Acórdão nº 103/16.0 GAMAC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA FILOMENA SOARES
Data da Resolução05 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora: I No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 103/16.0 GAMAC, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Abrantes, mediante acusação pública, precedendo pedido de indemnização civil [formulado pelo arguido/demandante JM contra o arguido/demandado RR, peticionando deste o pagamento da quantia de € 1 000,00, a título de reparação dos danos não patrimoniais sofridos], e apresentação de contestação [por banda do arguido RR], foram submetidos a julgamento os arguidos JM e RR, (devidamente identificados a fls. 233), e por sentença proferida e depositada em 15.01.2018, foi decidido: “(…) decido julgar a acusação pública parcialmente procedente e, em consequência, condenar: 1. o arguido JM pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada p. e p. nos artigos 153.°, n.º 1, e 155.°, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o total de € 1 200 (mil e duzentos euros); 2. o arguido RR pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada p. e p. nos artigos 153.°, n.º 1, e 155.°, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros), perfazendo o total de € 1 000 (mil euros); 3. ambos arguidos no pagamento de 2 U.C.'s de taxa de justiça (CADA UM) e nos demais encargos do processo (cfr. artigos 513.° e 514.°, ambos do Código Processo Penal e artigo 8.° n.º 9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

Quanto ao pedido de indemnização civil: 4. Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil, por não provado e absolver o demandado do pedido de indemnização civil contra si formulado pelo demandante civil; 5. Condenar o demandante pelas custas respeitantes ao pedido de indemnização civil, sem prejuízo da isenção prevista no artº 4°, n° 1, al. n) do RCP; (…)”.

Inconformado com a decisão, dela recorreu (apenas) o arguido RR, extraindo da respectiva motivação de recurso as seguintes conclusões: “1 ª. O recorrente não se conformando com a douta decisão recorrida, recorre da matéria de direito.

  1. E desde logo nos termos do artigo 410º, n.º 2, al. b) do CPP, da contradição insanável da contradição entre a fundamentação e a decisão, que resulta do texto da douta decisão recorrida, que condenou o recorrente num crime de ameaça agravada p. e p. nos termos dos artigos 153º e 155º do CP.

  2. A matéria de facto, em termos objectivos, constante dos pontos 1. a 6. dos factos dados como provados, resultou da "PROVA DOCUMENTAL, cujo teor não foi impugnado - Auto de pesquisa de telemóvel de fls. 22 e relatório de fotográfico de fls. 23 a 27, do qual se extrai o teor dos SMS enviados pelo número, bem como o dia e hora enviado e pelo nº 925---.

    - Informação de fls. 84, prestada pela MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia, SA, da qual consta que o nº de telemóvel associado ao envio das SMS pertence ao arguido RR.

    Testemunhal: MGC 4ª A matéria constante dos pontos 7. a 12. da matéria de facto dada como provada são de acordo com o que resulta do texto da douta decisão recorrida, o elemento subjectivo, tendo os mesmos factos sido apurados com base nas regras da experiência comum com base nos anteriores factos.

  3. No entanto, decorre da douta sentença em crise que não foi tido em conta o depoimento/declarações do arguido/ofendido JM.

  4. Porquanto, da fundamentação enunciada pelo tribunal a quo na referida sentença, le-se o seguinte: “Também as suas declarações não lograram convencer o Tribunal do medo sentido e efeitos psicológicos com a conduta perpetrada pelo coarguido RR tal como relatados por JM, porquanto manifestamente exagerados e hiperbólicos, não tendo qualquer suporte na demais prova apresentada. Daí se ter dado como não provado os factos constantes nas alíneas b) e c).

    Ao invés, as condições pessoais" 7ª O que resulta da declaração anterior, é que o medo e os efeitos psicológicos decorrentes da ameaça referidos pelo arguido JM não foram considerados para todos os factos, (nomeadamente, o ponto 10. e 11. da matéria dada como provada), mas apenas para o pedido de indemnização civil.

  5. O que resulta da palavra "Também" com que se inicia este parágrafo, leva-nos a outras expressões utilizadas pela Mª. Juiz a quo nesta parte da fundamentação, ao descredibilizar o depoimento do arguido JM em relação aos factos, veja-se, por exemplo: 'Tratou-se de um depoimento confuso, contido e aturdido, o qual não mereceu credibilidade.

    " ; "que a sua versão não encontra qualquer correspondência com a realidade." “A explicação apresentada por este arguido não convenceu por falta de realismo" 9ª Logo, com base nos factos objectivos dados como provados, não se percebe como se chegou à intenção subjectiva dos arguidos nos factos 7. a 12., sobretudo no que se refere ao medo = atemorizar ou ainda um sentimento de insegurança e inquietação que coibia a sua liberdade de determinação ou o intuito concretizado de incutir no mesmo um fundado receio de que um mal futuro lhe sucederia, nomeadamente à sua própria vida.

