Acórdão nº 3519/16.8T8LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ SIMÃO
Data da Resolução28 de Abril de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I .Por sentença de 17-10-2017, proferida no processo com o nº acima indicado do Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Local Criminal de Loulé – Juiz 1) decidiu-se reconhecer a decisão de confisco da propriedade sita em ……., ………, descrita na Conservatória do Registo Predial de ……………. sob o nº …………e inscrita na respectiva matriz com o artigo …….., proferida e transitada em julgado em ………………., contra WG, no Processo com a refª ……………., pelo Tribunal Penal de ……………..

Inconformado o requerido recorreu, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões: «I.O Recorrente desde já declara que, com a interposição do presente recurso, não perde o interesse em obter decisão sobre o recurso anteriormente interposto anteriormente, fazendo expressa menção de que não prescindia do direito de interpor da decisão de reconhecimento e execução proferida, dentro do prazo que ainda não havia decorrido, o qual foi admitido e ainda se encontra em tramitação. Entende o Recorrente que o presente recurso não torna inútil a decisão sobre o anterior, ainda que pontualmente por mera cautela, sejam aqui invocados alguns dos argumentos ali aduzidos, já que foi suscitada a sua irrecorribilidade por meio de recurso interlocutório. II. O presente recurso é interposto da Sentença proferida em 17/10/2017 e notificada ao Recorrente em 26/02/2019, a qual reconheceu a decisão de confisco proferida em ……………,no processo com a referência …………., pelo Tribunal Penal de ……………., determinando que a mesmo fosse executada, através do registo da aquisição do imóvel sito em …………….., descrito na Conservatória do Registo Predial de ………… sob o nº ………………….inscrito na respectiva matriz com o artigo ……………….. III. O Recorrente não se conforma com tal decisão e vem impugnar toda a matéria da mencionada sentença através do presente recurso, o qual tem efeito suspensivo do processo, nos termos da segunda parte do nº 2 do artº 17º da Lei nº 88/2009, de 31 de Agosto. IV. Este efeito suspensivo do processo deve ser entendido, por um lado, no sentido de que impede a prática de quaisquer actos em conformidade com o decidido na sentença recorrida e, por outro, que deve ser assegurado que não sobrevêm mais efeitos da execução já produzida, devendo de imediato ser promovido o seu registo na Conservatória de Registo Predial. V. É inconstitucional a interpretação dos arts. 12º nº 1, 14º e 17.ºn.º 2 da Lei 88/2009, de 31 de Agosto no sentido de que a execução, independentemente do recurso interposto, prossegue os seus trâmites normais, por configurar uma ablação do direito de propriedade, bem como implicar com outros direitos incidentes sobre os bens objecto de execução, por a mesma significar violação do direito à tutela judicial efectiva, ao processo equitativo e às garantias de defesa, em especial ao recurso, consagrados nos arts, 20º nº1 e 4, e 32º, nº 1, da CRP, na dimensão na qual impõem que qualquer cidadão que considere um direito legal ou constitucionalmente garantido seu violado tenha o direito de suscitar a apreciação judicial da referida violação, de participar no processo conducente à decisão judicial sobre a matéria, gozando das prerrogativas processuais de intervenção processual, bem como do contraditório, e ainda, em caso de decisão desfavorável, do direito a recorrer da mesma para uma instância de hierarquia superior, bem como poder obter, tendo ganho de causa, uma solução jurídica que efectivamente proteja os seus direitos. VI. Considerando ainda que no processo de reconhecimento e execução de decisões de perda de bens, o Requerido, de acordo com a Lei 88/2009 de 31 de Agosto, não tem sequer a possibilidade de intervir apresentando a sua defesa em primeira instância, a interpretação das normas dos arts, 12º nº 1, 14º e 17º n.º 2 da Lei 88/2009, de 31 de Agosto conferindo ao recurso efeito devolutivo ou outro que não seja suspensivo do processo, é flagrantemente violadora daqueles princípios, o que se suscita para os devidos efeitos. VII. Como questão prévia, o Recorrente invoca, desde já, a inconstitucionalídade do art. 17º da Lei 88/2009, de 31 de Agosto, por violação do direito à tutela judicial efectiva ao processo equitativo e às garantias de defesa, em especial ao recurso, consagrados nos arts, 20º, nº 1 e 4, e 32°, nº 1, da CRP, uma vez que a limitação da tutela judicial dos direitos do Requerido à interposição do recurso, conforme decorrente do art. 17º, viola aquelas garantias constitucionais, na dimensão supra indicada, VIII. O conceito de recurso do art. 9° da DQ 2006/783/JAI, transposto no art, 17º da Lei 88/2009. de 31.08, é um conceito autónomo de direito da UE bem mais amplo do que o conceito de recurso do direito interno. IX. Tanto a jurisprudência do T]UE, como a do TEDH a propósito da Convenção, exigem, nos respectivos âmbitos de aplicação, o direito a um "recurso efectivo" ou direito a "uma acção" perante os tribunais nacionais, na nomenclatura dos artigos 13.° da CEDH e 47º da CDFUE, para sindicar a violação da CEDH ou do direito da UE, respectivamente, exigência que também está presente no artigo 6º da CEDH, no segmento do "direito a um tribunal". X. O direito a um "recurso efectivo", inequivocamente após o Tratado de Lisboa, é "por força dos artigos 47, nº 1, da Carta e 6.°, nº 1, do TUE, um direito fundamental protegido pela mesma, em consonância com o princípio do Estado de direito e o principio da tutela jurisdicional efetiva consagrados, respetivamente, nos artigos e 19º, nº 1, §2. do TUE"

