Acórdão nº 446/19.0GHSTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelANA BRITO
Data da Resolução14 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 446/19.0GHSTC.E1 Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo Sumário n.º 446/19.0GHSTC, da Comarca de Setúbal (Santiago de Cacém), foi proferida sentença a absolver o arguido (…) de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, dos artigos 347.º, n.º 2, do Código Penal; um crime de condução perigosa de veículo rodoviário dos artigos 291.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (em concurso aparente com as contra-ordenações dos artigos 3.º, n.ºs 2 e 3, 4.º, n.ºs 1 e 3, 13.º, n.ºs 1 e 5, 14.º-A e 16.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 146.º, alínea l) do Código da Estrada). Foi ainda decidido “consignar que não é admissível a convolação do imputado crime de condução perigosa em crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal”.

Inconformado, recorreu o Ministério Público, concluindo: “1. Por sentença proferida a 25/10/2019, o tribunal a quo decidiu absolver o arguido (…) da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelos artigos 291.º, n.º 1 14.º, n.º 1, 26.º e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e de uma contra-ordenação grave e de uma contra-ordenação muito grave, previstas e punidas nos termos dos artigos 3.º, n.ºs 2 e 3, 4.º, n.ºs 1 e 3, 13.º, n.º 1 e 5, 14.º-A e 16.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 146.º, alínea l) do Código da Estrada.

  1. Não concorda o Ministério Público com tal decisão, porquanto entende que: - padece de nulidade por existir uma contradição insanável entre os factos provados e os factos não provados, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal; - deveria o arguido (…) ter sido condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido nos termos do artigo 291.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e, caso assim não se entendesse sempre deveria ter sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos dos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, ao invés de ter sido absolvido; - padece a sentença a quo de omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, artigo 20.º do Regime Geral das Contra-ordenações e artigo 134.º do Código da Estrada.

  2. Em relação à matéria de facto: 3.1 O tribunal a quo deu como provada a factualidade objectiva do crime pelo qual o arguido vinha acusado, ou seja, os factos atinentes aos elementos objectivos e alguns elementos subjectivos do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, a considerar, como a TAS, a ingestão de bebidas alcoólicas, a circunstância de o arguido não ter cumprido a ordem para parar que lhe foi dada pelo senhor militar da GNR, para se esquivar à respectiva acção de fiscalização devido ao facto de ter ingerido bebidas alcoólicas, que constam nos pontos 10, 11 e 12 da matéria de factos dada como provada.

    3.2 No entanto, a sentença deu como não provadas as alíneas b), c) e e) que concernem a elementos subjectivos do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido nos termos dos artigos 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, apesar da prova produzida impor que os mesmos fossem dados como provados.

    3.3 Assim, operou o tribunal a quo uma contradição expressa entre factos provados e factos não provados, pois verifica-se uma antinomia entre eles, já que, dá como provados factos atinentes aos elementos objectivos e subjectivos do crime de condução perigosa de veículo e simultaneamente deu como como não provados elementos subjectivos do tipo, o que acarreta uma nulidade, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal.

    3.4 Ora, os elementos subjectivos traduzem-se no resultado lógico a extrair da factualidade provada, devendo ser retirados, por presunção judicial, em conjugação com as regras da experiência comum, da prova e da factualidade provada, pelo que, existe erro notório na decisão dos factos não provados, pelo que, violou a sentença ora recorrida o artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.

    3.5 Mais, atenta a factualidade provada e a factualidade não provada, importa concluir que, o Tribunal a quo empreendeu uma verdadeira inversão de raciocínio ao fazer com que a decisão jurídica ditasse o teor da decisão sobre os factos provados e não provados, quando o método judiciário impõe precisamente o inverso, ou seja, a decisão sobre os factos (provados e não provados) é que deve determinar o enquadramento jurídico e a solução de direito a dar ao caso concreto.

  3. Assim, uma vez, corrigida a matéria de facto, dando como provados os factos constantes das alíneas b), c) e e) da matéria de facto não provada, deveria o arguido (…) ser condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido nos termos dos artigos 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

    4.1 Com efeito, o arguido conduzia com uma TAS de 1,454 g/l, e, nesse estado anímico violou grosseiramente as regras estradais no que tange à velocidade e à circulação em rotundas, conduta que potenciou o perigo que a condução em si mesma configura.

