Acórdão nº 6902/20.0T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelTOMÉ DE CARVALHO
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 6902/20.0T8STB.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local de Cível de Setúbal – J2 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Na presente acção condenatória emergente de acidente de viação proposta por (…) contra “(…) PLC, SA”, a Autora interpôs recurso do saneador-sentença que julgou procedente a excepção de prescrição.

* A Autora pediu que a Ré fosse condenada a indemnizá-la no pagamento de € 3.579,39 e, bem assim, no valor de € 12,00 mais IVA, à taxa legal, por dia desde a entrada do veículo na “Auto (…), Lda.” pelo parqueamento da viatura até à conclusão do processo e a título não patrimonial € 2.500,00, acrescido de juros de mora até à efectiva resolução da demanda.

* Em benefício desta tese, a Autora alega que, no dia 30/12/2015, em Palmela, o veículo por si conduzido com a matrícula (…), e o veículo conduzido por (…), com a matrícula (…), embateram com culpa exclusiva deste pela produção do acidente.

A responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo (…) estava transferida para a Ré (…) pelo contrato de seguro titulado pela Apólice n.º (…).

* Devidamente citada, a Ré apresentou contestação, impugnando os factos atinentes à dinâmica do acidente e deduzindo a excepção de prescrição.

* Em sede de despacho saneador, o Tribunal «a quo» decidiu julgar procedente a excepção peremptória de prescrição invocada e, em consequência, absolveu a Ré “(…), PLC, SA” do pedido.

* A recorrente não se conformou com a referida decisão e as suas alegações apresentam as seguintes conclusões: «1 – O acidente de viação em apreço acorreu como descrito em 30/12/2015.

2 – Logo que Autora conseguiu as suas capacidades físicas, apresentou queixa crime.

3 – Dessa queixa gerou-se o processo n.º 461/16.6GDSTB que correu termos no Ministério Público de Setúbal – Departamento de Investigação e Acção Penal – 1ª Secção de Setúbal.

4 – Tendo o Juiz de Instrução Criminal de Setúbal proferido despacho de não pronúncia e posto assim termo a esse processo a 21/01/2019, decretando o seu arquivamento.

5 – Uma vez que a instância criminal terminou a 21/01/2019 e a douta acção foi instaurada a 28/12/2020, decorreu apenas 11 meses e não 3 anos para se verificar a prescrição conforme alegado pela Ré.

6 – Veja-se, então, o artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil, em que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.

7 – Tal como resulta dos autos, da prova documental já junta aos autos, a Autora ficou com lesões no seu corpo que geraram a sua incapacidade temporária para o trabalho tendo por isso recorrido primeiramente à instância criminal para pedir a apreciação da causa e reparação dos seus danos, tendo-se frustrado essa instância veio ainda em tempo recorrer à instância cível.

8 – Ora, o procedimento criminal de tal crime prescreve no prazo de cinco anos, tal como dispõe o artigo 118.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.

9 – Deste modo, e constituindo o facto ilícito em causa um crime para o qual a lei estabelece um prazo mais longo de prescrição (5 anos), é aplicável ao caso dos autos o disposto no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, havendo que considerar o prazo de prescrição do procedimento criminal de 5 anos, e não o prazo de prescrição de 3 anos previsto no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil.

10 – A contagem dos prazos opõe-se a partir do momento que se extingue a possibilidade de prosseguimento dos autos, pois a entrada da acção penal suspendem a contagem dos prazos da prescrição, retomando-se a sua contagem a quando do termino da acção.

11 – Sucede, porém que, a Autora não está obrigada a propor a acção em momento precedente ao 5º dia anterior ao prazo de prescrição atingir o seu termo, por forma a fazer funcionar o mecanismo da interrupção da prescrição constante do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil. Deve fazê-lo por uma questão de cautela. Mas, não o fazendo, tal não significa que a citação do Réu não possa realizar-se ainda dentro do prazo prescricional em curso.

12 – A Autora, aqui requerente, requereu a 27/09/2021 nos termos do artigo 432.º do Código de Processo Civil, que o douto Tribunal diligenciasse no sentido de junto da Instância de Instrução Criminal de Setúbal obter certidão ou cópia do despacho que pôs termo ao processo criminal já identificado.

