Acórdão nº 1703/19.1T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMOISÉS SILVA
Data da Resolução28 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Apelante: F… e I… (autores).

Apeladas: Zurich Insurance, Plc – Sucursal de Portugal (ré seguradora) e Sotimber – Serviços Florestais, SA (empregadora).

Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão, J2.

1.

A…, F… e I… (patrocinados pelo Ministério Público), instauraram a presente ação emergente de acidente de trabalho, sob a forma de processo especial, contra as rés, na qualidade de beneficiários legais do sinistrado falecido F…, pedindo que as rés sejam condenadas a reconhecer o evento descrito nos autos como acidente de trabalho, a transferência parcial de responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do mesmo em função da retribuição auferida pelo sinistrado, no valor anual de € 12 216,40 e a qualidade de beneficiários legais dos autores e, em função disso, a condenação das rés no pagamento à autora A… de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 3 664,92, devida desde 06.07.2019, e um subsídio por morte no valor de € 5 752,03, e a cada um dos autores F… e I… do capital de remição calculado em função de uma pensão anual e vitalícia de € 1 221,64, e ao autor F… ainda um subsídio por despesas de funeral no montante de € 1 990.

Alegaram, para tanto e em síntese, que no dia 04 de julho de 2019, quando se encontrava no exercício das suas funções, ao serviço da 2.ª ré, F… foi embatido por uma árvore, vindo a falecer em consequência dos ferimentos sofridos.

Mais alegaram que a 1.ª autora vivia em união de facto com o falecido F… e os 2.º e 3.ª autores são pais do falecido, encontrando-se a cargo do mesmo, devendo, por isso, ser considerados beneficiários legais.

Considerando que a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho ocorridos com F… se encontrava apenas parcialmente transferida para a 1.ª ré, pretendem os autores haver das rés as prestações legalmente estabelecidas.

Citadas ambas as rés, veio a ré Sotimber, SA contestar, aceitando a ocorrência do acidente e a respetiva caraterização como acidente de trabalho e, bem assim, a transferência parcial da responsabilidade, impugnando, porém, a qualidade de beneficiários legais invocada pelos autores e sustentando não poder ser responsabilizada pelo pagamento das despesas de funeral e subsídio por morte, que deverão ficar a cargo da entidade seguradora em exclusivo.

Também a ré Zurich Insurance, Plc – Sucursal em Portugal veio contestar a ação, alegando que a ocorrência do acidente em causa ficou a dever-se ao facto de o falecido F… ter violado regras de segurança que conhecia, não se encontrando a desempenhar quaisquer tarefas que lhe tivessem sido determinadas pela sua entidade patronal no momento em que foi embatido pela árvore (em cujo abate não estava envolvido), pelo que o acidente deve considerar-se descaraterizado.

Impugna, igualmente, a qualidade de beneficiários legais invocada pelos autores.

Foi proferido despacho saneador, no qual se fixou a matéria de facto assente e foram selecionados os temas da prova.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento como consta da respetiva ata.

De seguida foi proferida sentença com a decisão seguinte: Nos termos expostos e em conformidade com as disposições legais citadas, julga-se a ação improcedente porque não provada, devendo considerar-se o acidente de trabalho que vitimou F… descaraterizado, não havendo lugar a reparação, e, em consequência, absolvem-se as rés Zurich Insurance, Plc – Sucursal em Portugal e Sotimber – Serviços Florestais, SA dos pedidos contra as mesmas deduzidos pelos autores A…, F… e I….

Custas pelos autores, que ficaram vencidos, sem prejuízo da isenção de que beneficiam os autores F… e I… (cf. artigo 527.º do Código de Processo Civil) e, também, sem prejuízo do disposto no artigo 17.º n.º 8 do Regulamento das Custas Processuais.

Fixa-se à ação o valor de € 77 184,94 (cf. artigo 120.º n.ºs 1e 2, do Código de Processo do Trabalho).

2.

Inconformados, vieram ao autores F… e I… (pais do sinistrado), interpor recurso de apelação, que motivaram e as conclusões seguintes: 1. O Tribunal a quo considerou demonstrado que a ocorrência do acidente em causa nos autos resultou de um comportamento do sinistrado F…, que o Tribunal entendeu ser negligente em elevado grau por violar as regras de segurança, concluindo que essa inobservância se veio a revelar causal na ocorrência do acidente que o vitimou, pelo que decidiu no sentido da exclusão do direito à reparação, nos termos previstos no artigo 14.º, n.º 1, alínea b) da LAT.

2. A decisão do Tribunal teve em conta o circunstancialismo que envolveu a morte do sinistrado, com base nos factos que se apuraram na sequência da realização do julgamento. Porém, como resulta da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, desconhece-se o que motivou que o sinistrado (que conhecia as regras de segurança da sua atividade pois era um profissional já habituado àquelas tarefas), naquele dia e hora saiu da área de segurança junto da viatura da qual era motorista, para se deslocar para a área onde a árvore abatida lhe foi embater de forma letal.

3. Como não sabemos o que o sinistrado foi fazer àquele local, e infelizmente não temos hipótese de lhe perguntar, temos que manter todas as hipóteses em aberto.

4. Porém, a opção referida pelo Tribunal, no sentido de que o acidente se deve considerar descaraterizado porque não foi possível identificar nenhuma justificação atendível para o sinistrado se ter deslocado para o local de queda das árvores que estavam a ser cortadas, não nos parece a mais acertada face ao que resulta da lei quanto a estas situações.

5. Encontrar a justificação para o comportamento do sinistrado, exclusivamente na sua negligência parece-nos ser uma conclusão, possível, mas redutora face ao que se apurou em julgamento.

6. Apesar de tal ter sido questionado, nenhuma testemunha se referiu a que o sinistrado tivesse tendências suicidas ou que fosse pessoa que normalmente tinha comportamento negligentes e temerários.

7. Também não se provou que o sinistrado se aproximou do local do abate das árvores por mera curiosidade (a sua profissão na área do abate de árvores e no transporte das mesmas já não era recente, pelo que a operação de corte certamente já não lhe motivava qualquer curiosidade).

8. Portanto, não sabemos a razão pela qual o sinistrado se deslocou para aquele local que lhe foi fatal.

9. Sabemos apenas que o sinistrado estava a trabalhar e que, por qualquer razão se aproximou do local onde alguns companheiros de trabalho procediam ao abate das árvores.

10. Ainda assim, o Tribunal, aceitando que F… foi vítima de um acidente de trabalho no dia 04 de julho de 2019, considerou que o mesmo deve ser descaraterizado, não dando assim direito à pedida reparação aos beneficiários legais do trabalhador falecido.

11. De acordo com a alínea a), do n.º 1 do artigo 14.º da LAT, não dá direito à reparação o acidente: “que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei”. Acresce que nos termos da alínea b) do mesmo preceito legal, também não há lugar à reparação se o acidente “provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado”.

12. Tendo em consideração que as circunstâncias previstas no referido artigo 14.º da LAT são factos impeditivos do direito à reparação invocado, nos termos do referido n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, a sua prova cabia àqueles contra quem a invocação foi feita, ou seja, à entidade empregadora e à seguradora responsáveis pela reparação (neste sentido cf. entre muitos outros, o acórdão do STJ de 20.10.2011 - processo n.º 1127/08.6TTLRA.C1.S1, relator FERNANDES DA SILVA).

13. As rés não provaram factos que justifiquem a referida descaraterização.

Não só não provaram que o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT