Acórdão nº 1127/08.6TTLRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução20 de Outubro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

Cumprida, sem sucesso, a fase conciliatória desta acção especial emergente de acidente de trabalho, vieram os beneficiários AA, BB e CC desencadear a fase contenciosa, demandando, com o patrocínio do Ministério Público, a seguradora «DD – Companhia de Seguros, SA».

Pretendem a reparação, como acidente de trabalho, do acidente de viação que descrevem.

A autora AA, por si e em representação dos demais autores, seus filhos menores, fundamenta a pretensão com a descrição dos factos que traduzem a ocorrência de um acidente de viação no qual veio a falecer EE, marido e pai dos autores.

Alega para o efeito, em breve escorço, que o falecido trabalhava por conta própria e tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a demandada, enunciando, depois, os diversos direitos em que deve traduzir-se a reclamada reparação do acidente.

  1. A ré contestou.

    Descreveu o modo como ocorreu o acidente de viação e acentua que o falecido não parou ao sinal STOP, atravessando a via sem cuidado e cortando a linha de trânsito de outro veículo. O acidente, que ocorreu de dia e com bom tempo, resultou da violação grosseira da sinalização existente e de culpa grave e exclusiva do falecido e não pode, por isso, ser caracterizado como acidente de trabalho. Acrescenta, ainda, que o sinistrado apresentava álcool no sangue e que, por tudo, a acção deve improceder.

    3.

    O processo prosseguiu com a elaboração de despacho saneador, a realização da audiência de julgamento e a resposta, sem reclamações, aos artigos da Base Instrutória.

    Foi proferida sentença na qual a ré foi condenada nos seguintes termos: a) Condeno a R., "Companhia de Seguros DD, S.A.", a pagar à A., AA, o capital de remição de uma pensão anual, no valor de € 2.388 (dois mil trezentos e oitenta e oito euros), com início em 29/11/2008; b) Condeno a R., "Companhia de Seguros DD, S.A.", a pagar à A., AA, quantia de €3.408 (três mil quatrocentos e oito euros), a título de reparação por despesas de funeral, com trasladação; c) Condeno a R., "Companhia de Seguros DD, S.A.", a pagar à A.,AA, a quantia de €25 (vinte e cinco euros) a título de despesas com transportes em deslocações obrigatórias; d) Condeno a R., "Companhia de Seguros DD, S.A.", a pagar a cada um dos AA., BB e CC, uma pensão anual e temporária, no valor de € 1.592 (mil quinhentos e noventa e dois euros), com início em 29/11/2008, a ser paga na proporção de 1/14 até ao 3.º dia cada mês, sendo os subsídios de férias e de Natal, na mesma proporção, pagos em Maio e em Novembro; e) Condeno a R., "Companhia de Seguros DD, S.A.", a pagar aos AA., AA, BB e CC, a título de subsídio por morte, a quantia global de €5.112 (cinco mil cento e doze euros), a pagar na proporção de 1/2 para AA e de 1/4 para cada um dos AA. BB e CC; f) Condeno a R., "Companhia de Seguros DD, S.A.", a pagar aos AA., AA, BB e CC, juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos à taxa legal, até integral pagamento.

  2. Inconformada, a R. apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por Acórdão prolatado a 30.06.2011, julgou procedente o recurso e, descaracterizando o acidente, absolveu a R. do pedido.

  3. Desta feita, a irresignação provem dos AA., que, sempre com o patrocínio oficioso do M.º P.º, pedem a presente Revista, no final de cuja motivação formulam as seguintes conclusões: - Os AA. alegaram e provaram os factos constitutivos do direito que invocaram.

