Acórdão nº 22/16.0GAGDL.E3 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelGILBERTO CUNHA
Data da Resolução11 de Julho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: RELATÓRIO.

Decisão recorrida.

No processo sumário nº22/16.0GAGDL, procedente do Juízo de Competência Genérica de Grândola (juiz-1) do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o arguido GR, com os sinais dos autos, sob acusação formulada pelo Ministério Público foi submetido a julgamento perante tribunal singular, vindo depois das vicissitudes que os autos documentam, por sentença proferida em 012-07-2018, a ser julgada procedente por provada e em consequência a ser decidido, para o que aqui releva, o seguinte: 1. Condenar o arguido pela prática como autor material, na forma consumada e em concurso real, dos seguintes crimes nas seguintes penas: a) - um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código da Estrada, com referência ao artigo 348.º, n.º 1, al. a) e artigo 69.º, ambos do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa e na pena acessória de 3 (três) meses de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados; b) - um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 2, do Código Penal e artigo 14.º, n.º 2 da Lei n.º 63/2007, de 06.11., na pena de 90 (noventa) dias de multa; e c) - um crime de injúria agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 181º, n.º 1, e 184º, ex vi 132º, nº 2, al. l), todos do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa.

  1. Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenar o arguido na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de 6€ (seis euros), o que perfaz o montante total de 720€ (setecentos e vinte euros) e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses.

    Recurso.

    Inconformado com essa decisão dela recorreu o arguido pugnando pela absolvição da prática daqueles crimes, rematando a motivação com a formulação das seguintes conclusões, apresentadas na sequência do convite para aperfeiçoamento das que havia anteriormente apresentado: i. Da nulidade da sentença.

    1. A nova sentença continua a ser nula, por ausência absoluta de fundamentação de facto porquanto dá como não provados os factos simplesmente porquanto não dá credibilidade à versão do arguido quando em confronto com a versão do militar C; desconhecendo-se, contudo, os elementos de prova que em maior ou em menor grau, elucidaram o julgador e porque o elucidaram, isto, de forma a possibilitar a compreensão de ter sido preterida uma versão em relação a outra e de ter sido proferida uma decisão e não outra.

      ii. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

    2. Em face da prova carreada para os autos e neles produzida, crê o arguido que o tribunal a quo julgou incorretamente os factos dados como provados nos pontos 3 a 20, sendo que impõem decisão diversa da recorrida: I. O testemunho do Militar P. ATA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO, de 14.07.2016, declarações prestadas entre as 17:09 horas e as 17:42 horas No minuto 00:02:06: - No minuto 00:03:47: - No minuto 00:04:21: - No minuto 00:05:02: - No minuto 00:05:28: - No minuto 00:05:43 - No minuto 00:07:11:Minuto 00:05:52: No minuto 00:06:26: - No minuto 00:07:31: No minuto 00:08:51: - No minuto 00:15:40: - No minuto 00:16:47: - No minuto 00:06:26: - No minuto 00:23:50: - No minuto 00:24:48.

      1. O testemunho do militar C. ATA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO, de 14.07.2016, declarações prestadas entre as 16:01 horas e as 16:51 horas no minuto 00:03:38: - No minuto 00:08:14: -.

    3. Relativamente à ordem de identificação, ao seu fundamento e à desobediência do arguido, estas testemunhas relatam versões distintas e contraditórias. Sendo que a versão do militar C, à qual o tribunal a quo aderiu por completo, não encontra qualquer respaldo noutro elemento probatório dos autos. Para além de que esta testemunha, em face da sua posição em relação aos factos, demonstra menor imparcialidade. Já a versão do militar P não é de todo verosímil. É, pois, clarividente que ambas versões se encontram vazias de coerência lógica e factual.

    4. Da prova constante dos autos e decorrente dos indicados meios de prova deveria ter sido antes dado como provado que: - No local dos factos, o militar C não determinou que o arguido se submetesse ao exame de pesquisa do álcool no sangue.

      - Logo, o arguido não se recusou submeter a tal teste.

      - Nem foi advertido de quaisquer consequências decorrentes de uma tal recusa.

      - Nem foi justificado a ordem de identificação.

      - Em momento algum, o arguido manteve uma postura de conflito ou de desafio.

      - O arguido não inviabilizou a realização do exame ou a obtenção da identificação.

      - É no posto da GNR que o militar C, pela 1.ª vez, determina a submissão do arguido ao teste ao álcool no sangue.

      - E fê-lo sem informar o arguido dos seus direitos.

      - Nomeadamente, da possibilidade de se recusar a realizar o teste e das consequências dessa recusa.

      - Informação que apenas foi prestada posteriormente pelo militar P quando o arguido já se encontrava na sala para realização do teste.

      - Em momento algum, o arguido manteve a recusa de realização do teste.

