Acórdão nº 149/21.6GDLLE.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAURÍCIO
Data da Resolução25 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., no âmbito do Processo 149/21.6GDLLE foi o arguido AA submetido a julgamento em Processo Comum (Tribunal Coletivo).

Após realização da audiência de discussão e julgamento, o Tribunal decidiu: I. Absolver o arguido AA da prática de duzentos e cinquenta crimes de abuso sexual de crianças agravado, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 171º, n.º 1 e 177º, n.º 1, alínea b), do Código Penal; II. Absolver o arguido AA da prática de oito crimes de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 171º, n.º 3, alínea b) e 177.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal; III. Absolver o arguido AA de dois crimes de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 171º, n.º 3, alínea a), e 177.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal; IV. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo art.º 171º, n.º 1 do Código Penal, na pena de três anos de prisão; V. Condenar o arguido AA pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança, previstos e punidos pelo art.º 171º, n.º3, al.b), do Código Penal, na pena de um ano de prisão por cada um deles; VI. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo art.º 171º, n.º3, al.a), do Código Penal, na pena de um ano de prisão; VII. Operar o cúmulo jurídico das penas em que o arguido é condenado e condená-lo na pena única de quatro anos de prisão; VIII. Atribuir, nos termos do art.º 82º-A do Código de Processo Penal, a BB uma reparação pelos danos sofridos, que se fixa em €5.000, ficando o arguido responsável pelo seu pagamento; IX. Declarar perdidos a favor do Estado e determinar a destruição dos telemóveis apreendidos; X. Ordenar a recolha de amostras de ADN do arguido, a fim de se proceder à sua inserção na base de dados de perfis de ADN em obediência ao disposto no artigo 8.º, n.º2, da Lei 5/2008, de 12 de Fevereiro.

XI. Condenar o arguido no pagamento das custas judiciais, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs, nos termos do disposto no artigo 513.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º9 do Regulamento das Custas Processuais e respectiva tabela III anexa, à qual acrescem as despesas e encargos a que deu azo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 514.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 16.º e 17.º do Regulamento das Custas Processuais; XII. Determinar que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito a prisão preventiva.

*Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: I- Face aos factos dados como provados, tendo em conta a absolvição dos crimes mais graves que vinham imputados ao arguido; o teor do relatório social junto aos autos, e ser o arguido primário, o Tribunal devia ter suspendido a execução da pena aplicada ao arguido.

II- O arguido é portador de expectativas positivas face ao futuro quanto a comportamentos sociais desajustados e tem consciência crítica quanto ao seu comportamento; pelo que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente in casu as finalidades da punição.

III- Os Factos Provados de 11 a 29 da Fundamentação de Facto, para os quais se remete, atinentes à personalidade do arguido, aos seus modos de vida, ao entrosamento social e laboral, à atitude crítica e respeito pelos bens jurídicos em causa nos factos que lhe são imputados, e ainda ao apoio familiar e ao comportamento em meio prisional, demonstram que se podem consistentemente antecipar expectativas positivas face ao futuro do arguido, ainda que em liberdade.

IV- A pena ora aplicada ao arguido sempre estaria dentro da possibilidade da suspensão da sua execução.

V- E todos estes factos provados fazem concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Pois os factos provados de 11 a 29 de FP têm a nosso ver esse condão de, com bases concretas, sustentar esse juízo de prognose favorável.

VI- A personalidade do arguido não aparece como sendo desviante, malévola, reiteradamente criminosa ou transgressora; nem isso diz o douto Acórdão. É pessoa com hábitos de trabalho, enraizados desde muito jovem; e tem coerente apoio da sua família original.

VII- Revela consciência autocrítica e assunção do desvalor da sua conduta.

VIII- Os factos provados não apontam para que seja o arguido um criminoso que, se devolvido à liberdade, ainda que sob condições ou regime de prova, vá cometer novos ilícitos; até porque nunca foi esse o seu iter vivencial. Os factos pelos quais se mostra punido são, claramente, uma excepção, na regra que é a sua vida de trabalho e de bom relacionamento familiar. Pelo que o Tribunal “a quo” deveria ter formulado um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena, ainda que sob condições ou regime de prova.

IX- Quando se debruça sobre a suspensão da execução da pena, o douto Acórdão, (fls. 33 a 36), diz que estão “em questão, não considerações sobre a culpa, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção”; e reconhece expressamente (fls. 35) “que o arguido é primário e, caso seja posto em liberdade, fica inserido familiar, social e profissionalmente”. O que, continua o texto do Acórdão, “são factores que abonam no sentido de se formular um juízo de prognose nesse sentido” X- Porém conclui:” mas não são decisivos para que se possa formar, em bases sólidas, tal juízo”. Dando primazia às “necessidades de reprovação e prevenção do crime”.