  6. E isto porque, conforme decorre de toda a jurisprudência produzida pelos tribunais superiores, se encontra amplamente determinada em que consiste o crime de ameaça agravada e quando é que esta ameaça é penalmente relevante.

  7. Da mesma jurisprudência decorre que com a reforma de 1995 do Código Penal, deixou de se exigir que o ameaçado tivesse que ter medo.

    Os requisitos deste tipo de crime encontram-se especialmente bem enunciados no douto Ac. do TRP de 09/07/2014.

  8. O que se passou a exigir foi que a acção ameaçadora seja idónea a lesar ou afectar, de modo relevante, a tranquilidade individual ou a liberdade de determinação do sujeito passivo, não sendo necessário, em concreto, que tenha provocado medo ou inquietação.

  9. Assim, o critério para se aferir da adequação da ameaça para provocar medo e inquietação (...) deverá ser objectivo-individual. Critério que resulta de uma exposição do Prof. Américo Taipa de carvalho in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999.

  10. Ora, diz este Mestre que, se deve considerar "a conduta na sua globalidade, o contexto em que a mesma acontece, e a idiossincrasia e modos de ser e estar dos ameaçandos e dos ameaçados, por referencia ao homem comum, ao cidadão normal que não menospreza uma ameaça verbal de morte, mas também é capaz de relativizar e distinguir o que é uma ameaça séria e uma fanfarronice." 15ª Ora, também de acordo com o AC TRP de 25/02/2015 "A ameaça é adequada a provocar medo ou inquietação de acordo com um critério objectivo, do homem médio mas tendo em conta as caracteristicas do ameaçado.

  11. Isto é, ameaça adequada é sempre aquela que de acordo com as regras da experiência comum seja susceptivel de ser tomada a sério pelo ameaçado, tendo em conta as caracteristicas do ameaçado e conhecidas do agente.

  12. Mª. Juiz a quo, na sua fundamentação de direito da decisão em crise, cita o mesmo Mestre, e faz a adopção do critério objectivo-individual.

  13. Porém, quando fez a subsunção dos factos ao tipo incriminador cuja prática foi imputada ao ora recorrente na sua qualidade de arguido, não atendeu ao referido objectivo-individual nem o fundamentou.

  14. Porquanto, não obstante se terem dado como provadas as mensagens do telemóvel em nome do arguido, e sem por em causa a autoria e não autoria do ora recorrente, a verdade é que, como se vem, expondo, não decorre das declarações do ofendido JM o medo que teve resultante das mensagens, porque o tribunal não considerou as suas declarações como válidas, não obstante as mensagens recebidas.

  15. Por outro lado, de acordo com o critério objectivo - individual, não resulta do texto da decisão recorrida, qualquer regra ou apreciação quanto às caracteristicas pessoais e sóciopsicológicas quer do arguido aqui recorrente, quer do ofendido JM, pelo que se pode concluir que não foi apreciado em sede da sentença recorrida o requisito do individual.

  16. No entanto sabemos que, conforme se infere da douta sentença recorrida, ponto 16. da matéria de facto dada como provada, que o ofendido JM, por causa do seu CRC, é um homem que por factos reportados a 1998, tem vindo a ser condenado por vários crimes de ameaça agravada e um deles por ofensas à integridade física.

  17. Nada mais sabemos, porque nada mais se infere da douta sentença além das condições económicas de ambos os arguidos - pontos 13. e 14. da matéria de facto dada como provada.

  18. Pelo que, não pode dizer-se que o tribunal a quo se tenha socorrido na fundamentação da douta sentença recorrida da presunção natural, (designadamente, a idade do arguido, experiência criminal respectiva e experiência de vida que possa ter fundamentado a convicção do tribunal), porquanto, não consta da mesma.

  19. Na fundamentação da douta sentença recorrida, não existem elementos lógicos ou factos que tenham levado de uma forma lógica, através do requisito individual, a dar como provados os factos constantes dos pontos 10., 11. e 12. da matéria dada como provada.

  20. Uma vez que não foram analisadas as condições psicológicas do ameaçado - JM - e as caracteristicas conhecidas do agente/recorrente, uma vez que também é o único a ter o registo criminal limpo.

  21. Por sua vez "A atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face as regras da experiência comum" - Ac do TRP de 21/04/2004, disponível in www.dgsi.pt.

    processo n.º 0314013 27ª O que se pretende afirmar é que não se pretende com este recurso por em causa as regras da experiência e a livre convicção do tribunal na apreciação da prova nos termos do artigo 127º do CPP, antes pelo contrário, mas não se pode...

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