Acórdão nº 78/15.2EAEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGUES
Data da Resolução09 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Comum Singular n.º 78/15.2EAEVR da Comarca de Setúbal, Juízo Local Criminal de Santiago do Cacém - Juiz 2, submetido a julgamento por acusação do MP, foi: 1.1. Quanto à Responsabilidade Criminal

  1. O arguido (...) condenado pela prática de um crime de fraude sobre mercadorias, previsto e punido pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea b) do Regime Jurídico da Infrações Antieconómicas e Contra a Saúde Pública, aprovado pelo DL n.º 28/84, de 20 de janeiro, na versão que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 20/99, de 28 de janeiro, na pena de 5 meses de prisão, a qual, nos termos do artigo 44.º do Código Penal foi substituída por 160 dias de multa, e na pena de 60 dias de multa, ambas à taxa diária de 15 €, perfazendo o montante global de 900 €; b) O arguido (...) condenado na pena única de 220 dias de multa, à razão diária de 15 €, no montante global de 3.300 €, pela prática do ilícito referido na alínea anterior, nos termos do artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março.

  2. A arguida (...) condenada pela prática de um crime de fraude sobre mercadorias, previsto e punido pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Infrações Antieconómicas e Contra a Saúde Pública, aprovado pelo DL n.º 28/84, de 20 de janeiro, na versão que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 20/99, de 28 de janeiro, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 6 €, perfazendo o montante global de 360 €.

    1.2. Quanto à Responsabilidade Contraordenacional d) O arguido (...) condenado pela prática de uma contraordenação de concorrência desleal, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 317.º, n.º 1, alínea e) e 331.º, do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de março, na coima de 1.000 €; e) A arguida (...) pela prática de uma contraordenação de concorrência desleal, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 317.º, n.º 1, alínea e) e 331.º do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de março, na coima de 3.500 €; 1.3. Mais foi decidido e determinado: f) Declarar perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos à ordem dos autos, nos termos do artigo 23.º, 3 do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, e ordenar a sua destruição; g) Publicitar a decisão, nos termos do disposto nos artigos 23.º, n.º 4 e 19.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro.

    1. Do recurso 2.1. Das conclusões dos arguidos (...) e (...) Inconformados com a decisão os arguidos interpuseram recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “I. Os RECORRENTES discordam da decisão condenatória, por desconforme com a verdade dos factos, com a Lei e com a Constituição da República Portuguesa, II. A Sentença assenta numa Acusação/Pronúncia cheia de contradições e, no seu esforço notório para a estas aderir, ficou necessariamente inquinada.

    1. Por sua vez, a Acusação/Pronúncia assentou numa investigação incompleta e de alvo errado, colocando os Recorrentes, tanto no plano objectivo como no subjectivo, num papel que, de todo, não foi o seu.

    2. Foram assim contrariadas, e em absoluto, as mais elementares regras processuais, mas sobretudo de lealdade processual, igualdade de armas e prudência.

    3. A incompletude e contradição investigatória e acusatória teve como consequência incorrecções jurídicas várias, que transitaram da Acusação/Pronúncia e estão espelhadas na Sentença condenatória.

    4. Não é feita uma análise crítica e ponderada dos factos em discussão com a real e concreta actuação dos seus intervenientes.

    5. É certo que o tribunal julga a matéria de facto de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, com assento no art. 127.º, do CPP, excepto nos caso de prova vinculada, questão que, ora, não se coloca.

    6. A livre apreciação consiste em o tribunal apreciar a prova de acordo com a sua livre convicção e as regras da experiência.

    7. Esta livre apreciação não liberta o julgador do dever de procurar a verdade material e a forma como exercita este dever “há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e susceptíveis de motivação e controlo”.

    8. Sindicando o exercício da liberdade de apreciação detecta-se que o julgamento da matéria de facto do tribunal recorrido assenta em flagrante divergência sobre as provas que valorou e sustentou na motivação.

    9. Foram assim incorrectamente julgados os factos 3, 8, 9, 12, 13, 14, 15 e 16.

    10. No facto 3 a menção “para distribuição aos consumidores finais naquele país” é um excesso face à própria motivação (fundamentação), que deve ser eliminada e relegada para os factos não provados.

    11. Quanto aos factos 8 e 9, face à divergência aqui criada entre a lista de ingredientes aposta no rótulo e o conteúdo das garrafas (no facto 6 ficou provado que consta do rótulo o seguinte: “ingredientes: Azeite de Oliva Extra Virgem e Óleos Vegetais Refinados”), são desconformes com a verdade, conclusivos, e sem suporte, pelo que devem ser eliminadas: - a expressão “Não obstante os dizeres apostos nos rótulos” constante do facto 8; e - as expressões “Assim, ao contrário do que é exarado na lista de ingredientes aposta no rótulo das mencionadas garrafas,” e “e não azeite virgem extra.” as quais devem ser relegadas para os factos não provados.

