Acórdão nº 231/16.1PCSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 03 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA ISABEL DUARTE
Data da Resolução03 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a l.

a Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório 1 - No processo comum com intervenção do tribunal singular n.° 231/16.1PCSTB, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal - Juízo Local Criminai de Setúbal - Juiz 4, o Ministério Público recorreu do despacho proferido, em 25-11-2018, pelo Mmo. Juiz "a quo", que rejeitou a acusação pública deduzida, contra o Arguido J…, com o fundamento de que "tendo ocorrido, no distante ano de 2007, a renúncia à administração dos subscritores da procuração de fls. 21 e 22, deverá considerar-se implicitamente revogada a mesma, havendo de destacar ocorrer entre aquela data e o momento de subscrição da queixa quase 10 anos. Nessa medida, não se reconhecendo validade ao instrumento de fls. 21 e 22, logo, não assistindo, ao denunciante, legitimidade para a apresentação de queixa, deverá, face à natureza semi-pública do crime aqui em apreço, concluir-se inevitavelmente pela ilegitimidade do Ministério Público para a acção penal, insusceptível de ser neste momento por intervenção dos legais representantes da sociedade ofendida, atento o lapso temporal volvido desde a data dos factos (superior a 6 meses)." 2 - As conclusões vertidas na sua motivação de recurso são as seguintes: "1. O presente recurso tem por objecto o despacho proferido em 25-11-2018, que rejeitou a acusação pública deduzida, para julgamento do Arguido J…, em Processo Comum, perante Tribunal Singular, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203°, n.° 1, do Código Penal, ocorrido no dia 21 de Fevereiro de 2016, pelas 22:45, no interior do estabelecimento comercial denominado … no Centro Comercial ….

2. Os presentes autos tiveram início com a denúncia apresentada, tempestivamente, por H..., representante/funcionário da ofendida "A…, S.A.", o qual fez juntar procuração conferida a seu favor, outorgada em 19.01.2004, pelos administradores da aludida sociedade – L… e H… - que, à data, figuravam como membros do Conselho de Administração.

4. O Meritíssimo Juiz a quo rejeitou a mencionada peça acusatória com o fundamento de que "tendo ocorrido, no distante ano de 2007, a renúncia à administração dos subscritores da procuração de fls. 21 e 22, deverá considerar-se implicitamente revogada a mesma, havendo de destacar ocorrer entre aquela data e o momento de subscrição da queixa quase 10 anos.

Nessa medida, não se reconhecendo validade ao instrumento de fls. 21 e 22, logo, não assistindo ao denunciante legitimidade para a apresentação de queixa, deverá, face à natureza semi-pública do crime aqui em apreço, concluir-se inevitavelmente pela ilegitimidade do Ministério Público para a acção penal, insusceptível de ser neste momento por intervenção dos legais representantes da sociedade ofendida, atento o lapso temporal volvido desde a data dos factos (superior a 6 meses)," 5. Nos de crimes semipúblicos o Ministério Público só pode promover o processo penal se houver queixa. Significa isto que, nos termos do art.° 49° do Código de Processo Penai, o Ministério Público dá início ao procedimento criminal se e quando houver queixa por parte do titular do direito ofendido - que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, conforme decorre do art.° 113° do Código Penal por mandatário judicial por aquele constituído ou por mandatário munido de poderes especiais para o efeito - artigo 49.°, n.° 3, do Código de Processo Penal.

6. Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo - erradamente quanto a nós - que tendo decorrido cerca de 10 anos sobre a alteração dos administradores (em 2007) que em 2004, subscreveram a procuração de fls. 21 e 22, deverá considerar-se implicitamente revogada a mesma. Não reconhecendo, por isso, a validade da procuração de fls. 21 e 22, logo, entendendo não assistir, ao denunciante, legitimidade para a apresentação de queixa, pelo que, face à natureza semi-pública do crime aqui em apreço, concluiu pela ilegitimidade do Ministério Público para a acção penal.

7. E consensual quer na doutrina, quer na jurisprudência, que o contrato de mandato é o contrato pela qual alguém se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outrem (art.° 1157° do Código Civil), não estando, como regra geral, sujeito a qualquer formalismo contratual.

8. Denominando-se mandato com representação aquele em que o mandatário recebe poderes para agir em nome do mandante (1178°, n.° 1, do Código Civil), sendo a procuração o instrumento jurídico através do qual se evidencia esse mandato com representação (art.° 262°, n.° 1 do Código Civil).

9. Por outro lado, as sociedades comerciais, nomeadamente as sociedades anónimas, são representadas pelos membros do seu órgão de administração, no caso das sociedades anónimas, pelos membros do respectivo conselho de administração, a quem compete gerir a actividade da sociedade, representando organicamente a sociedade nos respectivos negócios jurídicos, que a vinculam perante terceiros (art.°s 405°, 408° e 409° do Código das Sociedades Comerciais), 10. Ademais, o mandado com representação extingue-se, entre os demais casos, em caso de morte ou extinção, respectivamente, da pessoa singular ou colectiva, (art.° 1174°, a), do Código Civil), ou ainda no caso de declaração de insolvência do mandante (art.° 110° do CIRE) e nunca por se considerar implicitamente revogada, pelo decurso do tempo, conforme alegado pelo Meritíssimo Juiz a quo.

11. Tal entendimento é paradigmaticamente sintetizado pelo douto aresto do Tribunal da Relação de Évora, de 08.09.2016, Proc. 1289/14.3TBFAR.E1 (Relator; Desembargador Silva Rato), que define a actividade de representação da administração da sociedade como "1 - A manifestação de vontade de celebrar determinado negócio, vazada num qualquer contrato celebrado pelos membros do conselho de administração, em nome da sociedade anónima que organicamente representam, não é uma manifestação de vontade dos próprios, mas da própria sociedade anónima.

2. Daí que os negócios jurídicos legitimamente celebrados pelos administradores da sociedade anónima em nome da mesma, perdurem no tempo, para além da cessação de funções dos membros dos conselhos de administração que os subscreveram." 12. Mas já anteriormente o mesmo Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão de 25.09.2008, Proc. 2011/08-2 (Relator: Desembargador Fernando Bento), havia decidido que "A eficácia quer do mandato, quer da procuração outorgada subsiste ainda que, por qualquer razão, cesse funções como Administrador, quem outorgou a procuração." 13. Por outro lado, no despacho de 25.10.2018, o Meritíssimo Juiz a quo não invocou nenhuma das situações a que alude o art.° 31 Io, n.° 3, do Código de processo Penal, para rejeitar a acusação.

14. Termos em que o despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que determine o recebimento da acusação pública, reconhecendo a validade da procuração junta aos autos a fls. 21 e 22 e, consequentemente, concluir-se pela legitimidade do Ministério Público para a acção penal, e, que, nessa conformidade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT