Acórdão nº 282/19.4GBSSB.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução27 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Comum Singular n.º 282/19.4GBSSB da Comarca de Setúbal Juízo de Competência Genérica de Sesimbra - Juiz 2, relativo ao arguido AA[1], em obediência ao determinado por Acórdão desta Relação de Évora de 9.3.2021, foi proferida nova sentença que na parte do dispositivo decidiu: “a) condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152º nº 1, alínea b) e nº 2 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova assente em plano de reinserção social a elaborar pelos técnicos da Direcção-Geral de Reinserção Social; b) condenar o arguido AA pela prática em autoria material de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347º, nº 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, substituída por 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia total de € 600,00 (seiscentos euros); c) declarar extintas as medidas de coação de proibição de contactos com a assistente BB e obrigação de apresentações quinzenais junto do OPC da sua residência; d) declarar perdidas a favor do Estado as armas apreendidas nos autos; e) (…); f) julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por BB, e condenar o arguido a pagar à demandante a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de compensação por danos não patrimoniais.

  1. Absolver o demandado do demais peticionado.

  2. condenar demandante e demandado no pagamento das custas do pedido de indemnização civil na proporção do respectivo decaimento (artigo 446º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 523º do Código de Processo Penal). (…) - solicite à DGRSP a elaboração, no prazo de 30 (trinta) dias, do plano de reinserção e frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica; - comunique à SGMAI, sem dados nominativos, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 37º, nº 1 da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro.

Consigna-se que, após o trânsito em julgado da presente decisão, a medida de coação a que o arguido se encontra sujeito de termo de identidade e residência mantém-se até à extinção da pena, ao abrigo do disposto nos artigos 196.º, n.º 3, alínea e), e 214.º, n.º 1, alínea e), ambos do Código de Processo Penal.”.

  1. Do recurso 2.1. Das conclusões do arguido Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “I. O presente recurso vem interposto da sentença datada de 25 de Fevereiro de 2022, que manteve a condenação do arguido pela prática, como autor material, de um crime de violência doméstica p. e p. pela alínea b) do n.º 1 e 2 do art. 152.º do CP, na pena de 3 (três) anos de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, e pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo n.º 1 do art. 347.º do CP, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, substituída por 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros), perfazendo a quantia total de 600,00€ (seiscentos euros).

    1. Manteve ainda a condenação do Arguido no pagamento, à Demandante BB, da quantia de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros), a título de compensação por danos não patrimoniais.

    2. O presente Recurso tem como objecto toda a matéria do Acórdão Condenatório proferido nos presentes autos.

    3. O Tribunal a quo refere ter formado a sua convicção, relativamente aos factos provados e não provados na sentença ora em crise, na globalidade da prova produzida em sede de audiência de julgamento e na livre convicção que o Tribunal granjeou obter sobre a mesma.

    4. O ora Recorrente considera que a supra referida prova, salvo o devido respeito, não foi apreciada e valorada de forma correcta.

    5. Verifica-se uma clara e evidente contradição entre os factos provados (ponto 10) e não provados (ponto 7), que, indubitavelmente, conduz a uma contradição insanável da fundamentação apresentada pelo Douto Tribunal a quo.

    6. Destarte, o Tribunal a quo violou, de forma ostensiva, o preceituado na alínea b) do n.º 2 do art. 410.º do C.P.P.

    7. Devendo os factos constantes no ponto 10 dos factos provados, ser dados como não provados, retirando-se de tal alteração os devidos e legais efeitos.

    8. Os factos constantes dos pontos 2 e 7 dos factos provados consubstanciam factos genéricos e conclusivos.

    9. O que viola o disposto na alínea b) do n.º 3 do art. 283.º do CPP e fere de nulidade os factos acima enunciados.

    10. Viola de igual forma, o princípio do processo justo e equitativo, quer por imposição constitucional, resulta do disposto no n.º 1 do art. 31.º da CRP, quer por via do art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    11. Os factos dados como provados nos pontos 2 e 7, por se tratarem de factos genéricos, vagos e sem qualquer possibilidade de concretização, não são susceptíveis de fundarem a condenação, pelo que devem ser dados por não escritos.

    12. O teor dos depoimentos quer da ofendida, quer das testemunhas de acusação não fundamentam, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum e o princípio da livre apreciação da prova, os factos dados como provados.

