Acórdão nº 698/17.0PBSTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelFÁTIMA BERNARDES
Data da Resolução13 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Nestes autos de processo comum, n.º 698/17.0PBSTR, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém - Juízo de Competência Genérica ..., foi o arguido AA, melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, com a intervenção do Tribunal Singular – tendo o Ministério Público usado da faculdade prevista no artigo 16º, n.º 3, do CPP –, estando o arguido acusado da prática, como autor material e em concurso efetivo, de um crime de abuso sexual de crianças, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 2, do Código Penal e de um crime de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 171º, n.º 2, 22º, 23º e 73º, todos do Código Penal.

1.2. A ofendida BB constituiu-se assistente nos autos e deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de €10.000,00 (dez mil euros), por danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

1.3. Realizado o julgamento, foi proferida sentença em 22/03/2022, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo: «(...) decide o Tribunal julgar a acusação procedente, por provada e, em consequência: a) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de abuso sexual de crianças, nos termos do artigo 171.º, n.º 2, do C.P., na pena de quatro anos e seis meses de prisão efectiva.

  1. Condenar o demandado AA no pagamento à demandante BB da quantia de 10.000,00€ (dez mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.

  2. condenar o arguido por custas criminais, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida, tendo em conta a complexidade da causa (artigos 513.º do Código de Processo Penal (C.P.P.) e artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P)).

  3. Condenar o arguido por custas cíveis, pelo mínimo legal.

    (...).» 1.4. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo, da motivação do recurso, as seguintes conclusões: «i. O recorrente foi condenado na pena de prisão efetiva de 4 anos e 6 meses, pela prática do crime de abuso sexual de crianças; ii. O arguido negou a prática dos factos afirmando que mantinha uma boa relação com a ofendida.

    iii. A ofendida residia em casa do arguido, mantendo uma relação muito próxima da filha do arguido com quem dormia já que são de idade próxima.

    iv. Dos elementos constantes dos autos e bem assim da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, salvo melhor opinião não dispunha o Tribunal recorrido de elementos bastantes que conduzissem, de forma inequívoca, à condenação do arguido conforme foi decidido.

  4. O Tribunal recorrido ter atendido às declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento pelo próprio arguido, que negou perentoriamente a prática dos factos.

    vi. As demais testemunhas em nada acrescentaram nos seus depoimentos em particular conhecimento direto e pessoal da factualidade vertida na acusação pública, pelo que não deverão atendíveis quanto à apreciação da prova em desfavor do arguido.

    vii. Por sua vez, o Tribunal alicerçou a sua convicção nas declarações prestadas pela ofendida, que de forma genérica confirmou o teor da Douta acusação pública, e bem assim no teor da perícia psicológica realizada à menor, o que, diga-se, não conduz, efetivamente, à solução jurídica que o tribunal recorrido acolheu.

    viii. Do teor do relatório pericial psicológico realizado à menor resulta, nas suas conclusões, quanto ao apuramento de a ofendida estar a inventar ou fantasiar a ocorrência dos factos melhor descritos na acusação, factos de natureza sexual, que, “Atendendo à idade da examinanda e aos seus processos cognitivos podemos afirmar uma elevada probabilidade de que os factos narrados correspondem a uma situação vivenciada e não a uma mentira, fantasia ou sugestionamento. Constata-se ainda a congruência das informações centrais em diferentes momentos da avaliação e relativamente aos dados de outras fontes. Assim, analisando os depoimentos da BB à luz dos indicadores da credibilidade do testemunho, verifica-se que estes apresentam características comuns dos relatos verdadeiros, tais como, estrutura lógica, linguagem adequada ao nível desenvolvimental, afecto apropriado, pormenores sobre os protagonistas, contextos, circunstâncias e sequencias de interacções.” – vide relatório de fls. 142 a 157 (Ponto 3 das Conclusões) ix. Ora ressalta do teor do mencionado relatório a existência de uma elevada probabilidade, sendo certo que no âmbito jurídico-penal as condenações apenas poderão decorrer de certezas e não de meras convicções do julgador.

  5. A simples probabilidade, ainda que elevada, constante das conclusões do relatório não permite ao Tribunal formar a convicção, segura, de que de facto, os factos ocorreram, pois que tal afirmação, suscita-nos sempre uma dúvida incontornável! xi. O princípio in dubio pro reo é desrespeitado no caso vertente dos autos porquanto o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível – atenta a conclusão do relatório pericial -na apreciação das provas, decidiu, em tal situação, contra o arguido, condenando-o em pena de prisão.

    xii. O princípio in dubio pro reo é o correlato processual do princípio da presunção da inocência do arguido.

    xiii. Gozando o arguido da presunção de inocência (artigo 32, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), toda e qualquer dúvida com que o tribunal fique reverterá a favor daquele.

    xiv. O princípio in dubio pro reo, enunciado por Stubel no século XIX, constitui um princípio probatório segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto deve ser sempre valorada favoravelmente ao arguido.

    xv. O princípio in dubio pro reo é, no caso vertente dos autos desrespeitado porquanto o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível - resultante do relatório pericial e posição assumida nos autos oposta por ofendida e arguido - na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido - Ac. STJ de 18/3/98 in Proc 1543/97, www.dgsi.pt.

    xvi. Ainda que assim se não entendesse e se considerasse cristalina a prova vertida na acusação entende-se que não será de aplicar ao arguido pena de prisão efetiva como determinou o Tribunal recorrido, mas antes a aplicação da suspensão da execução da pena que, salvo o devido respeito acautelaria suficientemente os interesses de prevenção geral e especial que o caso merece.

    xvii. Os factos a que se reportam os autos respeitam de acordo com conclusão do inquérito constante de fls., ao período compreendido aproximadamente entre 04/06/2004 e 04/06/2015, sem que desde então tenha havido notícia de que haja o arguido voltado a cometer ou fosse indiciado da prática de crimes de idêntica natureza.

    xviii. Atenta esta factualidade haveria que fazer um juízo de prognose que possibilitasse aferir da reintegração do arguido e do seu comportamento social, em particular neste tipo de crime, que indiciasse a sua reiteração ou não – claro está na perspectiva de que o tivesse cometido.

    xix. É pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.

    xx. Pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o que salvo o devido respeito será bastante para afastar o arguido da reincidência no que se refere a este tipo de ilícito.

    xxi. A prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes.

    xxii. A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida xxiii. O recorrente encontra-se inserido socialmente, tendo atividade profissional estável, estrutura familiar e filhos menores ao seu encargo.

    xxiv. A suspensão da execução da pena poderá revestir diversas naturezas.

    xxv. A pena de suspensão assume a categoria de pena autónoma, apartando-se da ideia de que se possa constituir como “[…] um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição” – (Cfr. Figueiredo Dias “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas – Editorial Noticias, 1993,90); xxvi. Sendo a suspensão da execução da pena sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta estas podem ser modificados até ao termo do período de suspensão o que acautelará as necessidades de prevenção geral e especial que o caso em apreço merece.

    xxvii. É possível ao arguido, caso se considere que este cometeu o ilícito por que foi condenado, ser-lhe aplicada pena não privativa da liberdade mediante a aplicação de medidas acessórias que o Tribunal recorrido não chegou a considerar como válidas.

    xxviii. Verifica-se existir um juízo de prognose favorável ao arguido atenta a data da prática do crime que lhe vem imputado e bem assim a ausência de posteriores condutas criminosas da mesma natureza o que deveria ter sido considerado a seu favor na perspetiva da não aplicação de pena privativa da liberdade.

    xxix. Não resultam factos insofismáveis que permitam com toda a segurança concluir que o arguido tenha cometido os factos que lhe são imputados e por que foi condenado, pelo que se imporá a sua absolvição.

    xxx. A sentença recorrida...

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