Acórdão nº 07P2583 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução12 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: (Conferênci

  1. No processo comum colectivo nº 310/04.8PARGR do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ribeira Grande foi submetido a julgamento o arguido AA, casado, nascido em 11/03/1961, na freguesia de Ribeira Seca - concelho de Ribeira Grande, filho de BB e de CC, residente na rua Eng.º Arantes e Oliveira, ..., Ribeira Seca, concelho de Ribeira Grande.

    Por deliberação do Colectivo do Círculo Judicial de Ponta Delgada foi o arguido condenado: - como autor de um crime de maus tratos a cônjuge, p. e p. pelo artigo 152º, nº 2, do Código Penal, na pena de dois anos e dois meses de prisão; - como autor de quatro crimes de maus tratos a menores, filhos do arguido, p. e p. pelo art. 152º, nº 1, alínea a) do mesmo Código, na pena de um ano e seis meses (de prisão) por cada um deles; - e como autor de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 143º, nº 1 , 146º, nº 1 e 132º, nº 2, al. a), todos do Código Penal, na pena de nove meses de prisão.

    Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de quatro anos de prisão.

    Inconformado interpôs o arguido recurso dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa, apresentando a motivação de fls. 160 a 176, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição): 1) O Tribunal "a quo" na sua motivação de direito refere "Relativamente aos factos anteriores a Setembro de 1998, porque até então o crime tinha natureza semi-pública, não se considerarão, uma vez que não se mostra nos autos a exigida e atempada queixa".

    2) Em nossa opinião, salvo melhor entendimento, o crime de maus tratos passou a ter natureza pública com a entrada em vigor da Lei nº 7/2000, de 27 de Maio e não em 1998.

    3) Assim, o tribunal "a quo" não poderia ter valorado como valorou os factos ocorridos entre Setembro de 1998 até à entrada em vigor da Lei nº 7/2000, de 27 Maio, em virtude da falta da exigida e atempada queixa.

    4) Na determinação da pena aplicada ao arguido os factos que mediaram entre Setembro de 1998 e Maio de 2000 foram tidos em conta, mas não deveriam ter sido.

    5) Impõe-se assim uma alteração na medida da pena aplicada ao arguido.

    6) Face aos factos dados como provados no acórdão, em nosso entender, o arguido não praticou 4 crimes de maus tratos a menores, previstos no art. 152º nº1, al. a) do C.P., quanto muito, terá praticado um único crime de maus tratos a menores na forma continuada.

    7) A postura do arguido no seio familiar, bem ou mal, teve sempre uma preocupação de protegê-la contra terceiros, quer seja contra a família da esposa, vizinhas e outros.

    8) Resulta dos factos dados como assentes que o arguido impunha-se contra a esposa mas nunca se terá insurgido contra os filhos ou agredido fisicamente estes de uma forma gratuita, fútil.

    9) Quando se insurgiu contra estes, foi motivado por factos relacionados com a mãe (esposa) e no cumprimento de um poder/dever de corrigir, de educar conferido aos pais.

    10) A postura do arguido enquadrar-se-ia no poder/dever de corrigir, que é conferido aos pais.

    11) A não ser assim, entendemos que o arguido terá praticado um único crime de maus tratos a menores na forma continuada, atendendo ao facto de estarem preenchidos os requisitos previstos no art. 30º, nº2 do C.P.,:

    a) A realização plúrima do mesmo tipo de crime, isto é, acções naturalisticamente diferenciadas e subsumíveis em abstracto ao mesmo crime; b) tais acções hão-de ser essencialmente homogéneas; c) e, por último, tais acções hão-de se justificar no quadro de uma solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

    12) Assim, entendemos que o tribunal "a quo" não procedeu como devia à analise jurídica do art. 152º e 30º do C.P. face aos factos dados como provados.

    13) A pena aplicada ao arguido peca por excesso, 4 anos de prisão.

    14) Consideramos que à luz do art. 71º, nº1 do C. P., a culpa e a prevenção são critérios gerais ou princípios regulativos da medida da pena. A distinção entre a culpa e prevenção é a chave para a compreensão da doutrina da medida da pena.

    15) De acordo com a orientação perfilhada pelo Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal II, Parte Geral, As Consequências do Crime, Lições, Coimbra 1998, pp 265-266, e também por nós perfilhada, as finalidades da aplicação da pena reside na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na comunidade. Em caso algum pode a pena ultrapassar a medida da culpa (ibid. pág. 279).

    16) A pena deve pois servir a reintegração do agente na comunidade e evitar a quebra da sua inserção social, só deste modo e por esta via se alcançará uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos (ibid. 285).

    17) A reintegração começa desde logo com a aplicação da sanção.

    18) A sanção aplicada ao arguido tem consequências desde logo ao nível da relação entre condenado, comunidade e família e se o julgador não for equilibrado na pena aplicada, esta já de si com eficácia relativa tem um efeito contraproducente.

