Acórdão nº 884/15.8PBSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução24 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I.

RELATÓRIO No processo comum n.º 884/15.8PBSTB da Secção Criminal [J5] da Instância Local de Setúbal da Comarca de Setúbal, mediante acusação pública, foi pronunciado P. Kleener, nascido a 19 de janeiro de 1959, na Alemanha, residente na Rua …, em Lisboa, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

O Arguido apresentou contestação escrita, onde pugna pela sua absolvição.

Invoca que não fala português e que a sua comunicação com as autoridades policiais decorreu sem nomeação de intérprete e em inglês rudimentar.

Afirma, ainda, não ter compreendido os motivos porque foi detido, nem porque foi conduzido à Esquadra da Polícia de Segurança Pública, em Setúbal.

Foi interpelado para aí se submeter a novo teste, mas não lhe explicaram ou não percebeu as razões para tanto, nem as consequências da recusa em efetuar esse teste.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada em 15 de fevereiro de 2017, foi decidido: «(…) condenar o arguido P. Kleener: a) pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, com referência ao artigo 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 3, do Código da Estrada, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à razão diária de € 26,OO (vinte e seis euros), o que perfaz a quantia de € 1.820,OO (mil, oitocentos e vinte euros), e na pena acessória de proibição de conduzir, pelo período de cinco meses, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, aI. c), do Código Penal, devendo o arguido entregar o título de condução, que vier a ser eventualmente portador durante este período, na secretaria deste tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência - cfr. artigo 500.º, n.º 2 e 5, do C.P.P.

b) Condenar o arguido a pagar as custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC, e encargos a que houver dado lugar, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Judiciais e tabela III anexa, e artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal.

» Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «i. O Arguido foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 26,00 (vinte e seis euros), no montante total de € 1.820,OO (mil oitocentos e vinte euros) bem como na pena acessória de proibição de conduzir, pelo período de cinco meses.

ii. Acontece que sentença proferida não realizou um adequado e imprescindível exame crítico da prova produzida em audiência de julgamento.

iii. É manifesto o erro existente na apreciação da prova dada como provada (art.º 410.º, n.º 2, al. c), do CPP).

iv. A convicção do Tribunal a quo relativamente à matéria de facto fundou-se na análise de toda a prova produzida, nomeadamente na prova testemunhal e na declaração prestada pelo Arguido, bem como nas regras da experiência comum e a na livre convicção do Tribunal.

v. Pelo que a questão central no que ao caso sub judice diz respeito é a de apurar se o Arguido tomou efetivo conhecimento do que lhe era imposto e das consequências advenientes do não cumprimento de tal ordem.

vi. O Arguido negou de forma perentória a prática dos factos de que vinha acusado, concretamente negou que tivesse entendido as consequências de não efetuar um segundo teste de alcoolemia vii. Inexiste prova de que se verifique a regularidade da transmissão da ordem ao destinatário, porquanto o arguido não consegue provar que não entendeu uma ordem que lhe foi transmitida e sobretudo as consequências de não acatar a mesma.

viii. No que respeita à compreensão da língua portuguesa, integram as motivações do Tribunal a quo que este "não se convenceu totalmente que o arguido não percebesse a língua portuguesa, desde logo porque, no decurso da audiência, respondeu instintivamente a algumas perguntas a si dirigidas antes mesmo de ter sido efetuada a tradução pelo Exmo. intérprete presente. Aliás, o arguido mencionou que, pelo menos desde há dois anos, passa regularmente temporadas em Portugal, superiores a seis meses, por motivos profissionais, e tem residência fixa em Portugal ix. O raciocínio do Tribunal a quo padece de total sustento lógico uma vez que o facto de o Arguido, no decurso da audiência, ter "respondido instintivamente a algumas perguntas a si dirigidas" não permite concluir, sem mais, que à data dos factos - 08 de Junho de 2015 - também compreenderia o que lhe estaria a ser transmitido pelo Agente da PSP, na medida em que é perfeitamente verosímil, ou mesmo provável, que o domínio da língua portuguesa do Arguido tenha progredido ao longo do último ano e 6 meses, x. Por sua vez, do depoimento prestado por PS, resultou provado que este "procedeu à fiscalização, mantendo o diálogo com o arguido na língua inglesa" e que o diálogo "mantido em inglês entre a testemunha e o arguido foi suscetível de entendimento por este até ao momento em que foi confrontado e tomou conhecimento da taxa de álcool detetada no sangue.