XI- Ora, com todo o respeito, não nos parece que, no caso concreto, sejam incompatíveis os juízos de prognose favorável – que efectivamente o Acórdão faz relativamente ao arguido – e o sentimento comunitário e/ou as exigências de prevenção geral.

XII- O arguido encontra-se preso há um ano e quatro meses; e a sua conduta prisional é a adequada. Mostrou-se arrependido e tem consciência crítica. O crime mostra-se cometido na sua forma simples e não na agravada que inicialmente lhe foi assacada.

XIII- Além disso, é consabido o efeito nocivo que a pena de prisão efectiva pode ter em pessoas que vão pela primeira vez cumprir pena de prisão. Tudo o que aponta para a necessidade de uma suspensão da execução da pena, possível à luz do art. 50º do CP e aqui aplicável ao caso concreto. Devendo-se assim, aplicar a suspensão da execução da pena.

XIV- Não o entendendo assim, o Tribunal “a quo” violou os art. 40.º, 50.º, 70.º e 71.º todos do C.P.

XV- Como resulta do Ponto 2 de fls. 1 do Acórdão, CC foi admitida como assistente, na qualidade de legal representante de BB. Pelo que a vítima esteve desde o início do inquérito representada por sua mãe, e por advogada que, necessariamente patrocinava a Assistente. Essa representação e patrocínio já existia aquando da prolacção da douta Acusação.

XVI- Nos termos dos art. 71 e seg. do CPP, e maxime do art. 77º nº 1, a Assistente dispunha, querendo, da possibilidade legal e processual de apresentar PIC; o que não fez, podendo fazê-lo. Assim, no caso concreto, não pode ter aqui aplicação o nº 2 do art. 16º da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro.

XVII- Nem, atenta a situação concreta de representação da menor e seu patrocínio por Advogado, se pode considerar, ainda que pela idade e pelas demais condições, uma vítima especialmente vulnerável, pois a vítima está totalmente representada, quer pela mãe, quer ainda assistida por Advogado, e além disso constituída Assistente – com a plenitude de poderes e obrigações que desse estatuto decorrem, notadamente a do art. 77º nº 1 do CPP.

XVIII- Protegida, portanto, processualmente, aplicar-se-lhe o disposto no art.º 82º-A do Código de Processo Penal é, a nosso ver e com todo o respeito, subverter o espírito desta normativa legal. A situação concreta da vítima, não se enquadra no caso de uma vítima que necessite por parte do Tribunal das particulares exigências de protecção da vítima que se impusessem no caso.

XIX- Ademais, sem ter sido deduzido PIC, quando poderia e deveria ter sido se fosse esse o interesse suficientemente protegido da assistente, nem sequer houve lugar a contraditório.

XX- Com a fixação da quantia de reparação à vítima foi violada a norma do art. 82º-A do Código de Processo Penal. Devendo ser revogada essa atribuição de reparação a favor da vítima.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser suspensa a execução da pena de prisão aplicada ao arguido; e ser revogada a atribuição da reparação a favor da vítima.

*O recuso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito.

*O Ministério Público respondeu ao recurso interposto nos seguintes termos: “ (…) Nos autos à margem referenciados o arguido foi condenado na pena de quatro anos de prisão pela prática de 4 crimes de abuso sexual de criança: sendo um previsto e punido nos termos do artº.171º., nº.1 do Cód. Penal, um outro previsto e punido no termos do art.171º., nº.3, al. a) do Cód. Penal e dois previstos e puidos nos termos do artº.171º., nº.3, al. b) do mesmo diploma legal.

Todavia , conforme resulta dos autos, o arguido vinha acusado da prática de outros crimes, mais graves, de cuja prática veio a ser absolvido.

Em sede de audiência de julgamento, muito embora não tenha assumido de forma clara a prática de todos os factos pelos quais veio a ser condenado, mostrou-se arrependido e demonstrou ter perfeita consciência do quanto a sua conduta é censurável, para não dizer mesmo repugnante.

Ainda assim, também resulta do próprio acórdão recorrido que o depoimento da própria vítima não foi integralmente valorado pois que houve claras discrepâncias entre a versão apresentada em sede de audiência de julgamento e as declarações que haviam sido prestadas para...

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