Acórdão nº 64/19.3T9EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelANA BRITO
Data da Resolução24 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo Comum Colectivo n.º 64/19.3T9EVR, da Comarca de Évora, foi proferido acórdão a: “a) Absolver o Arguido (...) da prática, na forma consumada, de cinco crimes de abuso sexual de criança agravados, p. e p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 177.º n.º 1, alínea b), do Código Penal; b) Condenar o Arguido (...) pela prática, na forma consumada, e em concurso efetivo de quatro crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º n.º 1, do Código Penal, nas penas parcelares de quatro (4) anos de prisão para cada um deles; c) Condenar o Arguido pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º n.º 1, do Código Penal, na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão; d) Condenar o Arguido pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de coação agravada, p. e p. pelos artigos 154.º n.º 1 e 155.º n.º 1, alíneas b) e c), do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão; e) Em cúmulo jurídico das penas parcelares acima mencionadas, condenar o Arguido na pena única de doze (12) anos e seis (6) meses de prisão; f) Manter o Arguido sujeito à medida de coação de proibição de contactos, por si ou por interposta pessoa, com (…), até trânsito em julgado do presente acórdão, por se manterem inalterados os pressupostos que determinaram a aplicação dessa medida, os quais se mostram reforçados atenta a presente condenação.” Foi ainda julgado procedente o pedido cível deduzido contra o arguido e condenado este a pagar a quantia de € 15000,00 (quinze mil euros) a (...), acrescida de juros desde a presente data até efetivo e integral pagamento.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo: “1. No que tange à incriminação, plasma o Ministério Público na acusação: "Pelo exposto, o arguido (...) cometeu, como autor, em concurso real e sob a forma consumada, cinco crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 1, alínea a), e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, e um crime de coacção agravada, previsto e punido pelos artigos 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal." 2 Na primeira página do douto Acórdão recorrido, está plasmado: “ I. RELATÓRIO Em processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo, o Ministério Público deduziu acusação contra (...), atualmente preso preventiva à ordem do Processo n.º 1ü29/19.üT9EVR, no Estabelecimento Prisional de Elvas; Imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de cinco crimes de abuso sexual de criança agravados, p. e p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 177.º n.º 1, alínea b,, do Código Penal, e um crime de coação agravada, p. e p. pelos artigos 154.º n.º 1 e 155.º n.º 1, alíneas a) e b,, do Código Penal." 3. O douto acórdão recorrido altera o enquadramento jurídico dos factos constantes da acusação, expurgando ilicitamente a referência ao crime previsto no Artigo 171º/1-a) do Código Penal.

  1. O arguido pugnou no Tribunal recorrido, pela inexistência de qualquer ilícito criminal previsto no Artigo 171º/1-a) do Código Penal.

  2. A douta decisão recorrida do Tribunal a que, ao proceder ilicitamente à alteração da qualificação jurídica dos factos, contraria o previsto na Constituição da República Portuguesa, e o previsto nas disposições penais aplicáveis, substantivas e adjectivas.

    6 . O Tribunal a quo nunca informou o arguido da alteração da qualificação jurídica dos factos, em violação do previsto no Artigo 358º/1 e 3 do Código de Processo Penal.

  3. A violação de tais normas, tem como consequência a nulidade da douta decisão recorrida por omissão de pronúncia, atento ao previsto no Artigo 379/1-c) do Código de Processo Penal.

  4. O enquadramento legal plasmado na acusação, na parte que tange à eventual prática pelo arguido do crime previsto e punido no Artigo 171º/1-a) do Código Penal, denota violação pelo previsto no Artigo 32º/5 da Constituição da República Portuguesa, e o previsto no Artigo 1º/1 do Código Penal.

  5. A condenação do arguido na douta decisão recorrida, assenta na prática por este de pretensos factos, cuja punibilidade, em parte, não está prevista no Código Penal.

  6. O ilícito criminal atribuído ao arguido, p.p. no Artigo 171º/1-a) do Código Penal, em parte da acusação pública, porque tal previsão não existe no C.P., impede a condenação deste, atento ao que decorre do princípio da legalidade previsto no Artigo 1º/1 do Código Penal.

  7. Acresce que a douta decisão recorrida, ao alterar ilicitamente a qualificação jurídica dos factos, viola o princípio da independência do Tribunal em relação à acusação, previsto no Artigo 32º/5 da CRP.

    Sem transigir, por dever de patrocínio se alega; 12. O ser humano arguido nestes autos, sente que, injustamente, o pretendem privar injustamente, da sua liberdade e da sua honra.