    12. O facto 12 deve ser reduzido à expressão “O rótulo foi elaborado pela sociedade compradora, mas enviado a e aposto pela sociedade Arguida”, relegando-se a demais matéria para os factos não provados.

    13. O facto 13 deve ser eliminado do elenco dos factos provados e acrescido aos factos não provados.

    14. Os factos 14 e 15 devem ser eliminados do elenco dos factos provados e reproduzidos nos factos não provados.

    15. O facto 16 não deve ser dado como provado mas sim como não provado.

      Sem conceder na impugnação da matéria de facto acima oferecida e que, crê-se convictamente, ditará a absolvição dos RECORRENTES, para a hipótese académica de assim não se verificar, XVIII. É de excluir a responsabilidade criminal dos RECORRENTES, sob qualquer forma, por a sua conduta ser irrestritamente atípica à luz quer do bem jurídico protegido, quer do desenho típico do crime de fraude sobre mercadorias; XIX. O artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 20/84, de 20 de Janeiro, criminaliza a comercialização fraudulenta de mercadorias depreciadas que não correspondem às legítimas expectativas do adquirente do bem; XX. A incriminação visa assim proteger a confiança na qualidade e autenticidade dos bens destinados a comércio por via do dano económico ou patrimonial causado à contraparte negocial; XXI. A atipicidade da conduta dos arguidos (…), S. A., e (...) advém, em primeiro lugar, por a sua actuação, em nenhum momento, contrariar a confiança e as expectativas do adquirente da mercadoria – a sociedade (…) –, sendo, como tal, inofensiva à luz do bem jurídico-penal protegido; XXII. De igual modo, a conduta dos arguidos (...) não preenche o tipo objectivo de ilícito por completa ausência da violação de um dever de informar a contraparte sobre as características do bem produzido; XXIII. Uma mercadoria produzida em integral conformidade às características solicitadas pelo adquirente não pode ter-se como depreciada à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, sendo inapta a causar engano na relação negocial; XXIV. O tipo legal de fraude sobre mercadorias exige, no seu preenchimento típico, uma desconformidade entre as características do bem adquirido e as legítimas expectativas do adquirente – o que, no caso concreto, não se verificou como é reconhecido na factualidade tida como indiciada na decisão instrutória; XXV. É assim por demais evidente a inexistência de qualquer logro ou ilusão por parte dos arguidos na relação negocial que estabeleceram, elemento necessário ao preenchimento do tipo objectivo de fraude sobre mercadorias; XXVI. A conduta dos arguidos (...) é ainda atípica, do lado do tipo subjectivo de ilícito, por via de uma total ausência da intenção de enganar o adquirente do bem, como é aliás também afirmado pela decisão instrutória; XXVII. Na medida em que com a sua conduta os arguidos não preencheram o tipo objectivo e subjectivo de fraude de mercadorias, fica excluída a sua autoria criminosa; XXVIII. Ao condenar os arguidos pela autoria de um crime de fraude sobre mercadorias, a sentença pronúncia incorre numa frontal e inadmissível violação dos princípios da tipicidade e da culpa; XXIX. É assim por o juízo de censura assentar, na visão do tribunal, numa actuação fraudulenta, futura e imprevisível, de terceiros – independente da vontade dos arguidos – tendo por destinatários os consumidores finais do mercado brasileiro; XXX. Deste modo, a censura plasmada na sentença tem por fundamento não um facto tido como obra dos arguidos, mas antes a prática futura de actos fraudulentos e enganosos por terceiros (ex injuria tertii), susceptível de por em causa interesses económicos e patrimoniais de consumidores brasileiros; XXXI. Um tal entendimento fere não só o princípio da culpa, como se revela ainda incompatível com o desenho típico do crime de fraude de mercadorias, contrariando os limites do princípio da legalidade criminal; XXXII. Interpretar o tipo legal no sentido de nele se incluir, por via do elemento típico subjectivo, a intenção de enganar qualquer pessoa do circuito comercial que não o adquirente do bem, designadamente o consumidor final, é contrariar a letra e o sentido da norma in malam partem, pondo em causa a função de garantia reconhecida ao princípio de legalidade criminal; XXXIII. Ainda que – contrariando a factualidade indiciada – se procurasse ver na actuação dos arguidos não uma autoria criminosa mas um contributo à fraude a realizar por terceiros, uma tal conduta seria criminalmente irrelevante, quer pela absoluta ausência de um facto ilícito principal, exigido pela acessoriedade da cumplicidade, quer pela inexistência do elemento subjectivo...

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