Acórdão nº 12/17.5GDSRP.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Março de 2019

Data26 Março 2019

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I.

RELATÓRIO No processo comum n.º 12/17.5GDSRP do Juízo de Competência Genérica de Serpa da Comarca de Beja, o Ministério Público acusou BC, casado, nascido a 19 de março de 1959…, residente na Rua…, em Brinches pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alíneas m), p), s), ad), ae), aj), n.º 2, alínea z), n.º 3, alíneas a), e), ad), 3.º, n.º 1, n.º 2, alínea s), n.º 4, alínea a), n.º 5, alínea a), n.º 6, alíneas a) e c), n.º 7, alínea a), 6.º, 7.º, 8.º, 9.ºe 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), e n.º 2 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.

Não foi apresentada contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida em 6 de novembro de 2018 e depositada a 16 de novembro de 2018, foi decidido: «A. condenar o Arguido, BC, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º n.º 1 alíneas c), d) e n.º 2 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 7€ (sete euros); B. absolver o Arguido, BC, da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º n.º 1 alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, no que refere à detenção do sabre baioneta; C. declarar perdidas a favor do Estado, nos termos do artigo 109.º do Código Penal as armas/acessórios/munições melhor identificados em 2.1.1, com exceção do sabre baioneta, atento o decidido em B.; D. Condenar o Arguido no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça de 2 (duas) unidades de conta, reduzida a metade, nos termos conjugados dos arts. 344.º, n.º 2, alínea c), 513.º e 514.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, e art.º 8.º, n.º 9, e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais; (…)» Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «1.ª O Tribunal a quo não distinguiu as armas de que o recorrente era proprietário daquelas que eram, e são, propriedade de terceiros.

  1. - Entre outras, o recorrente guardava na sua casa sita na Rua… em Brinches, Serpa, a arma de fogo de marca "Saint Etiénne", calibre 12, n.º 900097, com 76 centímetros de cano e com funcionamento tiro a tiro [arma da classe D] e a arma de fogo de marca "Raffaelli Crio", calibre 12, n.º F1409S6, com cano de 69 centímetros de funcionamento semiautomático [arma da classe D].

  2. - Ora, resulta da Informação Relativa a Armas da Polícia de Segurança Pública junta aos autos, a fls. 142, que a arma de marca "Raffaelli Crio" n.º F1409S6 está manifestada em nome de AM.

  3. - Por sua vez, consta da informação Relativa a Armas da Polícia de Segurança Pública a fls. 140 dos autos que "A espingarda, marca Saint Etiéne, n.º 900097 e Livrete encontra-se registada em nome de TP a partir de 18.01.2016." 5.ª - Esta prova pericial não foi impugnada ou posta em crise, não tendo o Tribunal a quo atendido à mesma, não faz sequer qualquer menção aos documentos a fls. 140 e 142, os quais, sendo de fundamental importância, não podiam deixar de ser tidos em conta para fazerem prova do alegado pelo recorrente nesta sede.

  4. - O que determina que o ponto 7 dos factos provados deva seja alterado, de maneira a dele eliminarem-se as referências às duas armas em causa, que devem ser objeto de um novo facto provando a pertença desta duas armas aos terceiros identificados nas informações da PSP.

  5. - Tendo o Tribunal recorrido declarado todas as armas referidas no ponto 7 dos factos provados como perdidas a favor do Estado errou, pois, ao invés deveria ter decidido no sentido de notificar-se os proprietários das duas armas para, querendo, proceder ao seu levantamento, sob pena das mesmas ficarem perdidas a favor do Estado.

  6. - O Tribunal a quo não fundamentou factual e legalmente a decisão de perdimento das armas.

  7. - Errou na interpretação e aplicação do artigo 109º, n.º 1, do Código Penal, pois que não se verificam in casu os requisitos do mesmo.

  8. - A perda de objetos opera somente nos casos em que existe o perigo de repetição de cometimento de factos ilícitos através do instrumento, radicando nos riscos específicos e perigosidade do próprio objeto e não na perigosidade do agente do facto.

  9. - Se, nem a natureza das armas (de caça e de tiro desportivo), nem as circunstâncias do caso permitem afirmar que põem em perigo a segurança das pessoas ou oferecem sério risco de serem utilizadas para o cometimento de novos ilícitos, não deveriam ser declaradas perdidas a favor do Estado.

  10. - Com efeito, o recorrente era titular de licença de uso e porte de arma n.º 43550/2012-01, tipo C, válida para as armas da classe C, D e E, as armas/acessórios/munições descritos em 2.1.1. dos factos provados foram por ele adquiridas na Suíça, onde pratica tiro e caça, fim a que se destinavam.