    13. Motivo pelo qual os factos dados como provados nos pontos 2 a 5 e 7 a 15 deveriam ter sido dados como não provados.

    14. A isso impunha a correcta valoração da prova produzida e examinada em conjugação com o princípio da livre apreciação.

    15. Dada a relevância dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento impõem-se a sua reapreciação na sua totalidade, uma vez que apenas do contexto global das declarações será possível chegar às conclusões aqui defendidas.

    16. O Tribunal a quo considerou que o tipo de crime pelo qual o ora Recorrente vinha acusado se verificou em virtude da reiteração das condutas dadas como provadas, humilhando e atingido a ofendida na sua honra e consideração, bem como afectou seriamente a mesma na sua dignidade, uma vez que ao molesta-la fisicamente provocou-lhe inquietação, medo e perturbação psicológica.

    17. Sucede, no entanto, que, o próprio douto Tribunal a quo deu como não provados os factos 8 a 10, 13 e 14, ou seja, os factos que suportavam a existência desse medo, inquietação e perturbação psicológica.

    18. As regras da experiência comum só poderiam ter conduzido à conclusão contrária daquela que foi adoptada pelo Douto Tribunal a quo, designadamente que a terem ocorrido tais situações se trataram de actos isolados e sem qualquer carácter de reiteração.

    19. Andou mal o Tribunal a quo e violou o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do art. 410.º do C.P.P.

    20. O princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º do C.P.P. deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante e onde não se vislumbre qualquer vestígio de arbítrio ou subjectividade na apreciação da prova.

    21. O Tribunal a quo ao analisar e ponderar a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento de forma errónea e contraditória violou, flagrantemente, não só o disposto no art. 127.º, bem como o disposto no art. 410.º, ambas as disposições do C.P.P.

    22. A prova testemunhal produzida em sede de julgamento foi incorrectamente apreciada e valorada pelo tribunal a quo, pelo que se impõe sua reapreciação na sua totalidade, uma vez que apenas do contexto global das declarações será possível chegar às conclusões aqui defendidas.

    23. Sem prescindir, e por mero dever de patrocínio, atendendo aos factos provados em 3 a 5 e 1 a 16, considera-se não demonstrado provado o elemento volitivo subjacente ao crime de violência doméstica, ou seja, não se provou que o Arguido, ao actuar da forma ce nas situações descritas, sabia e queria maltratar física e psicologicamente, de forma reiterada, a ofendida, e a violar os deveres de respeito e solidariedade que lhe sabia incumbirem, querendo agir da forma por que o fez.

    24. De facto, não resultou provado que os 2 episódios aí ilustrados revestem gravidade suficiente para serem “rotulados” de violência doméstica, ou seja, que possuem aquele plus em termos de perversidade ou crueldade que a sua tutela já não possa ser assegurada pelo tipo de ilícito parcelar.

      Assim, o elemento subjectivo do tipo de ilícito pelo qual foi condenado não se mostra preenchido, pelo que deveria o Tribunal a quo ter operado à desqualificação do mesmo, condenando o Arguido pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º do C.P..

      Assim, ainda que se considerasse que a decisão ora em crise não merece qualquer censura, o que expressamente se rejeita, verifica-se que o Tribunal recorrido violou o preceituado no n.º 3 do art. 410.º do C.P.P., ferindo de nulidade a decisão proferida.

      Analisada toda a prova produzida, e espelhada na motivação da matéria de facto do Tribunal a quo, ficou provado que “os militares da patrulha da Guarda Nacional Republicana deram voz de detenção ao arguido, tendo sido informado que iria ser transportado para o Posto, sendo que, nesse momento, o arguido tentou impedir os militares de consumarem a detenção, tendo empurrado os militares por várias vezes, com grande agressividade e violência, não tendo conseguido, todavia, lograr os seus intentos, face à circunstância dos militares terem conseguido manietá-lo e algemá-lo e consumado tal detenção.

      Não ficou provado que o comportamento do arguido, ora recorrente, tenha assumido tais contornos de violência ou ameaça grave que a norma exige, nem se pode considerar a conduta do arguido, num contexto de ânimos exaltados, como violência ou ameaça grave.

      Nunca os militares da GNR afirmaram que o arguido, ora recorrente, usou de violência ou ameaça grave...

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