XI. Se é certo que seria os Estados-Membros a regular, como entenderem os “recursos" ou acções destinadas a garantir a protecção dos direitos dos cidadãos decorrentes do direito da EU, esta liberdade tem como limite os princípios da equivalência e da efectividade. XII. Da perspectiva da efectividade do "recurso" estabelecido na Lei 88/2009 de 3l/08, interpretada no sentido de que inexiste um meio de defesa em primeira instância contra a decisão de reconhecimento e execução de uma decisão de perda de outro EM, o nosso regime, e em concreto o art. 17º daquele diploma é assim violador dos arts, 47° da CPFUE e 6.° e 13º da. CEDH

  1. A correcção deste deve fazer-se interpretando a norma em causa, conjuntamente com o art. 21º, nº 1 e 2, da mesma Lei, no sentido de serem aplicáveis no processo em causa meios de defesa em primeira instância, nomeadamente a apresentação de uma "oposição" que poderá ter os fundamentos permitidos pela DQ 2006/783/JAI, transpostos na Lei 88/2009, de 31.08, oposição essa que poderá basear-se, ou na aplicação analógica mutatis mutandis do regime da Lei 65/2003, de 23.08, ou do regime da oposição à execução do Código de Processo Civil, devidamente adaptado, no sentido de abranger também como fundamentos permitidos para a oposição aqueles constantes da Lei 88/2009, de 31.08. XIV. A não aplicação de um destes regimes redundará na violação dos art. 47º da CDFUE e e 13º da CEDH, na dimensão da obrigação de equivalência dos meios de impugnação aos existentes na ordem jurídica interna. XV. Neste ponto, seja por consequência do juízo de inconstitucionalidade que venha a ser formulado, seja por consequência da aplicação do direito da União Europeia (arts. 9_° da DQ 2006/783/JAI; art, 47º da CDFUE), ou dos arts. 6.° e 13º da CEDH, deve ser considerado procedente o recurso, ordenando-se a nova notificação do Requerido para apresentar a sua oposição, com informação concreta de qual o meio de oposição de que dispõe para o efeito, para que do mesmo possa fazer uso efectivo (podendo, depois, recorrer da decisão judicial que venha a recair sobre tal meio de defesa). XVI. Relativamente às questões de direito da União Europeia suscitadas, tratando-se de questões novas e até à data não tratadas, não sendo questões explicitamente e inequivocamente resolvidas pelo direito da UE desde já se requer o reenvio prejudicial das mesmas para apreciação pelo TJUE. XVII. As questões interpretativas de direito da União Europeia devem ser submetidas à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), por meio de reenvio prejudicial, sob pena de violação do art. 267º do TFUE e em particular o nº 3, já que o reenvio é obrigatório para o Tribunal de última instância, e do art,8º nº 4, da CRP, devendo o ora Recorrente ser notificado para propor, em concreto, a redacção das questões a apresentar àquele Tribunal (que, no essencial, tratam da compatibilidade do art, 17º, da Lei 88/2009, de 31 de Agosto, com o art. 9º da DQ 2006/783/JAI, na medida em que apenas prevê como meio de impugnação o recurso, o que pressupõe decidir sobre a interpretação desta norma deste instrumento da UE e, caso se conclua pela respectiva compatibilidade, decidir sobre a compatibilidade da DQ 2006/783/JAI com o art, 47º da CDFUE. XVIII. O não reenvio para o TJUE de uma questão de interpretação do direito da União quando existam dúvidas interpretativas sobre o seu conteúdo e esta seja necessária para a decisão de um processo nacional pelo tribunal de última instância e inexistam decisões do TJUE sobre a questão suscitada é inconstitucional, por violação do art.8º nº 4 da CRP, e do princípio do primado do direito da UE, e do art. 32º nº 9, da CRP, todos conjugados com o artº 267º, em particular o nº 3, do TFUE. XlX. As questões de direito da União suscitadas são questões essenciais ao desfecho do presente processo - já que determinam qual o meio de defesa ou impugnação aplicável por parte do Requerido, sendo com isso susceptíveis de influir na conformação concreta do processo, na definição da amplitude dos direitos de defesa e intervenção do Requerido e, como tal, na decisão da causa; são questões novas, não decididas pelo TJUE, não resultando claro da jurisprudência existente até à data a resposta que o direito da União daria às mesmas, como interpretado pelo TJUF; e o Tribunal ad quem é a última instância neste processo. XX. Assim, é obrigatório o reenvio da...

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