Acórdão nº 1799/21.6GBABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução24 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo sumário, com o nº 1799/21.6GBABF, do Juízo Local Criminal de Albufeira, e mediante pertinente sentença, o Exmº Juiz decidiu nos seguintes termos (em transcrição): “Pelos motivos expostos, e nos termos das normas legais citadas, o Tribunal decide condenar o arguido AA, pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 152º, nº 1, al. a), e nº 3, do Código da Estrada, e arts. 348º, nº 1, al. a), e 69º, nº 1, al. c), do Código Penal: A) Na pena principal de 8 (OITO) MESES DE PRISÃO, QUE FICARÁ SUSPENSA NA EXECUÇÃO POR DOIS ANOS E SEIS MESES; B) E na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um ano e seis meses

Condena-se ainda o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça no máximo legal (art. 8º do Regulamento das Custas Processuais, com referência à Tabela III do mesmo diploma)”

* O arguido, inconformado, interpôs recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: “1ª - O artigo 153º, nº 1, do Código da Estrada, estabelece que o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado mediante utilização de aparelho aprovado para o efeito

  1. - O suprarreferido artigo não faz qualquer distinção entre aparelhos qualitativos ou quantitativos

  2. - O arguido/recorrente foi submetido a teste de ar expirado através de aparelho aprovado nos termos do artigo 14º, nº 3, da Lei nº 18/2007, de 17 de maio

  3. - Estabelece o nº 2 do artigo 153º do Código da Estrada que, se o resultado for positivo (não fazendo qualquer distinção entre quantitativo ou qualitativo), o condutor, nos termos da alínea c), pode requerer a realização de contraprova

  4. - O arguido/recorrente requereu a realização de contraprova, por análise de sangue, nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 153º do Código da Estrada

  5. - O Código da Estrada é uma Lei de valor reforçado ou parametricamente reforçado, quando confrontada com a Lei nº 18/2007, de 17 de maio

  6. - A Lei nº 18/2007, de 17 de maio (Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência de Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas), não pode revogar ou derrogar normas parametricamente reforçadas e das quais são necessariamente dependentes

  7. - A última alteração ao artigo 153º do Código da Estrada é de 03 de setembro de 2013, enquanto a Lei nº 18/2007, de 17 de maio, ainda não sofreu alterações

  8. - O legislador pretendeu e pretende que os condutores - neste caso específico - sejam submetidos a apenas um teste pelo Código da Estrada e não a dois conforme a Lei nº 18/2007, de 17 de maio

  9. - A aplicação da Lei nº 18/2007, de 17 de maio, e a sua interpretação subsequente, no que a este caso concerne, é ilegal, porquanto viola de forma flagrante o valor de uma norma com valor reforçado, nos termos do artigo 280º, nº 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa

  10. - Tal origina nesta sede a necessária fiscalização concreta da ilegalidade, a qual desde já se requer

  11. - Tendo o arguido/recorrente realizado o único teste que a lei preconiza, não era legalmente exigível ao arguido/recorrente que realizasse um segundo teste de ar expirado, porquanto o resultado seria o mesmo, dado que o arguido afirmou que tinha ingerido bebidas alcoólicas no momento antes do primeiro teste

  12. - O consumo de bebidas alcoólicas momentos antes da realização de testes de ar expirado condicionam obviamente o seu resultado e não são legalmente admissíveis

  13. - O arguido/recorrente nunca se recusou a submeter-se a um segundo teste, tendo optado pelo teste de análise sanguínea, o qual lhe foi negado pelos elementos da GNR

  14. - O arguido/recorrente estava convencido que, se realizasse o segundo teste de ar expirado, não poderia recorrer à contraprova por análise ao sangue, o que nunca lhe foi esclarecido

  15. - Os elementos da GNR omitiram, certamente por negligência, que o arguido/recorrente tinha requerido a contraprova por análise de sangue; tendo omitido também que a recusa em se submeter a um segundo teste constituiria um crime de desobediência

  16. - Em sede de audiência e julgamento, os elementos da GNR confirmaram que efetivamente o arguido tinha requerido a análise de sangue, o que só confere credibilidade à versão do arguido/recorrente e contraria a interpretação vertida na sentença do douto tribunal a quo

  17. - Não sendo exigível a realização de um segundo teste por ar expirado, a ordem emanada pelos elementos da GNR é ilegítima e podia ser ignorada, o que conduz a falta de um dos elementos objetivos do crime de desobediência - “obediência devida” -

  18. - Caso assim não se entenda, ter-se-á que considerar que o arguido/recorrente estava efetivamente convencido que a realização do segundo teste de ar expirado era impeditiva da realização do teste através de análise sanguínea

  19. - Nesta senda, estava o arguido/recorrente em erro sobre a ilicitude, o que impede a verificação do elemento subjetivo, em qualquer das modalidades de dolo

    NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e o arguido ser absolvido, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA”

    * A Exmª Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta ao recurso, pronunciando-se pela total improcedência do mesmo

    Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, entendendo também que o recurso não merece provimento

    Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta

    Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a conferência

    II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso

    Tendo em conta as conclusões apresentadas pelo recorrente, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, são as seguintes, em muito breve síntese, as questões suscitadas no presente recurso: 1ª - Impugnação alargada da matéria de facto (saber se o arguido foi advertido, pelos militares da G.N.R., nos termos dados como provados, e se atuou com dolo e com consciência da ilicitude)

  20. - Qualificação jurídica dos factos (saber se o arguido cometeu o crime de desobediência pelo qual vem condenado - nomeadamente determinar se a ordem dada pela G.N.R. tem cabimento legal, e, por isso, foi legítima -)

    2 - A decisão recorrida

    A sentença revidenda é do seguinte teor (quanto aos factos - provados e não provados - e quanto à motivação da decisão fáctica): “FACTOS FACTOS PROVADOS Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos: DA ACUSAÇÃO 1. No dia 23/10/2021, por volta das 14 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …, na Rua …, em …, quando foi interpelado por uma patrulha da GNR, que lhe solicitou que se submetesse a exame de pesquisa de álcool através do aparelho qualitativo, o que o arguido aceitou e fez, acusando uma taxa de 2,11 g/l

    1. Após, a mesma patrulha ordenou ao arguido que se submetesse a novo exame de pesquisa de álcool, desta vez através do aparelho quantitativo, o que o arguido se negou a fazer

    2. Foi então o arguido advertido de que essa recusa o faria incorrer na prática de um crime de desobediência, mas mesmo assim o arguido manteve a sua intenção de não efetuar o novo exame de pesquisa de álcool

    3. Ao proceder como descrito, agiu o arguido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que ao não efetuar o exame de pesquisa de álcool quantitativo, cuja realização lhe foi ordenada por agentes da GNR, incumpria uma ordem legítima que lhe fora comunicada por agentes de autoridade em ação de fiscalização de trânsito, o que quis

    4. Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei e o fazia incorrer em responsabilidade criminal

      DA AUDIÊNCIA 6. O arguido AA tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade

    5. O arguido iniciou o seu percurso laboral com cerca de 16 anos como vendedor num posto de combustível, e trabalhou cerca de 6 anos na fábrica de cerveja de …, de onde saiu para trabalhar na construção...

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