  8. A privação da liberdade e da honra de alguém, não deve, especialmente in casu, proceder, mesmo que, a mentira, se funde em aparente verdade.

  9. Resulta do texto da douta decisão recorrida, além do mais, a evidente falta de ponderação de forma crítica, das declarações do arguido, nas quais nega a prática de qualquer um dos factos que lhe são atribuídos na acusação.

  10. A douta decisão recorrida do Tribunal a que, estriba-se essencialmente nas declarações prestadas pela menor, o que resulta no texto desta.

  11. Brota com evidência no texto da douta decisão recorrida que, as declarações da menor não são devidamente sopesadas, o que ofende regras da experiência comum.

  12. Resulta evidente no texto da douta decisão recorrida, a inexistência de ponderação pelo tempo decorrido desde os pretensos factos, em notório prejuízo para a descoberta da verdade material.

  13. No texto da douta decisão recorrida é consagrada uma deficiente ponderação das declarações da menor, as quais se mostram de extrema imprecisão, devido especialmente ao tempo decorrido desde os pretensos factos.

  14. É perceptível, pela análise ao texto da douta decisão recorrida que, as declarações da menor, impossíveis de confirmar por outros elementos de prova, são totalmente insuficientes para estribar a condenação do arguido.

  15. Do texto da decisão do Tribunal a quo de que ora se recorre, brota a notória falta de análise crítica e ponderada, de toda a prova.

  16. O texto da decisão recorrida não espelha a ponderação das declarações de negação da prática dos factos, que foi efectuada pelo arguido.

  17. O texto da douta decisão recorrida reflete a excessiva credibilidade atribuída às declarações da menor, não sopesando as do arguido.

  18. Destarte, mostra-se evidente no texto da douta decisão recorrida a violação pelo princípio in dubio pro reo, o qual é uma das vertentes do princípio constitucional da presunção de inocência, contemplada no Artigo 32º/2, 1ª parte, da Constituição da República Portuguesa.

  19. Sobre tal matéria, na perspectiva de uma melhor aplicação do direito, mormente os Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Março 2009, no processo com o n.º 07P1769, e de, 06 de Fevereiro de 2013, P. 593/09.7TBBGC.P1.S1, 3ª secção, acessíveis nomeadamente em www.dgsi.pt/jst], para cujos textos integrais se remete para todos os efeitos legais, sumariado, se decide: No primeiro Acórdão a que se alude; II - O «ln dubio pro reo é um princípio geral do processo penal, pelo que a sua violação conforma uma autêntica questão-de-direito que cabe, como tal, na cognição do STJ. Nem contra isto está o facto de dever ser considerado como princípio de prova: mesmo que assente na lógica e na experiência (e por isso mesmos, conforma ele um daqueles princípios que ( ... ) devem ter a sua revisibilidade assegurada, mesmo perante o entendimento mais estrito e ultrapassado do que seja uma «questão-de¬direito» para efeito do recurso de revista» - Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.ª ed. (1974L Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, págs, 217-218; cf., ainda, Cristina Líbano Monteiro, ln Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997, e Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 437.

    111- O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito.

    No segundo Acórdão; VII - O princípio in dúbio pro reo é princípio geral do processo penal decorrente do princípio da presunção de inocência do arguido. Como tal, assume a natureza de uma questão de direito de que o STJ deve conhecer quando da globalidade do próprio texto da decisão resultar que o tribunal, apesar da hesitação sobre a prova de determinado facto, decidiu em sentido desfavorável ao arguido.

  20. A apreciação da prova efectuada pelo Tribunal a que, aferível a partir do texto da douta decisão recorrida, viola de forma notória os princípios comuns da lógica e da razão.

  21. Igualmente resulta no texto da douta decisão recorrida a violação pelo princípio da objectividade.

  22. Resulta insuficiente a ponderação crítica pelo Tribunal recorrido, do tempo verificado desde os pretensos factos atribuídos ao arguido, conforme plasmado no texto da douta decisão recorrida.

  23. Tal período, situado em mais de seis anos, na vertente factual e de direito, mostra-se de extrema relevância para a formação da convicção decisória.

  24. O tempo decorrido desde os pretensos factos, releva em todas as vertentes, o que já havia sido judicialmente ponderado quando foram fixadas as medidas de coacção ao arguido, o que contudo, na douta decisão recorrida, é totalmente ignorado.

  25. A convicção do Tribunal plasmada no texto da douta decisão recorrida, além do mais, viola o previsto no Artigo 340º/1 e 2 do CP, porque não pondera o facto de a menor ser filha de Pai ausente e de Mãe nomeadamente com problemas...

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