xi. Contudo, resulta com clareza que o Tribunal a quo confunde dois momentos chave e cruciais para a boa decisão da causa: a compreensão do Arguido relativamente à realização da análise quantitativa de álcool no sangue e a compreensão de que a sua recusa consubstanciaria um crime de desobediência.

xii. No que concerne ao depoimento da Testemunha MMS, foi apenas dado como provado que "O Arguido telefonou à sua Advogada (. .. ) e solicitou que esta falasse com um dos agentes da PSP presentes - nada mais sido dado como provado com relevância para o que se discute nos presentes autos ficando no ar o propósito deste telefonema e desvalorizando-se a sua importância no tocante à efetiva compreensão por parte do Arguido da obrigatoriedade de fazer um segundo teste de álcool e a consequência (criminal) de não o realizar.

xiii. Recorrendo à experiência comum não pode deixar de nos parecer mais credível a versão do Arguido (de que contactou a sua Advogada para falar com os agentes da PSP, mas que estes se recusaram a falar com ela; versão confirmada pela própria Advogada, que não só confirmou o telefonema que mantiveram, mas também que não chegou a falar com nenhum agente da PSP, pese embora se tenha apercebido que havia pessoas à volta do arguido no momento em que esta a contactou).

xiv. Deste modo, foi ignorado pela Sentença recorrida, um elemento que se considera de extrema importância - o facto de o Arguido ter sentido necessidade de contactar a sua Advogada que, em momento algum, conseguiu falar com os agentes da PSP - o que, certamente, teria permitido esclarecer eventuais dúvidas que o arguido apresentasse xv. Assim, a sentença ora recorrida andou mal ao dar como não provado a al. g) dos factos não provados, porquanto estando provado o telefonema e o seu propósito (falar com os agentes da PSP), não faz sentido não retirar a consequência lógica desse mesmo telefonema, que os referidos agentes não acederam a falar com a mencionada Testemunha MMS.

xvi. Não foi porém feita prova em audiência de julgamento acerca da forma como esta ordem foi transmitida ao Arguido por forma a resultar evidente que o mesmo a entendeu, sendo a sentença omissa acerca do teor da ordem dada ao Arguido e acerca da extensão da mesma, referindo que o Arguido entendeu o que lhe era pedido à primeira (fazer o primeiro teste de álcool expirado), pelo que não pode ter deixado de entender o que lhe foi pedido depois, vindo essa ordem de um agente uniformizado.

xvii. Mesmo admitindo que o Arguido tivesse entendido que lhe estava a ser solicitado que fizesse um novo teste de álcool - o que a defesa até pode aceitar - a questão é que não entendeu o motivo pelo qual o segundo teste lhe estava a ser exigido e as consequências criminais de não o realizar.

xviii. Acresce que, o grau de proficiência da língua inglesa do agente da PSP não ficou provado, pelo que, exigir que seja o Arguido (cidadão estrangeiro) a provar que não entendeu a extensão e conteúdo de uma ordem que lhe foi transmitida por um agente da autoridade (cujo nível de inglês se desconhece) é uma diabolica probatio que configura uma inversão do ónus da prova num processo de estrutura acusatória, como é o processo penal.

xix. Não existe qualquer prova nos autos nem quanto ao conteúdo, nem quanto à extensão da ordem que lhe foi transmitida, sendo certo de que se estas existissem se devia, deitando mão do princípio in dubio pro reo, articulado com o princípio da presunção da inocência, em cujo conteúdo se integra a proibição de inversão do ónus da prova.

xx. Não foi feita pela sentença ora recorrida, uma correta aplicação deste principio, pelo que, consequentemente, foi feita uma incorreta apreciação, ponderação e avaliação da prova produzida em julgamento, relevante para a decisão, a qual impunha uma decisão diversa da recorrida.

xxi. Nesta perspetiva, a violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida se extrair, por forma mais que óbvia, que o tribunal optou por decidir, na dúvida, contra o arguido.

xxii. Não resulta do circunstancialismo provado que os contornos da atuação do Arguido integrem o crime de desobediência.

xxiii. De um ponto de vista objetivo, comete o crime de desobediência, previsto no artigo 348.º, n.º 1, alínea a) o condutor que, quando seja sujeito de uma ordem de autoridade de fiscalização rodoviária para se submeter às provas de deteção de álcool, se recusar a tal.

xxiv. De um ponto de vista subjetivo, tendo em consideração a prova produzida, é impossível afirmar a existência de qualquer das modalidades de dolo do...

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