Acórdão nº 943/18.5T9LLE-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução14 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

IAcordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de inquérito acima identificados, dos Serviços do M.º P.º de Loulé, foi no dia 20-8-2019 realizado 1º interrogatório de arguidos detidos (…), aos quais foi aplicada, além doutras, a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação e proibição de contactos, pela indiciada prática de, além de outros que agora não interessam ao caso, um crime de lenocínio simples, p. e p. pelo art.º 169.º, n.º 1, do Código Penal.

Quando o M.º P.º pretendeu que o Exmo. JIC determinasse serem os autos de especial complexidade, este indeferiu tal pretensão, alegando, além do mais, que aquele crime de lenocínio simples não preenche o conceito de criminalidade violenta a que aludem os art.º 215.º, n.º 2 e 1.º al.ª j), do Código de Processo Penal (diploma do qual serão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem), necessária e indispensável a tal desiderato, por se ter entendido não ser tal lenocínio um crime contra a liberdade e autodeterminação sexual mencionadas no referido art.º 1.º al.ª j).

O despacho em questão tem o seguinte teor: Veio a Digna Magistrada do Ministério público, na sua douta promoção de 13/11/2019, requerer a aplicação da excepcional complexidade aos presentes autos, em virtude da quantidade de diligências já designadas, bem como aquelas que ainda se mostram pendentes.

Notificados os arguidos para se pronunciar, os mesmos nada disseram.

Apreciando.

A referência à "especial complexidade" encontra-se prevista no art.º 215.°, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, podendo ter lugar face "ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime".

Ainda, o mesmo preceito legal delimita a possibilidade de ser conferida excepcional complexidade aos crimes que se encontram previstos no n.º 2 do art.º 215.°, a saber: "(…) em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime: a)Previsto no artigo 299.º no n.º 1 do artigo 318.º, nos artigos 319.º, 326.º, 331.º ou no n.º 1 do artigo 333.º do Código Penal e nos artigos 30.º, 79.º e 80.º do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro; b) De furto de veículos ou de falsificação de documentos a eles respeitantes ou de elementos identificadores de veículos; c) De falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e equiparados ou da respectiva passagem; d) De burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em negócio; e) De branqueamento de vantagens de proveniência ilícita; j) De fraude na obtenção ou desvio de subsidio, subvenção ou crédito; g) Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima." No que ao presente caso diz respeito, são imputados aos arguidos os seguintes crimes: A (…), em co-autoria material, um crime de lenocínio p. e p. pelo art.º 169, n.º 1, do Cód. Penal; A (…), em co-autoria material, um crime de trafico de estupefacientes, p. e p pelo art.º 25.°, alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro; A (…), um crime de detenção de arma proibida e de arma modificada, previsto e punido pelas alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 86.° da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as últimas alterações republicadas pela Lei n.º 50/2013, de 24 de Julho; A (…), um crime de detenção de arma proibida, - previsto e punido pela alínea d) do n.º 1 do art.º 86.° da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as últimas alterações republicadas pela Lei n.º 50/2013 de 24 de Julho; e A (…), um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01.

A respeito dos crimes de lenocínio, escreveu-se no despacho que aplicou a medida de coacção o seguinte: "E dizemos apenas um crime de lenocínio, não obstante o numero de prostitutas que exerciam aquela que é conhecida pela "mais velha profissão do mundo ". já que entendemos que o bem jurídico protegido em tal tipo de crime não é a liberdade e determinação sexual de cada uma das mulheres, maior de idade e no perfeito estado das suas faculdades pretende exercer prostituição mas antes que o legislador ao punir todo e qualquer aproveitamento e lucro obtido à custa da prostituição de outros, pune essencialmente uma actividade, uma profissão.

Acresce dizer que, in casu encontramos perante a mera previsão do art.º 169° n.º 1 (lenocínio simples) e não a do n° 2 do referido preceito legal (lenocínio agravado).

Conforme se descreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-042012, Processo n.º 8/06.2GAAMT.P1, disponível na base de dados da DGSI e a jurisprudência igualmente ali citada, no tipo previsto no n.º 1 do referido preceito legal está verdadeiramente em causa um crime sem vítima, pelo que havendo uma só resolução criminosa, como se indicia nestes autos e relativamente a todos os arguidos, consuma-se a realização de um só crime de lenocínio independentemente, claro está do numero de prostitutas que possam ter exercido a referida actividade de prostituição.

Diga-se, desde já que face ao entendimento atrás exarado o crime de lenocínio não pode ser enquadrável como um crime de criminalidade violenta ou altamente organizada, na previsão do art.º 202º alínea b) e c) e alíneas j) a m) do art.º 1° ambos do Código Processo Penal. Com efeito, ao entender-se que o crime de lenocínio não tem como objecto a tutela de um bem jurídico eminentemente pessoal afastada se mostra a previsão da "criminalidade violenta".

" (sublinhado nosso).

Por via disso, ao crime de lenocínio imputado aos arguidos foi judicialmente afastada a qualificação de "criminalidade violenta", não tendo o despacho sido objecto de recurso, razão pela qual tal qualificação - e sua influência nos prazos máximos da respectiva medida coactiva aplicada - se encontra fixada.

Por outro lado, o art.º 51.° do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, refere o seguinte: "Para efeitos do disposto no Código de Processo Penal, e em conformidade com o n.° 2 do artigo 1.° do mesmo Código, consideram-se equiparadas a casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada as condutas que integrem os crimes previstos nos artigos 21.° a 24.° e 28.° deste diploma." Deste modo, do conceito...

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