    19) A pena é com certeza necessária mas há que ter em conta as consequências da prisão.

    20) Pela pena concreta aplicada ao arguido ficaríamos com a ideia que o arguido é um "grande criminoso".

    21) A aplicação de tal pena de prisão acarretará para o arguido, um selo, marca para o resto da sua vida.

    22) Em nosso entender, deveria ter sido aplicada uma pena de prisão, suspensa na sua execução.

    23) A suspensão da execução da pena é uma medida de conteúdo pedagógico e reeducativa, devendo ser decretado quanto se concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e das demais circunstâncias devidas do art. 50º do C.P., que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfaz as necessidades de reprovação do crime "Acórdão S.T.J., BM 359, pág. 358".

    24) A não ser assim, está a atirar-se um indivíduo para um estabelecimento prisional, onde terá que permanecer, na melhor das hipóteses, durante 4 anos, estabelecimentos onde faltam respostas e meios para fazer face a todos os problemas que surgem a uma pessoa que ali entra pela primeira vez.

    25) O tribunal a "quo" não fez a valoração adequada de todas as circunstâncias atenuantes que depõem a favor da arguida e que deve presidir para efeitos de determinação da medida concreta da pena (art. 71º e 72º do C.P.).

    26) O arguido vive actualmente uma experiência amarga e completamente inapagável.

    27) É certo que devemos lutar contra o crime de maus tratos a cônjuge e menores, mas nunca devemos esquecer ou menosprezar os direitos humanos.

    28) Pergunta-se se a privação da liberdade é o único meio adequado de estabilização contrafáctica das suas expectativas, abaladas pelo crime, na vigência da norma violada, podendo ao mesmo tempo servir de socialização do transgressor. Entendemos que não.

    29) Resultará para o arguido uma forçosa dessocialização derivada do corte de relações profissionais do arguido, do efeito da infâmia social que inevitavelmente se liga à entrada na prisão e ainda, por vezes, da inserção daquele na subcultura prisional, em si mesma criminógenea.

    30) O arguido encontra-se separado de facto da esposa e dos seus filhos desde 2004, não mantendo com estes quaisquer contactos desde então.

    31) A medida de coacção aplicada ao arguido ao longo do processo, iniciado em 2004, não fazia prever que ao arguido fosse aplicada uma pena de prisão efectiva.

    32) É certo que as medidas de coação deverão ser adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionar-lhes à gravidade do crime que previsivelmente venham a ser aplicadas, conforme resulta do art. 193º nº1 do C.P.P.

    33) O Tribunal "a quo" não estava obrigado a ter em conta na aplicação da pena ao arguido de tal artigo.

    34) Contudo, o Ministério Público e o Juiz de Instrução Criminal, ao não requererem e ao não terem aplicado a medida de coação de obrigação de permanência na habitação ou de prisão preventiva, demonstraram ao longo do processo que não estaríamos perante um arguido (criminoso perigoso/violento) tão violento como o descrito no acórdão, tendo inclusive depositado confiança no arguido que não seria aplicada uma pena de prisão efectiva.

    35) O arguido ao longo dos últimos dois anos não praticou qualquer ilícito contra sua esposa e seus filhos menores, manteve assim uma boa conduta, que não foi valorada pelo tribunal "a quo".

    36) O arguido encontra-se a trabalhar, está inserido no seu meio.

    37) Assim sendo, entendemos que o tribunal "a quo" violou o art. 40º; 70º; 71º e 72º do C.P.

    38) O tribunal "a quo" valorou os antecedentes criminais do arguido, bagatelas penais, que nada tem a haver com o enquadramento jurídico no caso sub júdice.

    39) O tribunal "a quo" não procedeu a uma perícia sobre a personalidade, perigosidade e grau de socialização, atendendo à personalidade do arguido, que se impunha.

    No provimento do recurso pede a revogação da pena de prisão de quatro anos e a sua substituição por outra que consagre o regime jurídico da suspensão da execução da pena, ou atenuando-se especialmente a pena, aproximando-se do mínimo previsto na lei.

    O Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância apresentou a resposta de fls. 184 a 192, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

    O Tribunal da Relação de Lisboa para onde fora endereçado o recurso, em conferência, deliberou declarar a incompetência própria em razão da matéria, ordenando a remessa dos autos para este Supremo Tribunal - fls.198/206.

    Neste Supremo Tribunal o Exmo Procurador-Geral Adjunto opinou no sentido de os autos prosseguirem, fixando-se dia para julgamento.

    Entendeu-se ocorrerem circunstâncias obstativas do conhecimento do recurso, levando-se os autos à conferência.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

    Com o presente recurso pretende o recorrente o reexame da matéria de direito, impugnando o decidido na primeira instância tão só no que tange à dosimetria da pena, pretendendo a redução da pena cominada de modo a poder aplicar-se a pena de substituição de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
190 temas prácticos
190 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT