Acórdão nº 18362/19.4YIPRT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelFLORBELA MOREIRA LANÇA
Data da Resolução19 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I.

Relatório Mercados de …, E.M. apresentou requerimento de injunção contra BB, peticionando o pagamento da quantia de € 400,00, acrescida de juros de mora, que à data do requerimento se computavam em € 6,06, e do montante de € 51,00, relativo à taxa de justiça paga.

Para tanto, alegou que celebrara com o Requerido um contrato de utilização comercial das bancas 44/45 do sector de peixe, no Mercado de …, do qual é entidade gestora.

Mais alegou que o contrato rege-se, para além das cláusulas próprias, pelas do regulamento interno, sendo que, por força do referido acordo, o requerido reconhece à Requerente o direito a ser compensada por quaisquer violações das normas daquele constante. Por infracção do disposto no contrato celebrado entre as partes, o requerido incorreu numa falta cuja consequência é o pagamento da quantia de € 150,00 à requerente.

Citado, o Réu deduziu oposição.

No dia 18.06.2019 foi proferido o seguinte despacho: “Uma vez que a causa de pedir se encontra insuficientemente concretizada, determino que se notifique a Autora para que concretize: i) Qual o objecto do contrato celebrado entre as partes; ii) Quais as obrigações concretamente assumidas em tal contrato; iii) A que se refere em concreto a Autora quando alega “infracção no disposto no contrato” e “a requerida incorreu numa falta cuja consequência é o pagamento da quantia de € 150,00 à Requerente”; iv) Porque razão uma alegada obrigação de pagar € 150,00 redunda num pedido de € 400,00.

  1. Qual a forma do contrato e, em caso de forma escrita para juntar aos autos o contrato.” O A., aceitando o convite, esclareceu que: “1- De acordo com o previsto na Cláusula Primeira do Contrato de Utilização em vigor entre a A. e o R., que a seguir transcrevemos, é objeto do contrato: Cláusula 1.ª (Objecto do contrato) 1. A PRIMEIRA CONTRAENTE confere, nos termos do presente contrato e do anexo que dele faz parte, à SEGUNDA CONTRAENTE, que nos mesmos termos aceita, os seguintes direitos, a exercer durante o horário de funcionamento dos Mercados:

  2. O direito à utilização da BANCA n.º 20, daqui em diante referida por ESPAÇO COMERCIAL, localizada no setor do peixe do Mercado Municipal de …; b) Acesso, unicamente para os fins apropriados, às áreas de uso comum, designadamente corredores, instalações sanitárias e locais de carga e descarga de mercadorias; c) Benefício dos diversos serviços e estrutura de apoio dos Mercados, nomeadamente serviços de limpeza, manutenção e conservação das partes e equipamentos de uso comum dos Mercados, segurança, consultadoria e promoção do mesmo; d) Uso, em conjunto com as do seu ESPAÇO COMERCIAL, da denominação e da insígnia ou logótipo dos próprios Mercados.

    2- Correspondendo aos direitos previstos nessa cláusula primeira um conjunto de deveres, nomeadamente os previstos na Cláusula Décima Primeira, cujo teor transcrevemos igualmente: Cláusula 11.ª (Sanções) 1. Sem prejuízo da responsabilidade da SEGUNDA CONTRAENTE de repor a situação violada e das sanções previstas, em especial, nas restantes cláusulas do presente contrato, a prática, pela SEGUNDA CONTRAENTE e/ou pela TERCEIRA CONTRAENTE, de quaisquer das infrações ao R.I., confere à PRIMEIRA CONTRAENTE o direito de aplicar as sanções nele previstas, incluído a aplicação de sanções pecuniárias (multa).

    1. A aplicação de sanções pecuniárias não preclude o direito da PRIMEIRA CONTRAENTE a reclamar da SEGUNDA CONTRAENTE indemnização pelos danos causados, bem como não afecta o direito da PRIMEIRA CONTRAENTE à resolução do presente contrato por incumprimento, nos termos previstos na Cláusula 12.ª.

    2. A PRIMEIRA CONTRAENTE pode, no fim de cada ano civil, reduzir, ou mesmo anular, as sanções pecuniárias aplicadas, desde que a situação violada haja sido reposta e a SEGUNDA CONTRAENTE venha cumprindo pontualmente as suas obrigações não cometendo novas infracções.

    3. Os casos não previstos no presente contrato como dando lugar à aplicação de sanções pecuniárias mas que como tal sejam tratados no Regulamento, seguem a disciplina ali prevista.

    4. Isto significa que o R. contratualmente se submeteu à tutela da A., designadamente no que diz respeito à violação por aquele de quaisquer normas constantes do contrato ou do Regulamento Interno (cujas normas fazem igualmente parte do contrato).

      4- Tendo no caso concreto, uma infração praticada pelo A. dado origem a uma decisão condenatória em sede de processo de contraordenação quantificada no valor de 400€ 5. Que o R. se recusou e continua a recusar pagar.

