Acórdão nº 404/16.7GESTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2022
Magistrado Responsável | MOREIRA DAS NEVES |
Data da Resolução | 24 de Maio de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório a. Correu termos na Procuradoria da República de Setúbal um processo de inquérito, no termo do qual o Ministério Público produziu despacho pelo qual acusou para julgamento AA e BB, aos quais imputou a prática, como autores, de um crime de violação de regras de segurança, previsto no artigo 152.º-B, § 1.º e 3.º, al. a), por referência ao artigo 144.º al. a), ambos do Código Penal (CP); bem assim como a sociedade comercial denominada CC, S.A., também como autora do mesmo crime, mas com referência ao artigo 11.º, § 2.º CP
O ofendido DD, constituído assistente, declarou aderir à acusação do Ministério Público
Os arguidos vieram a requerer a abertura de instrução, invocando para esse feito a nulidade da acusação, por insuficiência de inquérito, relativamente ao arguido BB; e também a nulidade de toda a acusação por falta de concretização das disposições aplicáveis, nos termos previstos no artigo 283.º, § 3.º, al. c) do Código de Processo Penal (CPP)
Mais invocaram que os trabalhadores da empresa receberam formação para as tarefas que desempenhavam e dispunham, à data do acidente a que se reporta acusação, do equipamento de proteção individual fornecido, o qual era adequado para a utilização do …
Para além disso consideram não ser possível estabelecer a relação causal apontada no libelo, entre as queimaduras sofridas e os EPI utilizados pelos trabalhadores no momento do acidente
Mais considerando os arguidos, que não procederam com falta de cuidado, prudência e desrespeito manifesto pelas regras de segurança, relativamente à execução de lavagem de cisternas com recurso ao solvente …. Pelo que deverão ser despronunciados
Mas assim se não entendendo, requereram fosse mobilizado o instituto da suspensão provisória do processo
Recebidos os autos no Juízo de Instrução Criminal de Setúbal, foram os mesmos distribuídos ao seu 1.º Juízo (1), procedendo-se à fase de instrução, no termo da qual veio a prolatar-se despacho judicial declaratório de nulidade insanável da acusação, por violação das garantias de defesa dos arguidos, por se ter considerado que a mesma não contém, como deveria, as imputações concretas relativas às normas legais e regulamentares violadas pelos arguidos, nos termos previstos nos artigos 308.º, § 1.º, 283.º, § 3.º, al. c), 122.º, § 1.º, 2.º e 3.º do CPP e 32.º, § 1.º da Constituição da República
b. Inconformado com essa decisão dela vem o Ministério Público recorrer, finalizando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «(…) 4. Como se refere na Decisão em recurso, efetivamente não foram alegados factos na acusação que conduzam à criação de perigo pelos arguidos para bens patrimoniais de valor elevado ou monumentos culturais ou históricos, uma vez que não nos parece que tais sejam elementos objetivos de constituam do crime previsto no art. 152° B do Código Penal, pelo qual os arguidos foram acusados
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Não indicou igualmente normas contraordenacionais relativas a derrames e descargas na água e condutas violadoras do meio marinho por não ser esse o objeto da acusação
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em sede de qualificação jurídica imputou-se aos arguidos a prática, de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo art.º 152. –B, n.º 1 e 3 alínea a), por referencia ao art. 144º alínea a) do Cód. Penal
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A citada norma penal é classificada pela doutrina como uma norma penal em branco porquanto a determinação do seu conteúdo passa a depender do recurso a lei, regulamentos e técnicas não penais tal como se refere na Decisão ora em recurso
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Na acusação são descritas e elencada a normas regulamentares e técnicas que não foram observadas pelos arguidos, conforme e retira dos arts. 15º a 21º da acusação - Da ficha de dados de segurança do solvente …, conforme Regulamento EC nº 1907/2006/EC (REACH), 1272/2008 (CLP) e Diretivas 67/548/ C, 1999/45/EC e 453/2010/EC
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São estas as normas regulamentares e técnicas que foram violadas e preenchem a norma legal prevista no art. 152º B do Código Penal, que não foram indicadas de forma singela, mas que representam as normas violadas pelos arguidos no âmbito da sua atividade
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Quando se indica a norma penal incriminadora no terminus da acusação, não se reiterou a indicação das regras e regulamentos violados, repetição essa, a nosso ver, desnecessária à luz da verificação dos requisitos do art. 283º nº 3 do Código de Processo Penal
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Tal alegado lapso de escrita não é suficiente para determinar a nulidade insanável da acusação deduzida e o consequente arquivamento dos autos
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A norma contida na alínea c) do nº 3 do art 283º do CPP não discrimina ou determina em que momento o despacho acusatório deve a norma violada ser indicada, nem impõe a sua estruturação de forma rígida
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Como já e referiu a acusação declarada nula contém as normas legais aplicáveis desde logo quando se conclui pela qualificação jurídica dos factos e imputação ao arguido do crime de violação de regras de segurança previsto e punido pelo artº 152° B do Código Penal