  11. - O recorrente tinha o desejo de proceder à legalização das armas/acessórios/munições em Portugal, é detentor de cartão de tiro desportivo do Clube de Berna e do Clube de Neuchâtel, sendo sócio deste desde 2001, pratica tiro desportivo ao prato e caça (com silenciador ao javali), sendo também titular de licença da "Swiss C1ay Shooting Federation".

  12. - O recorrente é titular de cartão europeu de arma de fogo, válido até 2104-2017, para as armas de fogo descritas em 2- a (“Pietro Beretta"). 3- a. i. ("Pietro Beretta"). 3- a. i.v. ("Mirokufl), 3- a. vi. ("Mirokufl) e 3- a. viii. ("Simsonfl).

  13. - O recorrente não possui antecedentes criminais registados.

  14. - Face a estas circunstâncias, e à luz do normativo legal, o Tribunal a quo devia ter concedido ao arguido a possibilidade de proceder à legalização das descritas armas em Portugal, fixando-lhe prazo para fazer prova nos autos desse facto, sob pena de decretar o perdimento das mesmas a favor do Estado.

E, assim, farão V.Exas. Venerandos Desembargadores a costumada JUSTIÇA!» O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: «A. A decisão proferida pelo tribunal a quo, além do mais, condenou o recorrente na prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alíneas c), d) e n.º 2, da Lei.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, determinando ainda a perda a favor do Estado das armas proibidas.

  1. O recorrente discorda da sua condenação nos termos em que a mesma foi exarada.

  2. O recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que seja alterado o facto provado n.º 7 - dele se retirando a referência às armas Saint Etiénne e Rafaelli Crio - e, por sua vez, acrescentar-se um novo facto à matéria dada como provada, passando a neste constar a referência ao nome dos titulares do manifesto das armas.

  3. A detenção de arma, enquanto conduta típica, não se confunde, embora possa coincidir, com a propriedade da arma.

  4. Preenche a tipicidade objetiva a mera detenção de arma de fogo sem autorização, ou a mera detenção de arma de fogo sem manifesto ou registo, tal como sucede no caso em apreço nos autos.

  5. Uma vez que o direito de propriedade sobre as armas não se encontrava submetido à discussão, não constituía objeto do processo, não sendo, por um lado, a pretensão do recorrente quanto à propriedade das referidas armas suscetível de ser alcançada através da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e, por outro lado, a matéria de facto provada e não provada, nos termos em que o foi, não merece qualquer reparo.

  6. Discorda igualmente o recorrente da decisão de perda das armas a favor do Estado H. O tribunal a quo considerou que, em função dos factos julgados como provados - dos quais resulta a natureza proibida das armas, acessórios e munições e a detenção dolosa que preencheu o tipo de ilícito pelo recorrente - impunha-se decisão de perda a favor do Estado ao abrigo do disposto no artigo 109.º do Código Penal.

    I. Por um lado, não sendo o recorrente titular de licença de uso e porte de arma da classe A e B 1, e não se encontrar autorizado a deter acessórios da classe A e munições da classe A e B 1 não podiam as armas destas classes, em caso algum, ser devolvidas ao recorrente, seu detentor.

  7. Por outro lado, as armas sem manifesto ou registo, de acordo com o regime consagrado na Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, devem considerar-se bens subtraídos do comércio jurídico e, por isso, são insuscetíveis de ser possuídas, pelo que andou bem o tribunal a quo em declarar estas armas perdidas a favor do estado, perda essa que pode ser declarada independentemente da verificação dos requisitos consagrados no artigo 109.° do Código Penal.

  8. O recorrente alegou, por fim, que o tribunal a quo omitiu na fundamentação que as armas Saint Etiénne e Rafaelli Crio eram propriedade de terceiro, bem como não fundamentou a decisão de perda das armas a favor do Estado e, embora não invoque expressamente, as omissões alegadas consubstanciam em nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 374.°, n." 2 e 379.°, n." 1, alínea a) e c) do Código de Processo Penal.

    L. Todavia, para apreciação do ilícito em apreço é entendimento do Ministério Público que o tribunal considerou toda a prova relevante e indispensável, carreada para o processo e produzida em sede de audiência de julgamento, ponderando-a na sua globalidade, tal como resulta da respetiva fundamentação.

  9. Quanto à fundamentação da decisão de perda das armas a favor do Estado, dão-se aqui reproduzidas as conclusões já tecidas a...

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