      - Em momento algum, o arguido manteve a recusa de identificação.

      - O arguido não sabia e nem estava obrigado a identificar-se nos termos relatados.

      - O arguido nunca quis, nem violou qualquer ordem regular e dirigida legitimamente.

      - Aliás, nenhuma ordem regular e legitimamente lhe foi transmitida ou dirigida.

      - O arguido não atuou contra lei ou contra qualquer comando regular e legítimo.

      - E o arguido não quis ofender, nem ofendeu o militar na sua dignidade, honra e/ou consideração.

      iii. Da matéria de direito.

    5. Em face dos factos e das provas, é forçosa a conclusão de que o tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente os art.º 152.º/1-a/3 do Cód. da Estrada, bem como o art.º 49.º do RGCO, além dos artigos 348.º/1-a/2, 69.º, 181.º/1, 184.º, ex.vi 132.º/2-l do Cód. Penal, e ainda o art.º 14.º/2 da Lei n.º 63/2007, de 06.11 pois se a autoridade policial pode exigir ao suspeito da prática de uma contraordenação a respetiva identificação, também é certo que este poder de identificar a pessoa suspeita não inclui a faculdade de o deter e de o conduzir ao posto, pois não é aplicável no proc. de contraordenação o disposto no art.º250.º/6 do CPP.

    6. Acresce também que, antes de procederem à identificação, os órgãos de polícia criminal devem provar a sua qualidade, comunicar ao suspeito as circunstâncias que fundamentam a obrigação de identificação e indicar os meios por que este se pode identificar o que não aconteceu no caso em apreço pelo que nenhuma recusa injustificada de identificação pode ser imputada ao arguido.

    7. Ademais o art.º 152.º/3 do CE não prevê a detenção do condutor que se recuse submeter às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool.

      E a realidade é que: H. Ao arguido são conferidos os direitos de constituir o seu Advogado e de por ele ser assistido e aconselhado em todos os atos processuais, direito que o mesmo fez valer e assistido e aconselhado pelo seu Advogado, o arguido identificou-se e aceitou submeter-se ao teste do álcool.

      1. Assim e porque nem toda a ordem emitida por autoridade policial implica, ipso facto, o preenchimento do tipo do art.º 348.º do Cód. Penal; haverá que proceder a um juízo de suspeição sustentado em factos concretos para verificar a prática de um crime pelo arguido J. Ora, da matéria de facto transcrita resulta que: - O sargento C, no exercício das suas funções de agente da GNR, deteve e conduziu ao Posto da GNR o arguido para efeitos de identificação; - Contra o arguido não havia fundadas suspeitas da prática de um qualquer crime; - Não pendia contra ele qualquer processo de extradição ou de expulsão; - Trata-se de cidadão português que não penetrou ou permaneceu irregularmente no território nacional; - Não pendia contra ele qualquer mandado de detenção.

      Donde resulta a impossibilidade de formar um juízo de suspeição, inexiste a obrigação de identificação, e por maioria de razão a condução de um cidadão a posto policial com a única finalidade de proceder à sua identificação.

      K.

      Pelo exposto o arguido foi detido de forma arbitrária e ilegal, altamente censurável, tanto mais que a autoridade policial conhecia o arguido, sabia onde morava e podia sempre recorrer à matrícula do veículo para identificação do seu proprietário.

      Em suma, L. O arguido não faltou à obediência devida a ordem ou mandado legítimos, nem nenhuma ordem ou mandado legítimos lhe foram regularmente comunicados, elementos necessários de serem verificados para o preenchimento do tipo do crime, violando assim a sentença recorrida o princípio da tipicidade do direito penal.

    8. O tipo de crime em questão no caso concreto conflitua com os princípios constitucionais da legalidade e da liberdade e da autodeterminação do arguido, bem como das suas garantias processuais a menos que a ordem de identificação e a detenção do arguido estejam justificados.

    9. No mais, as circunstâncias que envolvem o caso concreto justificam a resistência do arguido e o proferimento das expressões imputadas que apenas refletem a sua indignação e inconformismo.

    10. Além de que, com o merecido respeito, que é muito, crê-se que não são aptas para atingir o militar na sua dignidade, honra e consideração; nem quis o arguido ofendê-lo na sua honra ou consideração; nem quis humilhá-lo, achincalhá-lo ou desconsiderá-lo publicamente, seja no seu bom-nome, seja na sua dignidade e probidade.

    11. Não se demonstrando, portanto, o dolo; e, ainda que assim não fosse, a ação do arguido demonstra-se justificada.

      Em conclusão, Q. O tribunal recorrido devia ter concluído e decidido de forma diversa da que fez; pelo que, deve a douta sentença ser revogada e o arguido ser absolvido de todos os crimes que lhe são imputados e pelos quais vem condenado.

      Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado...

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