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Na acusação foram ainda indicadas e concretizadas os regulamento e normas técnicas violados, a saber: da ficha de dado de segurança do solvente …, CONFORME Regulamento EC nº 1907/2006/EC (REACH), 1272/2008 (CLP) e Diretivas 67/548/ C, 1999/45/EC e 453/2010/EC
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Os ofendidos DD e EE, trabalhadores da sociedade arguida procediam à lavagem de cisternas que tivessem transportado resina e para tal utilizavam um solvente denominado … (…), que era colocado antes da lavagem por forma a retirar a resina
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A utilização de tal solvente foi determinado pela entidade empregadora mediante instruções e ordens de serviços
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Contudo, como descrito no despacho de acusação, da ficha de dados de segurança do solvente …, conforme Regulamento EC nº 1907/2006/EC (REACH), 1272/2008 (CLP) e Diretivas 67/548/EC, 1999/45/EC e 453/2010/EC, consta que é um produto "F: Rl1- Facilmente inflamável, constando da sua secção 8 (controlo da exposição/proteção individual) que o trabalhador no seu manuseamento deve usar roupa de proteção contra químicos, anti-estática e ignífuga bem como ecrã facial para proteção da cara e luvas não descartáveis de proteção química
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Os arguidos não forneceram aos seus trabalhadores os fatos anti-estática e ignífuga exigidos de acordo com tais regulamentos
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Foram estas as normas, regulamentos e instruções que foram violadas e que integram e preenchem o crime de violação de regras de segurança previstos e punidos pelos arts. 1520 B do Código Penal
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Nos termos do art. 283° nº 3 do CPP, a acusação tem de conter, entre outros formalismos, a descrição dos factos da prova e a qualificação jurídica com vista a permitir ao arguido exercer cabalmente o eu direito de defesa
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Permite assim aos arguidos saberem em concreto que normas e técnica, na visão do Ministério Público, não foram observadas
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Os arguidos não incorrem na violação de regras de utilização de produto solventes de uma forma geral, ma sim na violação de regras aplicáveis à utilização do produto solvente …, próprio da atividade da empresa desenvolvida naquele momento, ou seja, a lavagem de cisternas
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Ora, da acusação deduzida resulta claro para os arguidos quais as normas, regulamentos, técnicas e norma penal foram violada, estando, claramente salvaguardados, os seu direitos de exercício cabal de defesa, como se pretende no espírito da norma do art. 283º nº 3 do Código de Processo Penal
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Considerar esvaziado de conteúdo o artº 152º B Código Penal, no caso concreto pela omissão de referencia a tal regime jurídico será violador dos princípios gerais de direto e em concreto do artº 152º B do CP art. 283º nº 3 alínea c) do CPP e naturalmente dos fins do Direto Penal e da Justiça
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Não se vislumbra a necessidade de indicar outros diplomas gerais e abstrato sobre deveres do empregador para com o trabalhadores, como o regime jurídico da promoção de segurança e saúde no trabalho ou eventualmente normas do Código do Trabalho, por não estarem em causa nestes autos e não contribuírem para o melhor exercício e defesa dos arguidos no caso concreto
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Sendo tais normas gerais e abstratas e não se referindo à aplicação do solvente …, naturalmente, a indicação de tal norma não seria suficiente para os arguidos compreenderem qual a concreta violação em que ocorreram, na perspetiva da acusação
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Têm, a nosso ver, de ser indicadas as concretas normas, regulamentos e técnicas em causa e aplicáveis à atividade que se desenvolvia no momento do acidente, e referentes ao concreto solvente que estava a ser utilizado, tal como se fez na acusação deduzida
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Em face do exposto, salvo o devido respeito, não assiste razão à Mma Juiz quando afirma de forma perentória que a acusação “omite a indicação da disposição legal ou regulamentar violada, ou seja, não faz referencia a elementos integradores do tipo objetivo, a saber, a indicação das concretas regras legais violadas, prescrições das mesmas decorrentes para os arguidos, e que os mesmos não terão adotado, segundo o Ministério Público, na acusação em análise.” 29. Com efeito, a acusação em apreço não é de todo omissa quanto às normas legais aplicáveis
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Não obstante, e ainda que se concordasse com entendimento explanado pela Mma Juiz de Instrução sempre se teria de concluir que estaríamos, quanto muito, perante um caso de deficiente indicação, que não integra a nulidade prevista no art. 283º nº 3 do CPP
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A deficiente indicação, por um lado, não vem prevista como causa de rejeição e, por outro, também não integra. qualquer nulidade ou irregularidade, conforme é fácil de ver com a leitura dos artºs 118º a 123º, pelo que a decisão instrutória ora recorrida decidiu com base em exagerados formalismos
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O entendimento sufragado pela Decisão instrutória ora recorrida esvazia de sentido a norma prevista no artº 303º do Código de Processo Penal, que encontra semelhante mecanismos previstos nos arts. 358º e 359º do mesmo diploma legal, no que...
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