Acórdão nº 9/20.8GTSTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ SIMÃO
Data da Resolução25 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório O Ministério Público deduziu, no dia 8 de Março de 2020, acusação em processo sumaríssimo contra o arguido, FL, id. a fls. 17, imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. no artº 292º, nº 1, 14º, 26º e 69º nº 1 do C.Penal. O arguido deduziu, no dia 13-01-2021 oposição à sanção proposta nos termos e fundamentos constantes de fls. 40 e por isso, por despacho de 19-01-2021 proferido no processo com o nº acima mencionado do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo Local Criminal de Abrantes) os autos foram remetidos à distribuição como processo comum singular

Procedeu-se à audiência de julgamento e por decisão de 20 de Setembro de 2021, o arguido foi condenado: Pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. no art. 292º, nº 1 e 69º do C. Penal, na pena de 110 (cento e dez dias de multa) à taxa diária de € 7,00, o que perfaz o total de 770,00 (setecentos e setenta euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria por um período de 8 (oito) meses, nos termos do artº 69º, nº 1 al. a) do C.Penal, devendo proceder à entrega da carta e condução na Secretaria do Tribunal, ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão, sob pena de, incorrer na prática de um crime de desobediência, e ser ordenada a apreensão daquele título de condução – artº 500º nº 2 e 3 do CPPenal Inconformado o arguido recorreu, tendo concluído a motivação do seguinte modo: «1 – A Sentença proferida pela Meritíssima Juíza do Tribunal a quo padece de um vício de nulidade previsto artigo 379.º, do Código de Processo Penal, que no n.º 1, a), sanciona com a nulidade a sentença que não contenha as menções referidas no n.º 2, do artigo 374.º, onde consta a enumeração dos factos provados e não provados, o que inclui aqueles que resultaram da discussão da causa (artigo 368.º, n.º 2). 2 – Efectivamente, perante a prova constante dos autos, nomeadamente Ofício da GNR sob a refª 6766998 de 30/03/2020 e termo com a refª 83553352 e despacho de 01/07/2020, os quais foram abordados e discutidos em sede de julgamento, impunha-se a enumeração dos factos daí resultantes, nomeadamente: “- O Arguido no dia 27.03.2020, por livre e espontânea vontade, procedeu à entrega da sua carta de condução junto da GNR; - O Guarda T recebeu a referida carta, fazendo referência à existência de uma decisão judicial no âmbito do processo 9/20.8GTST; - O Guarda T advertiu o Arguido de que este poderia incorrer no crime de violação de imposições, proibições ou interdições (artº 353º do Código Penal) se conduzir veículo a motor durante o período de proibição que lhe foi aplicado no âmbito do processo acima mencionado i).” - A GNR de … remeteu a carta de condução à secretaria do Tribunal de Abrantes sito em Esplanada 1º de Maio, 2200-320 Abrantes; - A Secretaria do DIAP de Abrantes rececionou a carta de condução e procedeu à anexação da mesma na contracapa do processo; - O Arguido apenas foi advertido para proceder ao levantamento da carta de condução, dado que ainda não foi proferida sentença e de que caso o mesmo não proceda ao seu levantamento, advirta-o que o prazo de contagem da pena acessória só se contará a partir do trânsito em julgado, não se tendo em conta o período desde que procedeu à entrega da carta de condução, em 02 de julho de 2020

- O Arguido procedeu ao levantamento da carta no dia 27 de julho de 2020

3 – Ao omitir a referência aos mesmos, a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de nulidade, devendo tal factualidade ser dada como provada bem como os factos supra descritos

4 – Tendo tanto a GNR como a Secretaria Judicial recebido a carta de condução entregue pelo Recorrente, na sequência de comunicação de julgamento em processo sumaríssimo, onde figurava precisamente o cumprimento de sanção de inibição, e não se advertindo o mesmo, nem lavrado auto a dar nota de que o Recorrente foi advertido de que a entrega não contava para efeitos de cumprimento da sanção de inibição, deve considerar-se que os serviços judiciais falharam, o que deve pesar a favor do Recorrente e não contra

5 - O Recorrente não deve ser prejudicado pelos erros ou omissões dos actos praticados pela Secretaria, ao abrigo do disposto no artigo 157º, nº 6 do Novo Código de Processo Civil), aplicável ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal

6 - Nem pode cumprir duas vezes a sanção acessória, sob pena de violação do princípio non bis in idem, consagrado no artigo 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa

7 – E o facto do Recorrente ter entregue a carta de condução após prolação de despacho de acusação, ou seja, sem que tivesse sido proferida uma sentença judicial, não significa, nem desculpabiliza o erro da Secretaria. 8 – Não se devendo ignorar a circunstância do tipo de processo especial em que tal ocorreu, cujos contornos colocam o Recorrente em situação análoga à do Arguido que procede à entrega da carta antes do trânsito em julgado de sentença judicial

9 – Neste contexto, tem inteira aplicação o princípio geral do direito, e por isso, também subjacente ao direito processual penal, que impede que os erros da máquina judiciária prejudiquem as partes (uma afloração do princípio no n.º 3 do art.º 198º do CPC, ex vi art.º 4° do CPP.) 10 – Ainda que tenha ocorrido erro da parte do Recorrente, o mesmo é desculpável pela simples razão de que apenas os técnicos do direito sabem como se executam as penas, e não já os cidadãos comuns, pelo que cometido este, o arguido não pode sair prejudicado, sob pena de se fazer uma interpretação contrária à Constituição dos art.ºs 467º do CPP e 69º do C. Penal, pois que, de outra forma, teria de cumprir duas vezes a mesma pena, o que, a todos os títulos, é absolutamente inadmissível

11 - Pelo que, nessa medida andou mal a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, ao imputar tal falha exclusivamente ao Recorrente, sem descontar o tempo em que a carta esteve efectivamente aprendida no âmbito dos autos, antes de proferida sentença transitada em julgado

12 – É contraditório que a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo tenha entendido como suficiente, do ponto de vista das finalidades gerais e especiais de prevenção, a aplicação da pena de multa de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no total de €440,00 (quatrocentos e quarenta euros) aos quais correspondem 53 (cinquenta e três) dias de prisão subsidiária, e sanção acessória da proibição de conduzir veículos a motor por 4 (quatro) meses, no âmbito do processo sumaríssimo, e posteriormente, em virtude da distribuição do processo sob a forma de processo abreviado, duplique ambas as condenações! 13 – Não foram apurados novos factos relevantes, o Recorrente não tem quaisquer antecedentes criminais, não esteve envolvido em acidente, nem colocou nem prejudicou a vida, integridade ou propriedade de ninguém

14 – Não podendo as decisões judiciais assentar em tratamentos discriminatórios, no caso em virtude de existir a hipótese de vir a ser descontado o tempo de apreensão da carta de condução na pena acessória final

15 – Perante a existência de vários exemplos demonstrativos de que a severidade da condenação aplicada ao ora Recorrente extravasou as necessidades de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir, indo no sentido de colmatar um erro do Tribunal que pode influir na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT