o qual “(o)s turnos no regime de laboração contínua (…), devem ser organizados de modo que os trabalhadores de cada turno gozem, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período excedente de descanso a que tenham direito”.

  16. - Impõe-se colocar ao TJUE a seguinte questão prejudicial: 1) À luz do artigo art.º 5.° da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, os trabalhadores num regime de organização de trabalho por turnos, mas cujos horários de cada um são fixos, em estabelecimento que labora no regime de laboração contínua, o dia de descanso obrigatório a que o trabalhador tem direito deve corresponder necessariamente a um dia completo de calendário, não podendo ser contabilizado no correspondente a 24 horas, a que acrescerão as 11 horas de descanso diário? 20ª - Deveria a ter sido proferida sentença que julgasse ilegal o indeferimento em apreciação por falta de fundamento de facto e de direito, declarando a sua anulabilidade e condenando os Recorridos no deferimento do pedido de autorização de laboração contínua formulado pela Recorrente.

  17. - A sentença violou, entre outros, o disposto nos artigos 16º, n.º 3 da Lei n.º 105/2009, de 14 de Setembro, 221º, n.º 5 do CT, 279º, al. d) do CC e 2º, 61º, n.º 1 e 80º, al. C9 da CRP.

    * Contra-alegou o réu Estado, concluindo: 1- A Lei nº 105/2009, de 14 de Setembro, que regulamenta e altera o Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, e procede à primeira alteração da Lei nº 4/2008, de 7 de Fevereiro, nos termos do disposto no artigo 16.º, determina no nº 3, quanto à autorização par um horário de laboração contínua, que será sempre superior ao horário entre as 7h e as 20h que “Os membros do Governo responsáveis pela área laboral e pelo sector de atividade em causa podem, mediante despacho conjunto, autorizar a laboração contínua, do estabelecimento por motivos económicos ou tecnológicos”; 2- Ora, determina o nº 4, do referido artigo 16.º, que a entidade empregadora deve apresentar ao serviço com competência inspetiva, do ministério responsável pela área laboral, a quem compete a direção da instrução do processo, o requerimento devidamente acompanhado dos seguintes documentos: - Alínea a) Parecer da Comissão de trabalhadores ou, na sua falta, da comissão sindical ou intersindical ou dos delegados sindicais ou, 10 dias após a consulta, comprovativo do pedido de parecer; - Alínea b) Projeto de horário de trabalho a aplicar; - Alínea c) Comprovativo do licenciamento da atividade da empresa; - Alínea d) Declarações emitidas pelas autoridades competentes comprovativas de que tem a situação contributiva regularizada perante a administração tributária e segurança social.

    3- Significando este nº 4, do artigo 16.º do citado Diploma, que a receção e instrução do processo administrativo, bem como a verificação da conformidade legal dos requisitos a apresentar pela Entidade empregadora, compete em primeira instância ao ministério responsável pela área laboral, e a efetuar pelo serviço com competência inspetiva, a Autoridade para as Condições de Trabalho, que entendendo estarem preenchidos os requisitos, propõe a emissão de Despacho conjunto de autorização de laboração contínua; 4- Pelo que, tal como decidiu o Tribunal “a quo”, tendo o Senhor Secretário de Estado do Emprego proferido despacho de rejeição de autorização de laboração contínua, por a Autora não reunir os requisitos e pressupostos legais no projeto de Mapa de Horário de Trabalho apresentado, não seria necessário que o mesmo despacho de indeferimento também devesse ser sujeito a apreciação do Senhor Secretário de Estado da Indústria, como responsável pelo setor de atividade, por delegação de competências do Senhor Ministro da Economia nos termos do Despacho nº 2983/2016, de 26 de Fevereiro publicado no Diário da República nº 40/16, Série II e alterado pelo Despacho nº 7543/2017 de 25 de Agosto, publicado no Diário da República nº 164/2017, Série II; 5 - Tal envio implicaria a produção de um ato inútil do Senhor Secretário de Estado da Indústria, como responsável pelo sector de...

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