    - Na verdade, verificam-se todos os elementos integradores do conceito de acidente de trabalho, como considerado pelo Tribunal da 1.ª Instância e pelo Tribunal da Relação – e nem tal foi posto em causa pela Ré –, previstos no art.º 6.º da Lei n.º 100/97, de 13/09 (LAT) e 6.º do DL 143/99, de 30/04 (RLAT); - A descaracterização do acidente, a que aludem os arts. 7.º (mormente a prevista na ai. a), do seu n.º 1), da LAT e art. 8.º do RLAT (nomeadamente, o seu n.º 2), configura-se como uma facto impeditivo do direito dos Autores. Pelo que, - A alegação e prova dos factos integradores da descaracterização do acidente incumbem a quem a invoca, ou seja, no caso, à Ré na acção.

    - Alguns dos elementos de facto em que a Ré fez assentar a descaracterização do acidente não foram considerados provados (vd. respostas dadas à matéria de facto controvertida).

    - Consistindo o acidente na colisão/embate de dois veículos – no caso o TU e o FO – a identificação das causas, de todas as causas, do acidente só se torna possível depois da determinação e descrição, pormenorizada e precisa, do modo de condução exercido relativamente a cada uma das viaturas intervenientes.

    - No caso ‘sub judice’, o lastro factual apurado – cujo teor aqui se considera reproduzido – não permite concluir que o acidente resultou, única exclusivamente, do comportamento do condutor da viatura TU, ou seja, do sinistrado.

    - Com efeito, este pode ter tido a sua sede causal ou, no mínimo, uma das suas causas, na conduta do condutor do FO.

    - Nomeadamente, o acidente pode (também) ter resultado: a) Do excesso de velocidade (e competia à Ré alegar e provar a velocidade a que seguia o FO) do condutor da viatura FO, pois não foi provada a velocidade a que seguia, apesar de alegada pela Ré; b) Da falta de redução da velocidade pelo FO, antes do cruzamento formado pela via em que seguia (Rua de Leiria) com a via (Rua Principal) em que circulava o TU; c) Da falta de travagem pelo FO, antes de embater no TU, pois não se provou que tal procedimento tivesse sido adoptado pelo FO, apesar de a Ré ter alegado tal facto; d) De desatenção, imprevidência, displicência e inconsideração do condutor do FO, pois que, apesar de gozar de prioridade de passagem, tinha de assumir/adoptar um comportamento de prudência, cautela e cuidado (o que não se mostra que tenha acontecido, bem pelo contrário) tanto mais que, in casu, se aproximava de um cruzamento (devendo ter atenção ao trânsito que circulava na Rua Principal) formado pela intersecção da Rua Principal com a Rua de Leiria, com o risco inerente de embate (atento o sentido em que o TU e o FO se deslocavam).

    e) No caso concreto, tudo indica que o condutor do FO não adoptou quaisquer cautelas ao aproximar-se do cruzamento, apesar de dever ter em consideração o veículo TU, que circulava na Rua Principal, junto ao referido cruzamento, pois indicia-se que o FO nem sequer travou (no croquis de fls. não está mencionado qualquer rasto de travagem) antes do embate.

    - Reafirma-se, pois, que a matéria de facto apurada não permite concluir que o comportamento do sinistrado foi causa, ou, em todo o caso, causa única e exclusiva do acidente.

    - Com efeito, não tem arrimo na matéria de facto assente, por insuficiência desta, a conclusão do Tribunal a quo de que "...o sinistrado deu origem ao acidente (...) e só do comportamento dele proveio..." (vd. fls. 237), sendo insuficiente, em termos de causalidade do evento, a justificação de que "o embate ocorreu na via te trânsito de terceiro", (fls. 237), pois haveria que, previamente, apurar (e para tal teria de haver a correspondente alegação e prova pela parte sobre quem incidia tal ónus, no caso sobre a Ré), a concreta conduta, no exercício da condução, de cada um dos condutores dos veículos intervenientes no acidente, como acima assinalado.

    - Independentemente disso, também não se mostra apurada a razão/causa de o sinistrado, na condução do veículo TU, não ter observado o sinal STOP, podendo ter acontecido uma falha mecânica da viatura, ou, ele próprio, ter sido acometido de doença...

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