Acórdão nº 760/21.5T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA LUNA DE CARVALHO
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora: I J… veio interpor a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra o ESTADO PORTUGUÊS, devidamente representado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 115 579,83 (cento e quinze mil, quinhentos e setenta e nove euros e oitenta e três cêntimos), dos quais: A) € 100 000,00 (cem mil euros), são referentes a danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora calculados desde a citação até integral e efetivo pagamento; e, B) € 15 579,83 (quinze mil quinhentos e setenta e nove euros e oitenta e três cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescido de juros de mora calculados desde a citação até integral e efetivo pagamento.

Fundamenta o pedido, sumariamente, no seguinte: “[o] Autor, sendo inocente como se veio mais tarde a apurar” esteve preso preventivamente, na sequência de decisões que o indiciaram, acusaram, pronunciaram e condenaram sem trânsito em julgado, no âmbito do Processo n.º …, pela prática do crime de homicídio e profanação de cadáver; a decisão que decretou a sua prisão preventiva era desprovida de qualquer prova, ainda que indiciária, “conforme de resto veio a concluir o acórdão absolutório” proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, os indícios apontados eram insuficientes para imputar tal conduta ao arguido, aqui Autor (relatório pericial dos vestígios de ADN e um alegado contacto telefónico); Pelo que, a sujeição do Autor à medida de coação de prisão preventiva, consubstanciou um erro grosseiro na aplicação do Direito, incorrendo o Réu em responsabilidade civil por erro judiciário nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 225.º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal; O sentimento de revolta do Autor adensou-se com a decisão instrutória da sua submissão a julgamento, inocente, perante uma investigação sem quaisquer elementos probatórios que sustentassem tal decisão; a prisão preventiva do Autor foi mantida a cada fase em que se exigia a sua revisão; Em cada notificação que o Autor rececionava com um despacho de manutenção da prisão preventiva, sentia-se agoniado, triste, revoltado, totalmente incapaz, como se ninguém visse o que estava à vista de qualquer um, – “que era inocente”; O Autor esteve privado da sua liberdade durante 505 dias até o Tribunal da Relação de Évora o ter absolvido. Prisão que lhe acarretou danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento ora reclama.

O Estado Português contestou pugnando pela improcedência do pedido e sua absolvição do pedido.

Invocou o Réu Estado, desde logo, o sentido do acórdão absolutório: não havendo nele qualquer comprovação de que o Autor não foi o agente do crime de homicídio que lhe havia sido imputado; o Acórdão absolutório refere textualmente algo distinto, como: “Da conjugação dos elementos probatórios coligidos nos autos e neles avaliados não conseguimos atingir a certeza considerada indispensável a dar como provado que o Arguido foi o autor da morte da I….

E não conseguimos ultrapassar um estado de dúvida que convoca a aplicação do princípio in dubio pro reo.(...)”; Assim, não é verdade que o Autor tivesse sido preso preventivamente, julgado e condenado, erradamente, por ser inocente, inexiste no Acórdão absolutório/revogatório invocado, passagem alguma da qual possa resultar o reconhecimento ou a declaração de que não foi o ora Autor o responsável pelos factos pelos quais fora acusado, pronunciado e condenado em 1.ª instância.

Por outro lado, os elementos de prova carreados para o processo nº … sustentavam, desde a primeira decisão de prisão preventiva, abundantemente, um juízo de forte indiciação pela prática dos factos imputável ao Autor, juízo esse que, aliás, fora inteiramente corroborado na sequência do decidido pelo Tribunal da Relação de Évora após interposição pelo ora Autor de recurso da prisão preventiva que lhe fora aplicada.

Em todos os sucessivos despachos de revisão e manutenção da medida de coação de prisão preventiva imposta ao Autor, todos os Senhores Juízes subscritores desses despachos, fizeram uma avaliação dos pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da mencionada medida e as circunstâncias posteriores, tendo sempre concluído que estas não se haviam alterado no sentido de atenuação das exigências cautelares; Sendo absolutamente legal a sujeição do Autor a prisão preventiva, não veio a mostrar-se, como pretende o Autor – nomeadamente, com recurso ao teor do Acórdão absolutório fundamento da presente ação – injustificada tal prisão por ter havido (suposto) erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia o seu decretamento.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida decisão que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, foi o Réu/Estado Português absolvido dos pedidos contra si dirigidos.

Inconformado com tal decisão, veio o Autor recorrer, assim concluindo, embora de forma claramente excessiva e prolixa, as suas alegações de recurso: “1. Normas jurídicas violadas: Art.º 154.°, 195.° e 615.°, n.º 1, al. b) e d), do CPC Art.º 27.º, 32.º, 205.º Constituição da República Portuguesa.

Art.º 255.º n.º 1 al. b) e c) do CPP Art.º 38.º da Lei 5/2008 2. A decisão recorrida deve ser revogada.

(…) 111. Em face da factualidade julgada provada constante na decisão recorrida, bem como merecendo provimento o presente recurso, alterando a factualidade julgada não provada, passando a mesma a constar como provada, e incluindo-se como provada a factualidade em falta alegada em sede de petição inicial supra mencionada, respeitante ao aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, deverá o Recorrido, Estado Português ser condenado a pagar ao Recorrente o montante de € 100 000,00.

112. Termos em que deverá a decisão recorrida ser revogada, sendo o Recorrido Estado Português, condenado no pagamento de indemnização relativa a danos patrimoniais e não patrimoniais, no total de € 115 579,83, decorrentes da prisão preventiva do Autor/Recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 225.º n.º 1 als. b) e c) do CPP.

Nestes termos e nos demais de Direito deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogada a sentença recorrida nos termos humildemente propostos.

V. Exas. farão a acostumada Justiça! O Réu Estado Português respondeu, assim concluindo: 1 – Por Sentença de 10/11/2021, proferida nos autos à margem supra referenciados, foi decidido pelo Tribunal “a quo” julgar a presente ação como totalmente improcedente e, em consequência, absolver o Réu Estado Português dos pedidos que contra ele foram dirigidos pelo Autor J….

(…) 13 – Motivo pelo qual a douta Sentença objeto do presente recurso não merece qualquer censura no tocante à matéria de facto que foi dada como provada e não provada, feita com base na correta apreciação que fez dos elementos de prova constantes dos autos.

Nestes termos deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo Autor, confirmando-se a douta Sentença recorrida nos seus precisos termos.

V. Exas. farão, como sempre, Justiça.

IIO Tribunal a quo deu como assente o seguinte elenco de factos:

  1. Factos provados 1.

    No âmbito do processo comum singular que correu termos sob o n.º …, do J3, do Juízo Criminal de Loulé, o autor foi condenado pela prática, 9 de março de 2017, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do CL n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-A e B, anexa ao aludido diploma legal, na pena de 1 (um) ano de 8 (oito) meses de prisão, suspensa pelo mesmo período e acompanhada de regime de prova, assente em plano a elaborar pela DGRSP direcionado à aquisição de competências pessoais, a par de despistagem de eventuais problemas do foro de saúde mental e encaminhamento para tratamento, caso nisso o arguido consinta (artigos 50.º e 53.º, do Código Penal).

    2.

    O autor apresentou recurso da referida sentença, ao qual veio a ser negado provimento por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora (…) transitado em julgado em (…) de 2020.

    3.

    No âmbito do processo comum coletivo que correu termos sob o n.º …, do J1, do Juízo Central Criminal de Faro, o autor foi absolvido do crime de sequestro de que vinha acusado e condenado pela prática, em 27 de novembro de 2017, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sujeito a regime de prova.

    4.

    O autor apresentou recurso, não concordando com a pena que lhe foi aplicada, ao que foi dado provimento através de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em …2021 e transitado em julgado em … 2021, através do qual a referida pena foi alterada, sendo aplicado uma pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros).

    5.

    Pelas 16h13m do dia 27 de agosto de 2018, H… esteve presente nas instalações da GNR de Loulé, comunicando o desaparecimento da sua companheira I… (o auto de notícia de fls. 243 v.º e ss.) 6.

    Pelas 17h00m/18h00m, do mesmo dia, a viatura … de cor verde foi encontrada no .., em Quarteira (auto de inquirição de fls. 289 e ss.) 7.

    Após deslocação ao local da patrulha da GNR do posto territorial de Quarteira foi quebrado um dos vidros e encontrado no seu interior no banco traseiro ao meio, com o cinto de segurança colocado, o cadáver da desparecida (relatório da inspeção judiciária de fls. 256 e ss.) 8.

    O autor tinha estado, por várias vezes, com I…, no interior do veículo onde aquela foi encontra morta e ambos mantiveram um relacionamento sexual.

    9.

    Em 5 de setembro de 2018 mostra-se proferido despacho pelo Digno Magistrado do Ministério Público titular do inquérito que corria termos sob o n.º 243/18.0JAFAR, atinente ao segredo de justiça, onde se lê: (…) tendo em conta que dos autos resulta que a morte de I… pode estar...

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