    4.2 Com efeito, atento ao comportamento do arguido aliado às regras científicas e de experiência comum, torna-se forçoso e evidente concluir que, o arguido criou efectivamente perigo para a vida ou integridade física de todos aqueles que consigo se cruzaram e circulavam na via pública bem como, ainda, para com bens alheios de valor elevado.

    4.3 Assim, a conduta do arguido era susceptível de criar um resultado, um dano, ainda que o mesmo não tenha ocorrido, pois tratando-se de um crime de perigo concreto não é exigível a verificação do resultado, pois a sua verificação agrava o crime, mas não é um pressuposto para a sua prática.

  4. Ainda que se entendesse que o arguido não praticou um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido nos termos dos artigos 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, sempre deveria o arguido ter sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos dos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

    5.1 Com efeito, os aludidos crimes encontram-se em concurso aparente, sendo o crime de condução de veículo em estado de embriaguez consumido pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário. Porém, uma vez que seja afastada a responsabilidade penal pelo crime mais grave, importará verificar da responsabilidade criminal pelo crime consumido, pois que foi afastada a possibilidade de dupla valoração dos mesmos factos e dupla condenação que se pretende salvaguardar com o princípio “ne bis in idem”.

    5.2 Deste modo, o arguido conduzia com uma TAS de 1,454 g/l, na via pública, resultando provados na sentença todos os factos atinentes aos elementos objectivos e aos elementos subjectivos do aludido de crime, pois que, trata-se de um crime de dolo genérico.

  5. Importa, então, determinar a pena concreta a aplicar ao arguido. Deste modo, para a determinação concreta da pena relevam os critérios insertos nos artigos 70.º e 40.º, n.º 2 do Código Penal, atinentes às necessidades de prevenção geral especial e à medida da culpa.

    6.1 Assim sendo, importa referir que as necessidades de prevenção geral são elevadas, atendendo ao alarme social implícito nos crimes que visam a salvaguarda da segurança rodoviária.

    6.2 No que concerne às necessidades de prevenção especial, o arguido tem antecedentes criminais pela prática de um crime da mesma natureza, tendo sido julgado e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos dos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, a que acresce que a conduta do arguido, no seu conjunto, reveste muita gravidade, atendendo a que, apesar da TAS isoladamente considerada não ser muito alta, a esta alia-se um comportamento em completo alheamento das regras estradais.

    6.3 Assim, entende-se que a aplicação de uma pena de multa ao arguido ainda satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial, que contudo, deverá situar-se entre o ponto médio e o ponto máximo da pena abstractamente aplicável. Desta forma, julga-se ser adequada e proporcional a aplicação de uma pena de 250 dias, à taxa diária de 6,50 euros, o que perfaz o montante total de €1.625,00 (mil, seiscentos e vinte cinco euros).

    6.4 De qualquer modo, caso se entenda ter o arguido praticado o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, entende-se que deve ser aplicada ao arguido a pena de 85 dias de multa, à taxa diária de €6,50, o que perfaz o montante total de € 552,50 (quinhentos e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos).

    6.5 Prevendo ainda a aplicação de sanção acessória de proibição de conduzir, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, entende o Ministério Público que deve a mesma ser aplicada e fixada pelo período de 6 meses.

  6. Acresce, no caso dos autos, entendendo o tribunal a quo que o arguido deveria ser absolvido da prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, sempre teria também de se pronunciar em relação à prática de contra-ordenações graves, previstas e punidas nos termos dos artigos 3.º, n.ºs 2 e 3, 4.º, n.ºs 1 e 3, 13.º, n.ºs 1 e 5, 14.º-A e 16.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alíneas e) e f) do Código da Estrada.

    7.1 Ora, contrariamente ao que foi sufragado pelo tribunal a quo, mesmo que se entenda existir concurso aparente entre tal crime e a aludida contra-ordenação, tal não faz precludir a acusação pela contra-ordenação.

    7.2 Com efeito, importa atender que o artigo 20.º do Regime Geral das Contra-ordenações, decorre do princípio constitucional ínsito no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa “ne bis in idem”, visando com o mesmo evitar...

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