    5. Resultando pois numa infração às normas contratuais às quais a A. e o R. se obrigaram.

    6. A referência a 150€ resultou de um erro material ou de escrita e está totalmente descontextualizada, pois como resulta da decisão (também anexa), a sanção foi no quantitativo de 400€.

      (…)” Por despacho proferido no dia 08.07.2017 foi julgada verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria e, em consequência, absolvido o Réu da instância.

      O Requerente não se conformando com o despacho prolatado dele interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “

      1. De acordo com o previsto no artigo 19/1 a) e 4 da Lei 50/2012 de 31 de Agosto (Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local e das Participações Locais) a A. é uma pessoa coletiva de direito privado de natureza empresarial local municipal.

      B) A presente classificação legal contradiz a apresentada pelo Tribunal A QUO («uma pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial municipal») C) Dessa classificação legal resulta não ser aplicável a norma de competência prevista no artigo 4.º do ETAF, sendo competentes para apreciação do litígio os tribunais judiciais, ex vi, o Tribunal A QUO.”.

      O recorrido não respondeu às alegações.

      Dispensados os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

      II.

      Objecto do Recurso Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC).

      A única questão a decidir resume-se a saber se são competentes os tribunais comuns ou os tribunais administrativos para conhecer da presente litígio.

      III.

      Fundamentação 1.

      De facto 1.1.

      No dia 31 de Julho de 1998, CC, na qualidade de Presidente da C.M. de …, declarou, por escritura pública, “que em sua reunião de 15.04.1998 a Câmara Municipal de … deliberou criar uma empresa de capitais exclusivamente municipais tendo por objecto principal a gestão, promoção e manutenção dos mercados municipais e a promoção do desenvolvimento das zonas envolventes, empresa essa cujos estatutos vieram a ser aprovados por deliberação da assembleia municipal em sua sessão ordinária de 27 de Abril também do corrente ano. Que pela presenta escritura o outorgante, na sua qualidade de Presidente da C.M de … e em execução da deliberação atrás referida, ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 53 do Dec.-Lei n.º 100/84 de 29 de Março, constitui a empresa pública municipal denominada “Mercados de …, EPM”, que se regerá pelo estatuto que consta do documento complementar organizado nos termos do n.º 2 do art.º 64.º do Cód. do Notariado (…); 1.2.

      No dia 26.02.2013, CC, na qualidade de Presidente da C.M. de …, declarou, por escritura pública que “(…) o executivo camarário, reunido no dia 13 de Fevereiro do ano em curso, deliberou aprovar, sob proposta do Conselho de Administração da Empresa Municipal Mercados, a alteração à denominação e as alterações aos Estatutos da Empresa, que por força do estatuído nos n.ºs 1, 4 e 5 do art.º 19.º e no art.º 70.º da Lei n.º 50/2012, passa a Empresa Local, de natureza municipal.

      A Empresa passa a designar-se por Mercados de …, E,M, pessoa colectiva de direito privado, e natureza municipal a reger-se pelos Estatutos que apresentou e arquivo um exemplar, nos termos do art.º 64.º do Cod. do Notariado, que li e rubriquei, os quais ficam a fazer parte integrante desta escritura e subsidiariamente pelo regime jurídico da actividade empresarial local e das participações locais e previsto na Lei n.º 50/12, de 31 de Agosto e no que neste não for especialmente regulado, pelo código das sociedades comerciais. (…)”; 1.3.

      A apelante é uma empresa local, pessoa colectiva de direito privado, com natureza municipal e tem por objecto principal a gestão, promoção e manutenção dos mercados municipais existentes ou que vierem a existir na área do Município de .., designadamente os Mercados da cidade e das freguesias da F… e de M…, bem como das zonas envolventes aos mesmos e de quaisquer outras que venham a ser definidas pelo órgão executivo do Município, para além da possibilidade de ser delegatária nos termos e para os efeitos do art.º 36.º do Dec.-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro, republicado pela Lei n.º 32/2012, de 14 de Agosto (art.ºs 1.º e 4.º dos Estatutos da Apelante) 1.4.

      A C.M. de …, para efeitos do art.º 27.º da Lei n.º 50/12, de 31 de Agosto, poderá delegar na apelante os poderes que entenda necessários para a concretização do seu objecto, ficando a apelante, através do pessoal que nela exerça funções, investida dos poderes de autoridade administrativa decorrentes das normas legais e regulamentares relacionadas com o seu objecto (n.ºs 3 e 4 do art.º 5.º dos Estatutos da apelante).

      1.5.

      Dispõem, ainda, os Estatutos da Apelante: “(…) Artigo 6.º (Delegação de Poderes) 1.Para a prossecução dos seus fins a C.M. de … delega à empresa (ora apelante) os poderes necessários à prossecução do seu objecto social.

    7. Sem prejuízo de outros poderes que lhe venham a ser expressamente delegados por deliberação municipal, são atribuídos à empresa: a) O direito de utilizar e administrar os bens do domínio público ou privado municipal que estejam ou venham a estar afectos ao...

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