Acórdão nº 593/09.7TBBGC.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório 1.1.

No processo em epígrafe, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Bragança, respondeu, com outra, o arguido AA – natural de Mirandela, onde nasceu no dia 06.02.1982, filho de BB e de CC, titular do BI nº 0000000e residente, então, em Vivenda C............., Rua T..............., Achete, Santarém – que foi condenado, pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 24º, alínea i), do DL 15/93, de 22 de Janeiro e 75º e 76º, nº 1, do CPenal, na pena de 9 (nove) anos de prisão.

Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, pelo acórdão de fls. 3768 e segs., de 27.06.2012, negou provimento ao recurso e confirmou o acórdão recorrido.

Ainda não conformado, interpôs recurso dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça cuja motivação encerrou com as seguintes conclusões, que transcrevemos: «

  1. O presente recurso visa questionar a douta decisão recorrida, nos seguintes aspectos: a) impugnação da decisão de facto quanto à decisão condenatória ao arguido b) Impugnação da matéria de direito relativamente a: 1) Das intercepções telefónicas/violação do disposto no artigo 187°, n.° 1 do C.P.P com referência ao disposto nos artigos 18° e 34° da C.R.P.; 2) "Da árvore do fruto envenenado" ou do efeito à distância; 3) Interpretação dada pelo Tribunal violou o artigo 147°, n.° 7 do C.P.P. e artigo 32°da CRP; 4) Violação do princípio da livre apreciação da prova; 5) Da inexistência de responsabilidade penal pela alegada prática de crimes de tráfico de estupefacientes; 6) Da medida, da pena aplicável - Pena excessiva; 7) Da existência de fundamento para a suspensão da execução da pena relativamente ao arguido.

  2. Impugnação da matéria de facto: O douto acórdão recorrido perfilha o entendimento de que as provas produzidas em audiência permitem fazer um juízo de segurança quanto ao facto de o arguido ter praticado o crime de que foi acusado.

    1) Ora, esta fundamentação é inaceitável dado que a situação de facto, tal como ela se desenrolou. Na verdade, conforme se demonstrará adiante a decisão é inaceitável dos aspectos impugnados por se entender que:

    1. Existem provas claras, que foram produzidas e examinadas em audiência, que impunham decisão diferente quanto ao arguido; b) que inexistem provas que possam condenar o arguido da prática de crimes de tráfico c) Não existe qualquer fundamento para a decisão de condenação.

      2) Pontos de facto incorrectamente julgados e provas que impõem decisão diversa da recorrida: - Pontos dados como provados na matéria de prova: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 (confirmados pelo Tribunal da Relação do Porto)

    2. Provas que impõe decisão diversa: Atenta a ausência de provas resultante do Tribunal e em virtude da dúvida razoável existente e, por conseguinte, a ausência de certeza máxima requer-se a análise de todos os depoimentos produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento.

  3. Impugnação da matéria de direito b) A primeira questão que o arguido levanta prende-se, forçosamente, com a violação dos princípios da necessidade, subsidiariedade e proporcionalidade resultantes do artigo 187°, n° 1 do C.P.P.

    1. Importa ter presente que os presentes autos tiverem a sua génese noutro arguido que não o arguido AA d) [em branco no original – cfr. fls. 3901; como em branco está a alínea correspondente das conclusões da motivação do recurso para a Relação – cfr. fls. 3778] e) Este elemento indiciário, resultante de um outro processo em que o investigador titular acabou por ser o mesmo dos correntes autos, foi e é, salvo o devido respeito, manifestamente insuficiente para se deferir a realização de escutas telefónicas.

    2. Refere-se que havia outro meio probatório que possibilitasse o avanço das investigações.

    3. A questão é a de saber se para se autorizar uma intercepção telefónica ao Tribunal basta a indicação do crime de catálogo, ou sé é imperativo invocar e demonstrar, pelo menos, a existência de indícios objectivos e consistentes da prática desse crime.

    4. Assim tal decisão com base nas informações recolhidas é manifestamente insuficiente atentos os interesses em conflito.

    5. O despacho judicial autoriza inicialmente as intercepções telefónicas, sem, como lhe competia, proceder à avaliação prévia dos indícios e da necessidade das aludidas escutas telefónicas.

    6. Daqui resulta, salvo melhor opinião, que não existia fundamento legal para proceder a uma escuta telefónica com base nos indícios existentes os quais, recorde-se, não vieram a ser provados em Tribunal.

    7. Na verdade, não ficou demonstrado, no douto despacho, a impossibilidade de prossecução do objectivo almejado por meio menos gravoso.

    8. Com o devido respeito, os autos fazem fé pelo aquilo que está lá escrito e não por aquilo que não está lá escrito.

    9. Na estrita aplicação do direito torna-se imperativo a verificação dos requisitos que presidem à autorização de uma escuta telefónica. Tal ponderação dos requisitos é feita, ou deverá se feita, antes da sua autorização e não à posterior aquando da análise dos seus resultados.

    10. Daqui resulta que, no momento da autorização da intercepção da escuta telefónica, os requisitos que presidem a autorização não se encontravam preenchidos.

    11. Diferente interpretação ao disposto no n° 1 do artigo 187° do C.P.P. representa uma clara inconstitucionalidade, por força dos artigos 18° e 34° da C.R.P. a qual, desde já, se arguiu.

    12. Tal facto vem a corroborar a tese da defesa do arguido de que as intercepções telefónicas, tal como vieram a ser autorizadas, careciam de comprovação, através de outros meios de prova, nomeadamente a continuação de vigilâncias para a percepção da existência ou não de movimentações suspeitas (nomeadamente da alegada actividade de venda e compra de produto estupefaciente) para poderem ser devidamente valoradas para a necessidade de autorizar um meio de prova, tão invasivo da vida provada, como são as intercepções telefónicas.

    13. Não sucedendo o supra exposto permite concluir pela inutilidade das intercepções telefónicas.

    14. Por conseguinte foi violado o princípio da subsidiariedade que impõe, além do mais, a demonstração de indícios fortes da prática de um dos crimes mencionados no artigo 187° do C.P.P., pelo que e por falta da sua fundamentação se argui a nulidade de todas as intercepções telefónicas.

    15. Dispõe ainda o artigo 262°, n.° 1 do C.P.P. que o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação. t) Atenta a natureza dos actos praticados e ao tempo - vasto e prolongado - em que ocorrem e com a relação intrínseca existente entre os actos em si, torna-se imperativo determinar se a simples declaração de vicio respeitante a um desses actos deve, ou não estender aos demais que lhe sejam subsequentes.

    16. A limitação da descoberta inevitável baseia-se no princípio que o efeito da prova proibida não impossibilita a admissão de outras provas derivadas quando essas mesmas provas tenham sido descobertas através de outra actividade investigatória legal e só nestes casos.

    17. No caso de limitação de mácula dissipada o princípio é de que uma prova, não obstante derivada de outra prova ilegal, possa vir a ser aceite, sempre que os meios para a alcançar tenham autonomia relativamente a esta, de tal modo que possam produzir uma atenuação decisiva da ilegalidade precedente.

    18. Ora forçoso somos de concluir que, no caso em apreço, as escutas realizadas ao arguido mostraram-se infrutíferas e, pelo exposto, as consequentes intercepções padecem de legalidade razão pela se arguiu a nulidade de todas elas.

    19. Assim e tal como já defendido supra, admitida que seja a dúvida, o Tribunal recorrido deveria ter aberto mão do instituto do In dúbio pro reo, como medida de mais elementar prudência e decorrente dos princípios constitucionais e sagrados na ponderação e apreciação da prova, o que, salvo o devido respeito, não sucedeu.

    20. Resulta inequivocamente provado através dos depoimentos das testemunhas da PSP, que os reconhecimentos realizados em audiência de discussão e julgamento não cumpriram os requisitos impostos pelo artigo 147°, n° 1 do C.P.P..

    21. No caso em concreto dúvidas não existem que o reconhecimento efectuado em julgamento não cumpriu com as formalidades exigidas pelo artigo 147°, n.° 1 e 2 do C.P.P. razão pela qual, nos termos do n° 7 do mesmo artigo: "o reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer." aa) Pelo exposto a interpretação dada pelo Tribunal no douto acórdão, de desvalorizar o conteúdo dos autos de reconhecimento efectuados em Tribunal violou o disposto no n.° 7 do artigo 147° do C.P.P. uma vez que o Tribunal tinha, obrigatoriamente, que declarar que os reconhecimentos de pessoas de fls... não tinham valor como meio de prova com as demais consequências que daí se retiram.

    bb) Na apreciação das provas o julgador deve nortear a sua actividade, procurando analisar de forma lógica as provas, todas as provas produzidas, através de um juízo de normalidade das coisas, de onde resulte a reconstituição dos factos com um certo grau de certeza.

    cc) O que está em causa neste caso resulta da conjugação de dois princípios fundamentais, a saber: o dever de fundamentação e o da livre apreciação da prova. Como se referiu supra a douta fundamentação é irrazoável, denota falta de clareza e não valorou as provas relevantes em termos legais, entre elas, o depoimento do arguido. Por outro lado, também foi violado o princípio da livre apreciação da prova, dado que não apreciaram as provas de acordo com as regras da experiência.

    dd) Assim, resulta inequivocamente demonstrado que, pese embora o Tribunal tenha desvalorizado os reconhecimentos pessoais de fls... não declarou que os mesmos não tinham...

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