Acórdão nº 2749/15.4T9FAR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Julho de 2019

Data11 Julho 2019

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO.

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº 2749/15.4T9FAR, do Juízo Local Criminal de Faro (Juiz 3), o Ministério Público e o arguido MM recorrem da sentença proferida nesses autos (sentença datada de 20-02-2019).

Em tal sentença foi decidido: “Face ao exposto, julgo o pedido de indemnização civil formulado nos autos totalmente procedente, por provado nos termos expostos e, em consequência, condeno os arguidos/demandados no pagamento ao Instituto de Segurança Social, I.P., da quantia de € 37.152,16 (trinta e sete mil cento e cinquenta e dois euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados nos termos supra expostos, contabilizando-se os vencidos até setembro de 2016 em € 4.795,79 (quatro mil setecentos e noventa e cinco euros e setenta e nove cêntimos).

Fixo ao enxerto cível o valor de € 41.947,85 (quarenta e um mil novecentos e quarenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos).

Custas referentes ao pedido de indemnização civil a suportar pelos arguidos/demandados.

Deposite e notifique”.

* O arguido MM extrai da motivação do recurso as seguintes conclusões (em transcrição): “I - Ocorre inconstitucionalidade do artigo 373º, nº 2, do CPP, quando interpretado no sentido de que pode a Mmª Juiz, ao invés de fixar data para a leitura da sentença e de proceder à mesma publicamente, substituir tal formalidade pelo simples envio da decisão escrita aos mandatários.

II - Ocorre nulidade da decisão recorrida, uma vez que a sentença não foi lida publicamente ao arguido, em violação do nº 2 do artigo 373º do CPP.

III - Mesmo que ocorresse apenas irregularidade, desde já se deixa expressamente invocada tal irregularidade, nos termos do artigo 123º, nº 1, do CPP, devendo a mesma ser declarada, com a consequente invalidade do ato a que se refere, no caso a prolação da sentença sem leitura pública, e, bem assim, de todos os seus termos subsequentes.

IV - Porém, existe nulidade. As normas quanto à leitura da sentença têm que ver com aspetos fundamentais da aplicação da justiça, que, sendo feita para a comunidade, esta deve conhecer o resultado da aplicação dela, devendo este resultado ser sempre tornado público. O que decorre do artigo 202º da Constituição da República Portuguesa.

V - E ainda das normas dos artigos 372º, nº 3, e 373º, nº 2, do CPP, de onde decorre que há nulidade, declarada por lei, sempre que, mesmo que fosse em súmula, não seja feita publicamente pelo menos a leitura da fundamentação e do dispositivo.

VI - Ora, no caso vertente, o Tribunal achou dispensável a leitura, substituindo-a por mera notificação escrita aos defensores dos arguidos, o que contende frontalmente com formalidades essenciais da aplicação da justiça, notadamente com o carácter público da revelação do seu resultado, imposto quer pelas normas constitucionais, quer ainda pelo direito ordinário previsto no CPP.

VII - Deixa-se assim invocada e arguida para todos os legais efeitos a referida nulidade, decorrente da falta de leitura da decisão ora notificada ao arguido através dos seus mandatários, devendo a mesma ser declarada neste recurso, e invalidados, por esse motivo, quer a própria notificação, por falta de leitura, quer todos os atos subsequentes que dela dependerem.

VIII - Tudo o que se alega nos termos dos artigos 120º e 122º do CPP.

IX - Ocorre também inconstitucionalidade do artigo 373º, nº 2, do CPP, quando interpretado no sentido de que pode a Mmª Juiz, ao invés de fixar data para a leitura da sentença e de proceder à mesma publicamente, substituir tal formalidade pelo simples envio da decisão escrita aos mandatários.

X - Sempre o Tribunal tinha obrigação de marcar data para a leitura da sentença, não só para o público, mas também para o próprio arguido, que esteve nas anteriores sessões de julgamento e que tem o direito de estar presente, na data que for fixada, para ouvir essa leitura e as explicações e/ou exórdios ou exortações que o Tribunal entenda dever fazer-lhe.

XI - Se tivesse sido marcada essa data e, notificado dela, o arguido tivesse faltado, aí sim, poderia o Tribunal sem reparo fazer a notificação apenas na pessoa do seu defensor, não ocorrendo aí qualquer inconstitucionalidade. Aliás, quanto a esta hipótese já se pronunciou o Tribunal Constitucional, em Acórdão publicado no DR, II Série de 11-11-2008.

