Acórdão nº 964/14.7T9STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução10 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. Relatório No termo do inquérito que correu termos na 2ª secção do DIAP de Setúbal, o MºPº deduziu acusação contra a arguida V, devidamente identificada nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º nº 1 do C. Penal.

Distribuídos os autos ao juízo local criminal de Setúbal – J4 da comarca de Setúbal, o Sr. Juiz proferiu despacho que não recebeu a acusação por falta de legitimidade do MºPº para promover o procedimento criminal em virtude de a ofendida não ter apresentado queixa.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o MºPº, pretendendo a sua revogação e substituição por outra que determine a realização das diligências que indica tendentes a esclarecer/regularizar os vícios que afectam a queixa, para o que formulou as seguintes conclusões: 1- O presente recurso vem interposto da decisão proferida em 23-03-2017, mediante a qual o Tribunal a quo recusou o recebimento da acusação pública deduzida nos autos, por considerar não existir queixa da ofendida «EDP Distribuição - Energia, S.A.», vício insusceptível de sanação à data da prolação do despacho, e, por via disso, prejudicada a legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal.

2- A acusação deduzida pelo Ministério Público imputa à arguida a prática de um crime de furto, p.p. pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal, referente à subtracção de energia eléctrica, constatada pela empresa ofendida em 19-06-2014.

3- A factualidade levada ao texto da acusação foi comunicada ao Ministério Público em 11-08-2014, via fax com a referência interna «FAX 718----/RCLAC», em que «A EDP Distribuição - Energia. S.A., com sede na Rua…, Lisboa, pessoa colectiva n. º ---, vem, para os devidos efeitos. apresentar participação criminal contra desconhecidos», encontrando-se assinada por, SS, engenheiro da Direcção de Rede e Clientes de Lisboa - Assistência Comercial da «EDP Distribuição - Energia, S.A.».

4- Daqui se vê que a queixa que deu origem aos presentes autos foi apresentada pela ofendida «EDP».

5- Portanto, existe queixa da ofendida, tempestivamente apresentada. Assim como existe vontade da ofendida em prosseguir criminalmente pelos factos denunciados, vontade essa reforçada pela ulterior intervenção nos autos da «EDP», que conferiu poderes de representação à testemunha JA para prestar declarações relativamente a tais factos.

6- Questão diversa, que o Tribunal poderia legitimamente ter suscitado, é saber se o signatário da queixa dispunha de poderes para apresentar queixa em nome da «EDP Distribuição - Energia, S.A.».

7- Com efeito, nos termos do artigo 49º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a queixa pode ser apresentada pelo titular do direito respectivo, por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes especiais.

8- Porém, os autos (de onde não consta sequer a certidão de registo comercial da empresa ofendida) não dispõem de elementos que permitam aferir se o signatário da queixa dispunha de poderes de representação da ofendida, ou se foi pela mesma investido de poderes para apresentar queixa-crime em seu nome.

9- Em todo o caso, a apresentação de queixa em nome da ofendida por quem não dispõe de poderes para tal não acarreta a invalidade, nem tão pouco a inexistência da queixa apresentada, mas unicamente a ineficácia em relação à entidade representada, caso não venha a ser por esta ratificada (cfr. artigo 268º, n.º 1), do Código Civil).

10- Acresce que a ratificação tem eficácia retroactiva (cfr. 268º, n.11 2, do Código Civil), retroagindo à data da apresentação da queixa, e não está sujeita ao prazo de caducidade previsto no artigo 115º, n.º 1, do Código Penal (cfr. jurisprudência uniformizada por via do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/97) 11- Pelo exposto, a nosso ver, a decisão recorrida é susceptível de crítica na medida em que partiu do pressuposto errado de que não existe queixa da ofendida e presumiu, sem qualquer base para tal, que o signatário da queixa não dispunha de poderes de representação da ofendida ou para apresentar queixa em seu nome, considerando tal vício insusceptível de sanação.

12- Por outro lado, por força do preceituado no artigo 6°, n.º 2, do Código de Processo Civil (disposição que se entende ser aplicável também ao processo penal por via da remissão do artigo 4º do Código de Processo Penal), «O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.».

13- Nessa medida, ao rejeitar a acusação pelos fundamentos em que o fez, a decisão recorrida violou o preceituado nos artigos 113 º, n.º 1, e 203 º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, e artigo 49º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Penal.

14- Razão pela qual se entende que a mesma deverá ser revogada e substituída por outra que determine: - a realização das diligências necessárias à comprovação da (in)existência de poderes de representação da ofendida por parte do signatário da queixa, nomeadamente por via da junção...

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