13 – O douto Tribunal nada fez.

14 – Gerando tal facto, nulidade processual nos termos do artigo 195.º, n.º 1, quando a omissão do ato a que o Tribunal estava obrigado gera uma irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

15 – In casu, tal nulidade cria por sua vez a nulidade da sentença proferida nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

16 – Devendo para tanto ser efectuada a Reforma da Sentença nos termos do artigo 616.º, n.º 2, alínea b) (Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida) do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exa. doutamente suprirá, deverá a presente apelação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, alterada, devendo para tanto ser efectuada a Reforma da Sentença nos termos do artigo 616.º, n.º 2, b), do Código de Processo Civil e bem assim ser apreciada a prova documental requerida nos termos do artigo 432.º do Código de Processo Civil seguindo os seus ulteriores termos até final».

* Foi apresentado requerimento com o seguinte conteúdo: «Nada tendo a acrescentar aos doutos fundamentos que ditaram a sentença recorrida, não colhendo nenhuma das doutas conclusões que delimitam o objecto do presente recurso, vem prescindir de contra-alegar e do respectivo prazo».

* Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. * II – Objecto do recurso: É entendimento universal que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).

Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão relacionada com a prescrição do direito invocado e da existência de eventual nulidade.

* III – Factos com interesse para a decisão da causa: 1. A Autora é dona da viatura automóvel ligeira de passageiros com a matrícula (…), de marca Kia e modelo Picanto.

  1. No dia 30 de dezembro de 2015, pelas 18h05 horas, o veículo supra, conduzido pela Autora, circulava na (…), junto do cruzamento com a Rua do (…), em direção à Estrada Nacional (…), ao Km 3,600 (virava à direita), sito na (…), concelho de Palmela.

  2. Nessa mesma altura, na Estrada Nacional (…), ao Km 3,600, no sentido Palmela-Moita, circulava o veículo automóvel de matrícula (…), conduzido pelo Sr. (…), residente na Quinta de (…), n.º 67-2950 Palmela.

  3. Entretanto, os veículos (…) e (…) acabaram por embater entre si.

  4. O embate entre viaturas ocorreu no dia 30/12/2015, pelas 18:00 horas, na EN (…), ao km 3,600 na Localidade (…).

  5. A responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo (…) estava transferida para a Ré (…) pelo contrato de seguro titulado pela Apólice n.º (…).

  6. A presente acção foi proposta no dia 28/12/2020.

  7. A Ré foi citada para contestar a presente acção no dia 31/12/2020.

  8. Por decisão datada de 13/04/2018, foi proferido despacho de arquivamento dos autos nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 277.º do Código de Processo Penal, relativamente à queixa apresentada por (…) contra (…) em que se imputava a este a prática de factos susceptíveis de, em abstracto, consubstanciarem a prática de um crime de ofensa à integridade física negligente previsto e punido pelo artigo 148.º do Código Penal. A referida decisão foi notificada à Autora em 23/05/2018[1].

  9. (…) veio requerer a abertura de instrução, a qual foi rejeitada por inadmissibilidade legal da instrução relacionada com a não liquidação da taxa de justiça devida pela constituição de assistente com o acréscimo da taxa de justiça de igual montante. A decisão em causa foi proferida em 21/01/2019 e a carta de notificação enviada à Autora em 22/01/2019[2].

  10. A 12/01/2016 a Autora recebeu uma carta da (…) que indica que terminadas as diligências, a culpa pela ocorrência do sinistro é de ambos os intervenientes, imputando-se uma responsabilidade de 50%[3].

    *IV – Fundamentação: O decurso do tempo é especificamente causa de extinção ou perda de direitos, por inobservância do prazo para o seu exercício, sendo que a prescrição se destina a sancionar a negligência do titular do direito.

    Diz-se prescrição quando alguém se pode opôr ao exercício dum direito pelo simples facto de este não ter sido exercido durante determinado prazo fixado por lei[4].

    Vaz Serra[5] escreveu «sem querer entrar na discussão de qual seja exactamente o fundamento da prescrição, que uns vêem na probabilidade de ter sido feito o pagamento...

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