XII - Ora, o caso presentemente em recurso é diametralmente oposto àquele que refere o TC no seu Acórdão: no caso presente, nem sequer o Tribunal “a quo” marcou qualquer data para leitura de sentença a que o arguido devesse estar presente. O que significa que mesmo querendo ele estar presente, não teve o arguido sequer essa hipótese.

XIII - Pelo que, a contrario e tendo como referência o douto Acórdão do TC, se concluiu que existe inconstitucionalidade do artigo 373º, nº 2, do CPP, quando interpretado no sentido de que pode a Mmª Juiz, ao invés de fixar data para a leitura da sentença e de proceder à mesma publicamente, substituir tal formalidade pelo simples envio da decisão escrita aos mandatários. Inconstitucionalidade que se deixa aqui invocada para todos os legais efeitos, devendo a mesma ser declarada.

Termos em que deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, devem declarar-se a nulidade e inconstitucionalidade invocadas, com as suas legais consequências, ou, caso assim se não entenda, deve declarar-se a irregularidade invocada; devendo revogar-se a douta decisão recorrida e determinar-se que seja marcada pela Mmª Juiz a quo uma data para a leitura da sentença a prolatar, a qual deverá ser lida publicamente nessa data. Assim se fazendo JUSTIÇA”.

* O Exmº Magistrado do Ministério Público, no seu recurso, apresentou as seguintes (transcritas) conclusões: “1 - Nos presentes autos, por Douta Sentença proferida em 04.04.2017, foi julgada a acusação totalmente procedente por provada e, em consequência:

  1. Condenado o arguido MM, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido nos termos dos artigos 107º, 105º, nºs 1, 4 e 7 do RGIT, em conjugação com o artigo 30º, nº 2, e 79º, nº 1, do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão; b) Substituída a pena de prisão por 72 (setenta e dois) períodos de prisão em Estabelecimento Prisional, com duração individual de 48 (quarenta e oito) horas, períodos esses que deverão ter início às 20 (vinte) horas de Sexta-feira e termo às 20 (vinte) horas de Domingo, a começar na primeira Sexta-feira decorridos que sejam 30 (trinta) dias após o trânsito da sentença; c) Condenada a arguida S…, Ldª., pela prática de um crime de abuso de confiança à segurança social, na forma continuada, previsto e punido nos termos dos artigos 107º, 105º, nºs 1, 4 e 7, conjugado com o artigo 7º, nºs 1 e 3, todos do RGIT, e com os artigos 11º, 30º, nº 2, e 79º, nº 1, do Código Penal, na pena de multa correspondente a 300 (trezentos) dias, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); 2 - No que respeita ao pedido de indemnização civil formulada pelo Instituto de Segurança Social, IP, ao abrigo do disposto no artigo 277º, al. e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal, foi declarada extinta a instância cível, por inutilidade superveniente da lide.

    3 - O arguido MM e o ISS, IP, vieram interpor recurso da Douta Sentença proferida em 04.04.2017, tendo o Venerando Tribunal da Relação de Évora proferido Acórdão em 20.02.2018 que negou provimento ao arguido e concedeu provimento ao recurso interposto pelo ISS, IP, determinado que, em face dos factos sedimentados, fosse apreciado o pedido de indemnização civil formulado.

    4 - Após a devolução dos autos à primeira instância, pela Mmª Juiz foi proferido despacho a dispensar a realização de audiência para Leitura de Sentença e proferiu de imediato Sentença tendo por objeto apenas aquele enxerto cível.

    5 - Para tanto, o Tribunal a quo proferiu um despacho prévio a justificar os motivos da não designação da data para Leitura da Sentença e que tal apenas configurava uma mera irregularidade.

    6 - Ora, contrariamente ao pugnado pela Mmª Juiz, entendemos que a preterição da leitura formal da Sentença configura uma nulidade insanável, por violação da regra da publicidade do processo, e não uma mera irregularidade.

    7 - Na verdade, se não é legalmente admissível a realização da leitura mediante participação pelo Mmº Juiz através de videoconferência (conforme Douto Acórdão proferido em 04.12.2018, no Venerando Tribunal da Relação de Évora, no processo 236/17.5T9STC-A.E1, relator João Amaro, disponível em dgsi.pt), por maioria de razão não é admissível a total preterição desse ato.

    8 - Sendo a leitura da sentença parte integrante da audiência de julgamento, verifica-se que o despacho prévio proferido em 20.02.2019 padece de nulidade insanável, em virtude de ter prescindido da publicidade da audiência de julgamento.

    9 - A leitura formal e pública da sentença deve ocorrer mesmo nos casos em que haja anulação parcial de Sentença para decisão de matéria apenas de natureza civil e mesmo que não exista necessidade de produção de prova ou de alegações.

    10 - Desta forma, violou o...

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